PENAFIEL  (*)
Vista parcial de Penafiel 
    Igreja Matriz;
 
 
Fonte das Carrancas, em granito trabalhado.
 

Penafiel, a antiga Arrifana de Sousa parece ter sido fundada no século lX por D. Faião Soares, sendo sucessivamente elevada às categorias de vila, em 1740 por D. João V (o "Magnânimo") e de cidade por D. José l (o "Reformador"), em 1770. Também foi sede de uma efémea diocese designada pelo papa Clemente XlV.

ORIGEM DO NOME:

"Sobre as origens do nome Penafiel, conta-se que, tendo havido dois castelos, um a norte e outro a sul do rio Sousa, afluente do Douro e na margem esquerda do qual fica a actual cidade, o segundo chamava-se Pena e encontrava-se no cimo dum monte alcantilado. Como este nunca tivesse sidoconquistado pelos mouros, não obstante vários e fortes ataques, deram-lhe posteriormente o nome de castelo de Pena Fiel. Tomadas aos mouros por D. Fraião Soares as terras circundantes, passou este a governar os dois castelos e um território de três paróquias, estabelecendo então um luzido solar em Arrifana.

A ser assim, como se diz, o topónimo actual teria resultado da justaposição dos dois nomes, Pena e Fiel. De qualquer modo, Penafiel é expressão céltico-latina (à letra, penha ou pedra fiel), que aparece latinizada na forma composta Penafidelis, donde se formou o gentílico usado, penafidelense". (Dr. Xavier Fernandes — 1944).

No alto de uma elevação não muito pronunciada, num local que desde sempre constituiu imprescindível passagem para quem vai da cidade do Porto para Vila Real, a 2 Km da margem esquerda do rio Sousa, banhada a nascente pelo pequeno rio Cavalum, e a poucos quilómetros da margem direita do rio Tâmega, situa-se a pequena cidade duriense de Penafiel.

O nome estendeu-se a todo o território situado a sul do rio Sousa, que veio a ser dividido em duas ouvidorias, uma no lugar do carvalho das Sete Pedras, a outra no de Arrifana, ambas sujeitas às justiças do Porto.

Tomou as terras, em meados do século lX, D. Faião Soares, que ficou sendo o governador dos dois castelos e de todo o território compreendido pelas freguesias de Lousado, Arrifana e Moascres. Licenciou depois a maior parte dos seus homens de armas que se instalaram e construíram as suas casas num local da estrada do Porte para Trás-os-Montes, formando uma espécie de rua estreita que tomou o nome de Lajedo. Daí para cima a povoação ia até junto da Igreja do Espírito Santo, o Cimo da Vila.

Também os dois lados da estrada de Penafiel para Entre-os-Rios se foram construindo casas e formando os lugares de Vale do Tojeiro, Pussos e Vinha do Monte. Esta estrada encontrava-se com a que vinha do Porto, no lugar do Monte do Povo. Em 1260, quando D. Afonso lll mandou estabelecer feiras e mercados nos sítios mais convenientes para as populações, os de Arrifana (nome da antiga povoação que hoje é Penafiel) logo organizaram uma feira de três dias junto à Igreja do Espírito Santo, no próprio dia de Pentecostes desse ano e nos dois dias seguintes. É evidente a mistura de dados históricos rigorosos com lendas e tradições orais nesta descrição. No entanto, é indubitável a longevidade da designação Arrifana do Sousa, anterior à do actual topónimo penafidelense.

Desde o tempo de D. João l que Arrifana era cabeça do julgado de Penafiel, mas o seu primeiro foral só lhe foi concedido por D. Manuel l, a 1 de Junho de 1519, sem lhe dar a categoria de vila, a que somente ascendeu por decreto de 7 de Outubro de 1741, assinado por D. João V. A designação Arrifana do Sousa foi substituída pela de Penafiel quando D. José l, por carta de eli de 17 de Março de 1770, a elevou a cidade.

No mesmo reinado, foi também Penafiel separada eclesiasticamente do Porto e, pormenor curioso e pouco conhecido, elevada a bispado pela bula de 1 de Junho de 1770, de Clemente XlV. O seu primeiro bispo foi D. Fr. Inácio de São Caetano, confessor de D. Maria l (a "Piedosa), ainda princesa do Brasil. Por tal motivo, o bispo nunca se apresentou em Penafiel, apesar de lhe terem preparado o respectivo paço. D. Mario l, ao subir ao trono em 1777, anulou grande parte da legislação do seu antecessor e, no ano seguinte, obteve do bispo de Penafiel renúncia do seu bispado e do papa Pio Vl que fossem abolida a diocese, que assim voltou a ser incorporada na do Porto.

O efémero bispado penafidelense ocupava uma área enorme, que abrangia mesmo parte da actual cidade do Porto.

