TEJO  (navegando pelo rio)  (*)
 
 
Ponte romana
 Ponte de Santarém
 
 
Rio Tejo visto da margem esquerda, em frente a Lisboa
 
Mosteiro dos Jerónimos à saída de Lisboa e junto à margem
O Tejo desagua perto do Estoril
 
 

Cortando diagonalmente cerca de dois terços da Península Ibérica, desde o centro de Espanha, até à costa atlântica, o rio Tejo não é apenas o  maior rio da Península Ibérica – a sua característica principal tem sido sempre, ao longo dos séculos, a linha divisória entre o norte e  o sul de Portugal, mais do que fronteira entre os dois países ibéricos.

O Tejo, sendo um dos maiores rios que atravessa Portugal, é também o maior rio da Península, entra em Portugal junto da confluência com o  rio Erges, seu primeiro afluente em Portugal, perto de Vila velha de Ródão e tem a sua foz no largo estuário em forma de delta, considerado  um dos maiores do mundo, em São Julião da Barra (Lisboa / Estoril).

Tem com afluentes principais, pela margem direita o Erges, o Pônsul, o Ocresa, o Zêzere , o Alviela, o Maior e o Trancão; pela margem  esquerda, o Sever, o Niza, o Muge, o Sorraia, o Almansor, e o Coina.

A bacia hidrográfica do Tejo tem uma forma alongada e cobre um total de 80.629 Km2, dos quais 24.860 Km2, em Portugal. Nasce na serra de  Albarracín, em Espanha, a cerca de 1600 metros de altitude, e até à sua foz percorre 1.100 Km de distância. O relevo desta bacia hidrográfica  caracteriza-se por uma extensa planície enquadrada por colinas e terraços. Na margem norte, o relevo é considerável e complexo, atingindo  quase os 2.000 na serra da Estrela; pelo contrário, na margem sul, mesmo os terraços mais altos, que formam grandes áreas planas,  raramente excedem os 200 metros de altitude. O clima da bacia do Tejo vai do sub-húmido ao super-húmido na zona norte e do sub-húmido ao  sub- húmido húmido na área situada a sul do rio. A região de maior pluviosidade corresponde à serra da Estrela, em que a precipitação anual  atinge 2950 mm nas Penhas da saúde, e as de menor precipitação anual localizam-se nas zonas de Lisboa e da fronteira, em que os valores  mínimos anuais são, respectivamente, 538 mm (Alcochete) e 575 mm (Monforte).

O regime muito irregular dos caudais do rio Tejo, as necessidades de rega dos terrenos destinados à agricultura e de abastecimento de água  às populações, bem como de produção de energia eléctrica, levaram a que na bacia hidrográfica deste rio fossem construídas numerosas  barragens. Estas, em número 119 em Espanha e 24 em Portugal, têm, em Portugal, uma capacidade útil de armazenamento superior a 2500  milhões de metros cúbicos, da qual mais de metade se concentra no sistema do rio Zêzere. Na bacia do Tejo encontram-se os mais ricos  terrenos agrícolas de Portugal, as lezírias do Ribatejo. Também seu estuário possui uma riqueza extraordinária, mas no campo da avifauna,  em especial pelo número e variedade de espécies de aves aquárias, quer de migração, quer sedentárias. Por este motivo, foi considerado área  protegida, tendo sido criada a reserva Natural do Estuário do Tejo.

Sempre houve dificuldades de atravessamento deste rio, nuns casos devido ao grande caudal nos meses de maior intensidade pluviosa, noutros  casos devido à largura do seu leito normal, que cresce extraordinariamente na época das enchentes.

Estendendo-se por quase trezentos quilómetros desde a foz atlântica até à fronteira luso-espanhola na confluência com o rio Erges, o Tejo foi  sempre uma barreira difícil de transpor não só para os povos ibéricos da Península, fronteiros de norte para sul, mas muito mais para quantos,  fixados a sul do rio ou oriundos de terras distantes e desembarcados nas praias e costas meridionais da Península, se esforçavam para avançar  para o centro e norte deste rio.

Daí que as invasões sarracenas (mouros) nunca se tivessem fixado por largo tempo ao norte do Tejo, e não poucas vezes retiraram para sul do  grande rio, procurando ganhar raízes que no Alentejo português, quer nas províncias espanholas correspondentes até à bacia do rio Guadiana.

Contrariamente aos mouros, os romanos eram mestres na transposição quer de cursos de água quer de outros obstáculos topográficos.. Se o  seu próprio país ou território não lhes proporcionava grande experiência na matéria, eles colhiam-na nas suas longas e vastas campanhas  desde a Ásia Menor ao Norte de África, e através dos Alpes até ao Norte da Europa e às Ilhas Britânicas.

Daí que as mais antigas travessias (ou "atravessamentos") do Tejo, de que há memória, venham das profundezas dos séculos e tenham as  marcas inconfundíveis do engenho militar romano., Vestígios, por vezes ainda bem conservados, de arcos e pedaços de tabuleiros ou  passadeiras de atravessamento de soldados, quadrigas e engenhos de guerra das Legiões Romanas, existem ainda hoje na bacia média do Tejo,  infelizmente na sua maioria ao abandono e sujeitas a depradações diversas.

Mas não se trata apenas de obras de arte militares: na região de Alfarrede, em terras pertencentes À Quinta do Bom Sucesso, há restos de  uma estrada rural que segue, em grande parte, o latejado de uma vetusta estrada romana que ligava Alferrarede ao Sardoal, Abrantes,  Mouriscas e Santarém. Esta ponte funcionava como ponte-represa para irrigação de vastas áreas de cultivo, e dela restam apenas alguns  muros de suporte e um ou outro pegão.

