EXPRESSÕES PARAIBANAS
São expressões tipicamente paraibanas, ou de Campina Grande. Não sei até onde se estendem pelo resto do Nordeste. Mostram o grau de inventividade da nossa linguagem diária, uma linguagem de imagens fortes, sem preocupação de verossimilhança mas com impacto imediato. “Se fosse uma cobra, tinha me mordido!”. Usa-se quando se está procurando algum objeto e então se percebe que ele estava bem próximo, ao alcance da mão.
“Isto aqui tem dois “v”: vai e volta”. Advertência muito comum ao se emprestar um objeto qualquer, deixando claro que é para ser devolvido.
“Rouba até pano de pereba”. Diz-se do ladrão compulsivo, ou completamente sem escrúpulos. “Olha, você tenha cuidado quando andar aqui na vizinhança, porque esse pessoal daqui rouba até pano de pereba.” “Pano de pereba” é aquele pano com que os mendigos envolvem e protegem as feridas que têm no corpo: ou seja, a última coisa que a alguém ocorreria roubar.
“Felicidade que...” Equivale, precisamente, a: “Ainda bem que...”, “felizmente que...”, e deve ser uma forma abreviada de algo como “A felicidade [=sorte] dele foi que...” Ex.: “Vocês souberam? O carro de Fulano capotou ontem na estrada. Felicidade que vinha outro carro atrás, e as pessoas socorreram eles.” “Houve um começo de incêndio no armazém, ontem de noite. Felicidade que um vizinho viu a fumaça e telefonou pros bombeiros.” Há uma variante mais próxima da linguagem comum: “Por felicidade, eles tinham levado as coisas de valor para outro lugar, os ladrões só levaram umas bobagens.”
“O remédio de um doido é outro na porta”. Quando alguém começa a se portar de maneira extravagante, a melhor maneira de lidar com ele é usando a mesma tática.
“É um só, como a roupa de Jesus”. Diz-se de algo que nunca varia. "Faz seis meses que eu cobro esse dinheiro, e a conversa de Fulano é uma só, como a roupa de Jesus – mês que vem eu pago, mês que vem eu pago..." Já vi cantadores de viola dizerem de algum colega: “A cantiga de Fulano é como a roupa de Jesus, é uma só, a vida toda”. Há duas explicações para essa idéia: 1) A roupa de Cristo não tinha costuras, era feita numa única peça (daí vem a expressão "clâmide (túnica) inconsútil (não costurada)”, usada por Emilio de Menezes num soneto famoso); 2) A roupa de Jesus foi a mesma desde a infância até a idade adulta – a acreditar nesta versão, a túnica teria aumentado de tamanho, por licença poética ou autorização divina, à medida que ele foi crescendo. Penso que a primeira idéia tem alguma origem clássica ou lendária, e que a segunda brotou por confusão das pessoas sobre o conceito de que "a roupa era uma coisa só".
MALDITOS POPULARES
Dias atrás postei aqui um artigo onde comentava algumas expressões que me pareciam totalmente campinenses ou paraibanas. Penso nelas assim porque foi em Campina que as ouvi pela primeira vez, e muito pouco em outros lugares. Muitos leitores, de outros Estados, demonstraram conhecê-las há muito tempo, tê-las como típicas de sua região de origem. Serão brasileiras por inteiro? Serão uma compreensível assimilação da fala nordestina, a região que mais exporta falantes para o resto do Brasil? Não dá pra saber, mas aqui vão outros exemplos do meu Dicionário da Fala Paraibana.
“Andar de urubu baleado”: Um andar oscilante, sestroso e artificial, com as pernas meio arqueadas, usados por "playboys" de subúrbio ou por malandros de zona. "De vez em quando a gente está por ali, tomando uma cervejinha, aí de repente chega Fulano, com aquele andar de urubu baleado, usando óculos escuros de noite e mastigando um palito." Variante: “Andar de urubu cangueiro”.
“Dar ponto”: Aprovar. “Ih, rapaz, dei ponto a essa sua camisa! Muito bonita!” “Dei ponto à atitude de Fulano, eu não esperava outra coisa dele”. Também se usa, no sentido passivo, “ganhar” e “perder ponto”. “Fulano ganhou ponto comigo depois daquele discurso que ele fez”. “Tome cuidado, que toda vez que você faz uma besteira como essa você está perdendo ponto com a família de sua noiva.” Equivalentes: “Dar valor”, “Dar o maior valor”.
“Salvou-se uma alma!”: Exclamação irônica que se usa quando acontece um fato inusitado, geralmente uma boa ação praticada pela pessoa menos provável. “Minha gente... Salvou-se uma alma! Olha Fulano pagando uma conta!” A origem é a crença popular de que cada vez que alguém na Terra pratica uma ação nobre, uma alma do Purgatório recebe anistia e sobe ao Paraíso.
“Todo penso é torto”: Usa-se para bloquear a argumentação de alguém que começa dizendo "Eu pensei que..." ou "Eu penso que..." “-- Eu pensei que era melhor a gente marcar uma reunião pra discutir o assunto. -- Todo penso é torto! Daqui que a gente faça a reunião, a coisa já está fora de controle.” "Penso" é uma contração irregular, equivalente a "pendido", cambaio, coisa que está em desnível, pendendo para um lado: "Essa mesa ficou pensa, o sr. vai ter que diminuir um pouco os pés deste lado." O sentido imediato da frase é: "Aquilo que é apenas pensado é imperfeito."
“Roer a corda”: O mesmo que “bater pino”, voltar atrás, desistir ou “furar” na hora H. “Já estava tudo pronto pra gente viajar, mas na última hora Fulano roeu a corda e a gente ficou sem carro”. Tem ligação com a imagem de um animal amarrado que rói a corda que o prende, e foge.
Bráulio Tavares
Fonte: Mundo Fantasmo