Esta região, povoada desde tempos imemoriais, oferece aos arqueólogos um vasto campo de análise. Podemos dizer que nela quase não há serra sem vestígio de qualquer local pré-histórico com maior ou menor marca de romanização. Índices de uma história milenária emergem do leito dos ribeiros e dos pequenos rios, desentulhados dos depósitos de aluvião; aparecem nas escavações dos montes; desenterram-se a todo o passo nos lugares mais inesperados.

Nesta região verdejante, onde os olhos repousam nos panoramas bucólicos, entrecortados de vales riquíssimos e serranias cobertas de arvoredo denso, a pedra afirma uma austeridade cultural que influenciou todas as atitudes dos homens ao inventarem a arquitectura dos lugares.

É a "arte do granito" que identifica melhor o carácter da paisagem das terras de Penafiel, isto é, o emprego abundante, e em muitos casos único, desde material nas construções. Muros, suportes, condutas de água, pavimentos, eiras, recipientes para líquidos e sólidos, construções, em tudo o homem subordinou à pedra as suas necessidades práticas e estéticas. Tijolo, adobe e cimento são importações técnicas que só muito recentemente começaram a alterar a feição da arquitectura local. Mas, embora o granito seja omnipresente, o xisto, abundante na parte sudoeste do concelho, é também empregado, em grandes lascas, na construção de muros de vedação e suporte e nas paredes exteriores das casas. Nos melhores edifícios, o granito e o xisto associam-se. A pedra mais resistente é utilizada nos cunhais das paredes, nas pedreiras, nas molduras de portas e janelas (neste caso, o granito é caiado de branco, uso de resto estendido a muitas regiões nortenhas, com uma intenção provavelmente estética, que nunca chegou a ser muito apurada). Um outro material da zona, a ardósia (ou lousa), surge em certas casas, utilizada nos dintés sobre as portas mais largas, associadas ao xisto; a lousa era utilizada igualmente no pavimento das eiras e cobertura das casas. Uma herança cultural do período romântico é, sem dúvida, o aparelho das pedras em blocos rectangulares; o granito era extraído das pedreiras, imediatamente aparelhado segundo uma forma geométrica (que possibilitava a construção em blocos facilmente empilháveis), e transportado assim para os locais das obras. Na região de Penafiel, esta tradição manteve-se, através dos séculos, até ao presente, nas casas de lavradores, humildes e abastados, nos edifícios públicos, nas igrejas, nos equipamentos civis.

Algumas ruas do centro histórico da cidade são um museu vivo da arte de (bem) construir utilizando blocos de granito, com uma sensibilidade tal que o peso e a força do material se atenuam perante o primor decorativo e os elementos estéticos que lhe estão associados (azulejos, varandas, apainelados das portas, (grades). Estranhas e engenhosas construções graníticas são as divisórias de terrenos, constituídas por muros feitos com esteios largos ou pranchas de pedra, enterrados no chão, verticais, encostados uns aos outros. As juntas dos esteios eram tapadas com calços de pedra e argamassa. Outro exemplo do extraordinário "saber fazer" dos cortadores de granito são os altos esteios de suporte das ramadas das vinhas, alguns deles com 4 a 5 metros de altura e apenas 10 ou 12 cm. De espessura. A extracção do granito é uma das tradicionais industriais da região.

As Festas do Corpo de Deus são de grande tradição cultural popular da "festa" penafidelense. Vejamos alguns aspectos: na quarta-feira —  a "véspera" — , já com as ruas e casas mais ou menos engalanadas para a função, no meio do estralejar de foguetes e acordes de bandas, realizam-se a missa e a bênção do gado no Santuário de Nossa Senhora da Piedade e no parque. Nestas cerimónias e na parada que lhes estava associada, apareciam as moças lavradeiras da região, que nesse dia vestiam os seus melhores trajes de festas e ostentavam as suas riquezas e haveres, avaliados pelo ouro que traziam ao pescoço em cordões, voltas e trancelins e nos brincos e anéis com que completavam os adornos.

O chamado traje à lavradeira da região não tinha as cores garridas e a policromia de Viana do Castelo, mas a silhueta era a mesma, mostrando apenas um aspecto mais grave, pois a saia era geralmente negra. Na "parada agrícola" incorporavam-se diversos carros com elegorias aos diversos trabalhos agrícolas ou às indústrias que com a lavoura tinham qualquer afinidade. Vinha depois o gado trazido para a bênção, tudo acompanhado por muito povo, bandas de música e bandeiras. Desciam à cidade, que percorriam pela rua principal, até ao Campo da Feira, onde dispersavam. Pela tarde, um outro cortejo atravessava a cidade. Era a "entrada", um antigo cortejo que ia "cumprimentar a Câmara e saudá-la". Noutros tempos, esta atendia-o da varanda nobre dos Paços do Concelho, decorada com rica colgadura de seda bordada a ouro, recebendo depois, na Sala das Sessões, a figura representativa de Penafiel, que entregava em suas mãos o rolo de pergaminho com os versos que a mesma tinha declamado à edilidade...