Um outro dique-represa, sobre o qual se desenvolvia igualmente um travessia do Tejo, existe entre Abrantes e Gavião, próximo da confluência  da Ribeira de Venda com a Ribeira de Cabeça Cimeira. Desta existem ainda restos de três arcos de volta prefeita, sendo o central o de maior  vão, todos apoiados em pilares, quadrangulares, com o tabuleiro em "cavalete" com anteparos a todo o comprimento e talhamares a montante e  a juzante.

Esta construção romana remonta aos séculos lll a lV, na era do imperador António Pio, e insere-se na rede de estradas da região de Abrantes  que entroncava com a rede de estradas militares romanas que ligavam a região centro-sul da Península com o grande centro estratégico de  Mérida. Os restos desta construção, inventariados, desenvolvem-se por uma extensão de 19 metros, com uma largura de 2,30 m. e uma altura  de 1,90 m. ao nível máximo das águas. O vão maior tem uma largura de 3 metros.

Há, ainda, na região de Abrantes / Rossio ao Sul do Tejo, cerca de duas dezenas de pegões ou pilares, de forma paralelipípeda dispostos aos  pares e ligados na base, diminuindo de espessura em razão à altura, que deveria Ter suportado um tabuleiro para atravessamento de um braço  do Tejo. E como as outras construções atrás referidas, insere-se no traçado das Vias Romanas que ligavam Lisboa a Mérida, bem no centro da  Hispânia românica.

Aliás, pontes romanas, por vezes extraordinariamente bem conservadas e de utilização corrente até aos nossos dias, estão dissimadas um  pouco por todo o Portugal, como igualmente em Espanha, e algumas ostentam o título de monumentos históricos. Estreitamente integradas na  rede das "vias imperiais" elas permitiram às legiões romanas estender e manter o seu domínio na Ibéria (ou Hispânia), como acontecia em  todas as outras regiões a que se estendeu o Império dos Césares.

Enquanto as invasões romanas, na Hispânia como em outras regiões aonde as legiões dos Césares alargaram a sua presença, eram  maioritariamente conduzidas por tropas apeadas – as Legiões – fortemente apiadas por carros transportando abastecimentos e  todo o apoio logístico de que as legiões necessitavam – os mouros praticavam incursões a cavalo, para o que não necessitavam de  obras-de-arte para atravessamento de cursos de água, com carácter permanente.

Em vez de pontes e estradas, os mouros preferiam as terras montanhosas no alto das quais construíam fortificações, e das quais para rápidas e  devastadoras incursões para assegurar o aprovisionamento das suas forças ou para desbaratar as hostes inimigas. Para este tipo de surtidas,  pontes e estradas não eram essenciais, dada a mobilidade da cavalaria, e por vezes favoreciam mais o inimigo que os objectivos de defesa  própria.

A ponte romana de Alcâtara, sobre o Tejo e ligando as vastas terras da bacia média do Tejo divididas por Espanha e Portugal, é considerada  com uma das mais importantes obras estratégico-militares do tempo dos Césares.

Diferentemente, os vestígios da dominação moura consistem, quase exclusivamente, em fortificações militares, alcandoradas em morros,  cerros e píncaros de difícil acesso, como ainda hoje se pode ver tanto em Portugal como em Espanha.

Daí que, numa inventariação histórica, os romanos figurem com maior número de pontes, açudes, estradas e outras obras nem sempre  predominantemente de carácter militar – enquanto a deminação moura chegou até aos nossos dias sobretudo através das suas  fortificações fixas, localizadas em pontos de difícil acesso – portanto com acentuado carácter defensivo ou de pontes de apoio para  surtidas ocasionais.

Com a saída definitiva dos mouros da Península Ibérica, e passadas as guerras e conflitos subsequentes à afirmação da nossa própria  Nacionalidade, o Tejo tem construído sempre, e predominantemente, um papel mais de via de contacto obstáculo que de separação entre  Portugal e Espanha.

Na época áurea dos dois Reinos, em plena Era Quinhentista, D. Manuel l de Portugal e Filipe ll de Espanha deixaram testemunhos da sua visão  de aproveitamento do grande rio ibérico para fins pacíficos e de interesse comum, procurando assegurar a sua navegabilidade a montante e a  juzante da respectiva fronteira.

Prova disso parecem ser os extensos pedaços de largos e sólidos muros de grandes pedras e alvenarias, entre Amieira e Ródão, coroados por  larga "passadeira" sobre a qual se movimentavam quer as tripulações dos barcos que procuravam transpor a fronteira, quer de grupos de  trabalhadores ribeirinhos que ajudavam as tripulações a puxar à soga as embarcações que subiam a corrente, ou as que desciam o Tejo.

Seja qual for, e para abreviar esta digressão histórica com objectivos de nos situarmos nos tempos presentes – o facto incontroversos é  que o Tejo constituiu sempre uma autêntica barreira natural em o Norte e o Sul de Portugal, que se tem reflectido desde sempre no  relacionamento humano e no desenvolvimento das duas metades da mesma Pátria Comum.

Daí que, durante séculos e séculos, quase até à Era Moderna, o Tejo tenha permanecido como uma barreira real à convivência entre  portugueses, e portanto, à verdadeira consolidação da unidade nacional.

Carlos Leite Ribeiro
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(*) Fotos do autor
 

 
 

 

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