ESTREMOZ  (*)
 
 
Vista geral de Estremoz
Claustros da Igreja da Misericórdia 
Porta dos Currais
Paço Real de D. Dinis
Castelo e torre de menagem

Considerada uma das praças principais do Alentejo, a construção do seu recinto amuralhado iniciou-se logo após a Restauração, sob projecto de Cosmander, que assumiu a direcção dos trabalhos. Capturado pelos espanhóis, foi substituído, a partir de 1648, por Nicolau de Langres, que renovou o plano anterior, apenas concluído após o final das hostilidades, entre 1668 e 1680, sob orientação do cosmófrafo-mor, Luís Serrão Pimentel. A denominada Vila Velha foi cercada por sete baluartes e três meios baluartes, tendo-se destruído, para o efeito, a couraça da cerca medieval, erguendo-se ainda a Praça baixa, defendida por novos baluartes. As portas da vila, algumas das quais desenhadas pelo sargento-mor António Rodrigues, apresentam a estrutura típica da arquitectura militar do período, com silharia almofadada e arco de volta perfeito.

ORIGEM DO NOME:

"Segundo uma lenda já registada há séculos e lembrada com frequência e maior ou menor número de pormenores, alguns habitantes de Castelo Branco ter-se-iam visto obrigados, em tempo de D. Afonso lll e por cometimento de delito grave, a procurar um abrigo, o qual encontraram no Alentejo, nas vertentes da colina em que se ergue o Castelo de Estremoz e por onde em parte se espraiou a actual povoação. Haveria tremoceiros, ao que se disse bem mais copados do que os que hoje conhecemos, um dos quais lhes proporcionou a sombra acolhedora e o sossego buscado. Com o tempo, os poucos habitantes proliferaram e, fundadas as primeiras casas, formadas na rua Direita e erguida no fim desta, ao que se disse como paroquial, a igreja de Santiago, a população entendeu dever deputar dois procuradores a fim de solicitarem a D. Afonso lll lhes concedesse foral, o qual obtiveram, tendo ainda oportunidade de, a uma consulta régia informar que não tendo encontrado mais do que Sol, Lua, estrelas e o tremoceiro, desejariam que tais elementos entrassem nas suas armas (brasão de) e a povoação se chamasse Estremoz, numa alusão à planta acolhedora". (Dr. Mário Alberto Nunes da Costa — 1953).

"Estremoz, "a terra dos mármores", a moderníssima cidade alentejana do distrito de Évora, tem a sua história, sem dúvida, mas mal definida ou pouco conhecida, pois, sobretudo nos respectivos primórdios, nada de positivo se sabe a seu respeito. Não está claramente averiguado se a povoação já existia no tempo dos romanos, embora não falte quem se incline para a hipótese afirmativa, baseado no facto de se terem encontrado por lá vestígios de permanência dos mesmos romanos. É porém, mais certo ter sido povoação mourisca, embora se ignore o nome que então tinha, pois são numerosos os sinais locais dos mouros. Supõe-se que o sítio tivesse sido abandonado aos portugueses pelas alturas de 1165, quando estes conquistaram Évora e outras terras vizinhas. De qualquer modo, sabe-se que D. Afonso lll a mandou povoar em 1258, que lhe concedeu vários privilégios e que, reconhecendo a excelente estratégia para a defesa da fronteira do Alentejo, mandou construir o castelo, em volta do qual se foi alargando a povoação, cujos habitantes eram atraídos pela fertilidade do solo e pelas condições da defesa. O primeiro foral de Estremoz foi concedido pelo mesmo rei D. Afonso lll e tem a data de Leiria, onde foi passado a 22 de Dezembro de 1258. Quanto à verdadeira origem do respectivo topónimo, surgem dificuldades, porque ninguém o sabe, segundo parece. Há cerca de meio século (e não sabemos se isso era já reprodução de escrito mais antigo, mas tudo nos leva a crer que fosse), já se escrevia que "duas versões existem com respeito à etimologia da vila: uma diz que o vocábulo Estremoz provém da grande quantidade de tremoceiros que revestiam o monte, quando D. Afonso lll mandou construir o castelo; outra diz que o nome lhe adveio de estar vizinha ao extremo da província. Parece, entretanto, mais razoável a primeira versão, por isso que nas suas armas, figura também um tremoceiro".

