A MALDITA VISÃO CRÍTICA

Uma vez um empresário de minha cidade natal, depois de me ouvir falar com acidez sobre uma certa situação local, fez uma profecia que me revelou bem como esse tipo de pessoa realmente pensa: "Com essa visão crítica, você nunca dará certo na vida." 
Era um sujeito de seus trinta anos, bonitão, que se candidatou à política também, mas não foi bem sucedido. Não sei o que foi feito dele e se seu "vence na vida quem diz sim" lhe trouxe proveito. Mas a danada da profecia ficou retinindo em minha memória.
Penso agora: o que será esse tal de "dar certo na vida"? Nada é tão discutível. Não tenho carro do ano (nem sei dirigir, não ligo pra isso), não me casei com nenhuma loura de parar o trânsito pra exibir aos machos invejosos, não trato ninguém com arrogância (a menos que com ela seja tratado), costumo preferir ficar quieto a ter que mentir, mas não resisto ao sarcasmo (dizem que é meu defeito) nem costumo me calar com facilidade diante do que acho injusto ou estúpido. Se detesto alguém, detesto mesmo - mas não vou nunca tornar a vida dessa pessoa um inferno; simplesmente, seguirei vivendo a minha.
"Dar certo na vida", pra mim, sempre foi fazer arte, e, quanto a isso, nunca me preocupei muito se seria fator de lucro. Sou preguiçoso, e minha desambição material deriva em grande parte daí: acho a vida boa demais pra ser desperdiçada em fazer o que não gosto. Acho uma senhora burrice, uma tremenda estupidez que as pessoas não lutem pra fazer isso. Quanto à política, a esquerda em geral me parece hipócrita (sempre querendo passar por santa no bordel) e a direita intragável (nem mesmo se preocupa em esconder que é podre até os ossos). Não me meto nisso. 
Se for PRA NÃO DAR CERTO na vida, seguirei sendo o que sou: alguém que se consola criando um pouco de beleza no deserto. E, se dar certo é isso que as pessoas consideram o máximo, uma banana pra elas. Aos 64 anos, minha loucura se consolidou e sou bem resolvido com ela.

Chico Lopes

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