Acompanhava esta personagem, abrindo o cortejo, uma carruagem – "o esquadrão de lanceiros", cujos componentes, de barbas, turbante na cabeça e lança em punho, eram seguidos pelo "cortejo das danças". As mais características eram a dos "ferreiros" e a dos "turcos" – aquela com curiosos movimentos coreográficos em que as espadas dos seus componentes
desempenhavam um papel tão importante como as figuras; as dos turcos era uma espécie de auto marcado e cantado, em que se defrontavam "mouros" e "cristãos" e terminava com a vitória dos últimos e a intervenção de um "anjo" caído de um "penedo" (que para isso se abria) que apaziguava os contendores.

O principal dia das Festas do Corpo de Deus era na quinta-feira. Além da festividade religiosa celebrada na igreja matriz, havia, à tarde, a tradicional procissão, e, à noite, o arraial grande, que se estendia desde o Largo da Misericórdia, Praça Municipal, avenida e jardim público até ao Calvário, com iluminações profundas, músicas, sessões de fogo-de-artifício por afamados pirotécnicos – lançado em frente do jardim público, do Campo do Conde de Torres Novas - ,descantes populares, com grande multidão vinda de longe e dos arredores da cidade.

Na procissão, antecedia o cortejo religioso, sem fazer parte, o chamado Estado de São Jorge, que abria com a cavalgada da véspera, seguido por alguns cavalos, cobertos de xairéis brasonados e levados à rédea; a serpe, feio bicho de pano cru ou lona pintalgada de verde, caminhava à frente de São Jorge, levada por dois homens ocultos no seu bojo; a imagem do santo, montado em cavalo branco conduzido pela rédea por quatro moços de libré vermelha; o boi bento, animal que um lavrador do concelho apresentava, de enorme peso. Fechando este préstito profano, o carro triunfal, puxado por duas ou mais juntas de bois enfeitadas e conduzidas à soga por tangedeiras. Dele, um conjunto de meninas vestidas de anjinhos lançava sobre a multidão que assistia ao desfile braçadas de pétalas; no cimo do carro, de pé e apoiada numa lança, a figura simbólica de Penafiel, com cota de malha e a viseira do elmo erguida.

Atrás, seguia o préstito religioso, integrando as irmandades e confrarias da cidade, as cruzes paroquiais de muitas freguesias, grande quantidade de anjinhos e figuras alegóricas; fechava a procissão o pálio, seguindo atrás dele o "baile dos ferreiros"; em círculo fechado pelas espadas, ao centro, o lugar vago em que, antigamente, ia a Câmara e todas as autoridades do concelho e da comarca.

Era velha praxe em Penafiel comer carneiro assado com arroz de forno em dia do Corpo de Deus. Secular costume etnográfico era o chamado "baile dos pretos". Compunha-se de qyuinze rapazes e quinze moças, com o corpo pintado a preto, algumas vezes com matérias que lhes barravam a pele de forma impermeável. Na sua feição mais antiga apresentavam-se de tanga. Posteriormente, numa outra edição do baile, os pretos iam vestidos com fatos de cores berrantes. Havia o rei e a rainha. Vestiam de vermelho com mantos, coroas, bugalhos pintados de púrpura, ceptro, etc.

O baile iniciava-se com uma marcha, onde seguiam, em fila, os pretos de um lado e as pretas do outro, tambor e rabeca à frente. O rei e a rainha, o pau das fitas e mulheres com uma condessa de flores fecham o desfile.

O pau das fitas, conduzido pelo homem do pau, que vestia calça amarela, casaco vermelha e um barrete na cabeça, era constituído por uma haste a prumo com tantas cores quantos os pretos (30) e assentava num tripé. Colocavam a haste no centro do baile. Rm certos momentos, cada um dos pretos agarrava uma fita e, em movimentos de dança muito combinados, entrançavam as fitas de maneira a formarem uma trança multicolor.

A música era tocada com a rabeca e tambor, guizos que os dançadores agarravam em cada uma das mãos e por dois reco-recos.

A tradição deste "baile" é a amostra fascinante da assimilação de culturas que se entrecruzam. Da capacidade portuguesa para sintetizar a influência da África e do Brasil. Da coexistência das importações culturais de longes terras e continentes com este substrato cultural.

ARQUEOLOGIA: São bastante abundantes os vestígios pré-históricos existentes na região. Destaca-se da série de dólmenes existentes no seu aro a Anta de Santa Marta, interessante construção megalítica, popularmente denominada Forno do Mouros. 

Carlos Leite Ribeiro
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(*) Fotos do autor

 

 

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