Relacionar morfológicamente ou dizer que são cognatos Estremoz e tremoceiro parece-nos afirmação demasiadamente arriscada e insustentável. O facto de aparecer um tremoceiro nas armas locais não resolve o problema por mais de um motivo, sem excluir a certeza de haver várias armas e brasões com insígnias que a história local não explica, como sucede, por exemplo com a cidade de Chaves, que tem duas chaves nas armas e não as tem na história. São os tais "símbolos falantes", a que se referiu o Dr. Leite de Vasconcelos. Sobre a Segunda versão — tirar Estremoz de extremo  também por ela não nos batemos, pois vemos-lhe pouquíssimas probabilidades de aceitação. A discordância nas  segundas letras (s — x) dos dois vocábulos talvez explicasse por contaminação recíproca das  grafias Estremoz, com x , e estremo, com s , embora a explicação não contasse a todos. Mas, como  justificar a oxitonia do topónimo ? E qual a proveniência do z final ? Com os escassos elementos, que  se conhecem, parece-nos difícil solucionar o caso definitivamente, o que não obsta a que exponhamos  aqui uma hipótese nova, apresentada sem pretenções de resolver o problema. Estremoz foi sempre a  terra das boas pedras e dos mármores finos. Cremos até que tem sido sempre esta a sua principal  indústria. Por outro lado e embora seja Estremoz a grafia oficial, recomendada por dicionaristas e  vocabularistas, esta forma tem sido alternada com Estremoz, com Extremos e com Estremos, sendo absolutamente exacto que não poderá indicar a verdadeira grafia enquanto se não conhecer o  verdadeiro étimo. Há um elemento toponímico, estr-, que Joseph M. Piel diz ser idêntico a astr-, que  significa originariamente brilhante e que aparece na formação de vários topónimos, nomeadamente  em Estremonte (concelho de Guimarães). Não será este mesmo elemento, seguido de simples vogal de  ligação, a primeira parte do topónimo agora estudado ? A parte final não deverá ser talvez mós, plural  de mó — pedra — como Porto de Mós? ...

Se assim é, a verdadeira grafia será Estremós e o vocábulo quererá dizer, à letra, pedras brilhantes,  explicada deste modo a escolha do nome pela abundância do citado produto na respectiva região.

Não se poderá dizer que o nome se pronuncia com a última vogal fechada, e não aberta, isto é, ô, não ó,  portanto tal modo de pronunciar não está devidamente fundamentado por se desconhecer o étimo, além  de que pode ser simples resultante de qualquer tendência do falar do local regional. Aqui fica a  hipótese que com certeza não fere os brios dos estremocenses. Folgaremos que sobre ela se  pronunciem os que sabem mais do que nós. Talvez assim todos fiquemos sabendo donde veio o nome da  pitoresca vila, que passou a ser cidade desde o ano 1926". (Dr. Xavier Fernandes — 1944).

"Estremoz, no entanto, tem aspecto arábico, pois o conjunto Est-, o tal, sugere-me palavra relacionada  com uma 10ª forma verbal, que se deriva da primeira com o sufixo ... Is-, desde que a primeira  consoante radical perca a sua vogal. Nesse caso o verbo passa a ter significação reflexa da 4ª forma,  que, por sua vez, é causativa da primeira. A gramática arábica é um pouco estranha ... Lembro-me que,  em árabe há raiz ramasa, "esconder, ocultar (qualquer coisa)", donde rams, "túmulo", cujo plural é  rumos.

Não parece, por outro lado, difícil que do citado verbo ramassa se derivasse, como se derivou, a 1oª  forma istrmasa. Sobre esta, e paralelamente com o que aconteceu em ramasa, apareceria istrams,  donde o plural istramus, que, à letra, significa "enterrado". Não se trataria de cemitério (neste caso  melhor expresso por Almacave) mas sim de "aquilo que se acha enterrado", de "aquelas coisas que se  acham enterradas", sentidos que não repugnam pelas deduções que permitem as formações verbais a  que antes fiz referência. E porque tal designação ? ... Em primeiro lugar, convém recordar que os  mouros ocuparam esta povoação durante alguns séculos e que certamente a exploraram. Ora pelas  terras de Estremoz não faltam ainda hoje, vestígios não apenas dos muçulmanos, mas também, e  sobretudo dos romanos: cipos, sepulturas, balneários e moedas. Ainda em 1934 foi achado na  freguesia de Santo Estevão um cemitério romano, com numerosas sepulturas e estas com caracteres  latinos e objectos de cerâmica, tais como luzernas, púcaros, pontas de lança, etc. Aquele denominação  de "enterrados" referir-se-ia, pois, a tudo que os trabalhos rurais iriam revelando aos colonos  muçulmanos do local e não só a corpos humanos especialmente.

É natural que os habitantes (mouros e moçárabes) respeitassem muitos restos do passado e que, por  outro lado, não chegassem a conhecer outros, o que explica a sua chegada até aos nossos tempos. A ser aceitável esta explicação que, sem pretenções de ter dado no alvo ou de ter pronunciado a  derradeira palavra sobre o assunto, acabo de enunciar, talvez a possa ainda de certo modo confirmar  recordando o leitor que há no toponíma um caso equivalente com origem latina: Relíquias também ao  sul do rio Tejo, no concelho de Odemira. Poderíamos ainda sugerir que essa denominação da  localidade, devida à presença por lá de muçulmanos, poderia explicar-se pela abundância dos  mármores, que continuam hoje a representar a maior riqueza e a mais justa celebridade desta linda  terra alentejana. A ser assim, teremos mais uma prova (esta até com valor etimológico) de não só  Estremoz se escreve com –z , mas também, e portanto, que estremocense é com — c."  (Dr. José Pedro Machado - 1958).

Estremoz foi fundada por D. Afonso lll (o "Bolonhês"), em 1258. Neste mesmo ano recebeu o primeiro  foral, renovado em 1512, por D. Manuel l (o "Venturoso"). D. Dinis (o "Lavrador") residiu aqui  durante várias épocas da sua vida e também aqui faleceram, D. Isabel de Aragão (a Rainha Santa), em  1336, e o rei D. Pedro l (o "Justiceiro"), em 1367. Foi cenário de importantes encontros políticos na  Idade Média, entre os quais as Cortes convocadas por D. João l (o "Boa Memória").

Subimos ao alto de Estremoz, onde o abrigo da serra de Ossa evita os ventos suões da planíce. No  monte onde se ergue o castelo em que a Rainha Santa deu o último suspiro sopra a aragem que  distânciaEstremoz das suas compatriotas tórridas do Alentejo. O vento faz-nos redopiar mas não nos  impede de apreciar a arquitectura da Torre de Menagem do século XlV, do Paço de Audiência de D.  Dinis do mesmo século e da Igreja Matriz de Santa Maria do século XVl. São motivos fortes para  entrarmos nas muitas histórias e estórias deste local feito de encontros e despedidas, conquistas e  reconquistas. Foi do castelo de Estremoz que D. Dinis enviou a Aragão os embaixadores para tratarem  do seu casamento com D. Isabel e foi no castelo de Estremoz que a rainha, depois de muitas vezes se  ver forçada a deslocar-se ali por problemas familiares, adoeceu gravemente, chegando ao fim dos seus dias nos aposentos do castelo no dia 4 de Junho de 1336. Ali foi marcado casamento e ali morreu a  rainha, depois levada para Coimbra, tal como era sua vontade. Obra do destino ou não, o povo lá diz  "casamento e mortalha no céu se talha". Muitos anos se passaram mas no castelo ainda pairam algumas estórias sobre esta senhora que o povo guarda na memória. Diz-se que sempre que dobaba à janela do seu quarto no torreão norte.ocidental do paço e deixava cair o fuso, logo os passarinhos lho apanhavam e levavam no bico. Mas a rainha santa não foi a única que finalizou os seus dias em Estremoz. Também D. Pedro l, que o destino e os homens não quiseram ver feliz com a sua D. Inês de Castro, cerrou os olhos nesta vila do Alentejo. Parece ter tido tido particular predilecção por Estremoz e pelo seu Convento de São Francisco. Diz Fernão Lopes nas suas crónicas, que ele acordava durante a noite e "mandava acender tochas e tocar trombetas de prata para acordar e vila e dançar com os com os moradores. Até que chegou o dia da despedida. Adoeceu gravemente e morreu, mas ainda teve tempo de deixar o seu coração em testamento aos frades do Convento de São Francisco.

Depois destas histórias, muitos outros episódios correram sobre as pedras de Estremoz.

Foi testemunha da aventura portuguesa pelos mares do mundo através da mão do rei D. Manuel l que ali deu a Vasco daGama, antes da sua partida para a Índia, o estandarte real e os presentes para o rei de Calecute. É longa a história desta fortificação que já vem da era romana, quando por aqui passava a via que ligava Lisboa a Mérida. Depois de ser tomada aos mouros e novamente perdida, é definitivamente retomada no reinado de D. Afonso lll, que lhe manda fazer obras de restauro. Mas é a D. Dinis que cabem as principais alterações. Ampliou o castelo, edificou o Paço Real, construiu muralha em torno do burgo e ajudou a erguer a Torre de Menagem ou "Torre das Três Coroas" por ter sido construída durante três reinados e edificada em mármore da região. Tem 27 metros de altura e 125 degraus, é coroada com ameias de tipo islâmico e no segundo andar tem uma ampla sala oitavada de abóbada ogival. Apesar da entrada se efectuar pela Pousada entretanto construída – antiga armaria de D. João V — ela está aberta a qualquer visitante. É possível subir ao seu terraço e apreciar o burgo envolto pela muralha medieval e pela muralha abaluartada, construída no século XVll para fazer frente aos ataques da Guerra da Restauração. É nítida a diferença entre os dois cercos da vila. Um — o medieval — aberto para o exterior pelo Arco da Frandina e pelo Arco de Santarém, o outro – o seiscentista — rasgado pelas Portas de Santa Catarina (que dão para Portalegre), pelas Portas de Santo António (que dão para Elvas), pelas Portas de Évora (que dão para Évora) e pela Porta dos Currais ou de Nossa Senhora (que dá para o Redondo).

De longe vêm as peripécias com o país vizinho, mas Estremoz sempre se mostrou fiel à causa  nacional. A seguir à morte de D. Fernando (o "Formoso"), D. Nuno Álvares Pereida )ainda não o Condestável do Reino) instalou o quartel-general em Estremoz e nele juntou o exército que venceu as hostes espanholas no lugar de Atoleiros, perto da Fronteira. Em 1580, quando Portugal se debatia novamente para reconquistar a independência perdida, mais uma vez Estremoz deu provas de ser portuguesa quando o seu alcaide se colocou do lado de D. António, Prior do Crato. Foi também em Estremoz que o governante de Elvas foi buscar o exército que o ajudou a conquistar a batalha de Elvas no ano de 1659.

Fizeram-se importantes obras de defesa da muralha neste século XVll. Porém não seria a guerra o grande motivo de destruição do castelo, mas sim a explosão de pólvora que aconteceu no ano de 1698. Tanto o Paço Real como parte do castelo ficaram destroçados com a catástrofe. Foi sobre as suas ruínas que D. Afonso V edificou sua armaria, onde juntou uma das mais ricas colecções de armas da Europa, que os franceses, aquando das invasões, fizeram questão de levar.

Chegou o século XlX mas para Estremoz, isso ainda não era sinónimo de calma. A guerra civil entre miguelistas e liberais também por aqui deixou fortes marcas. Os ódios gerados levaram à chacina de 33 liberais que foram sequestrados nas suas masmorras e assassinados brutalmente à machadada. Algum tempo depois, a vingança surgiria como mais um acontecimento terrível. Os ventos de paz chegaram a Estremoz de forma merecida. Tornou-se cidade em 1926 e do seu brasão salta uma estória a que atribuem a origem da palavra Estremoz.

O grande filão de mármore alentejano estende-se ao longo de 40 Km., desde Vila Viçosa a Sousel, passando por Borba e Estremoz, numa largura máxima de 6 Km, e conta com reserva calculadas em 20 milhões de toneladas.

Nas estradas deste percurso surgem as pedreiras em sucessão quase ininterrupta, grandes buracos abertos no ventre da terra de onde se extrai o precioso "ouro branco" (mármore que chamam e comercializam como sendo de Carrara). A existência de pedreiras nesta área é conhecida desde a época romana. Sabe-se que continuaram a ser exploradas durante a Idade Média. Mas em pequena quantidade. A exploração em grande escala "rebentou" no século XX e abriu novas perspectivas económicas, criando milhares de postos de trabalho permanentes numa região onde a agricultura tradicional só oferecia trabalho para todos duas épocas por ano. Enquanto os mármores foram explorados em pequena escala, este material era reservado para as esculturas e monumentos públicos e religiosos. Actualmente, as povoações locais foram inundadas pelo mármore, desde as casas mais ricas às mais humildes (embora a qualidade varie de umas para outras), quase não havendo construção em que não se encontre. Embora existam indústrias de transformação, principalmente na região de  Pêro Pinheiro (região de Sintra), a maior parte (cerca de 90 %) do ,mármore é exportado em bruto, permitindo que os países compradores (os principais são a Itália e a Espanha) instalem grandes indústrias transformadoras, com as quais asseguram muitas centenas de postos de trabalho às suas populações, e reexportem depois os produtos trabalhados. Existem aqui algumas oficinas de canteiros, diversas serrações (numerosas e muito pequenas), mas não se vislumbra uma política global que assuma a direcção dos trabalhos.

A proliferação de pedreiras, muitas delas entregues a uma mesma empresa, é outra prova do que ficou dito. Encontramo-las em pequenas propriedades, algumas rondando os 1.000 m2 apenas, que muitas vezes são talhões em que os proprietários das terras, na ânsia de lucro, dividiram as grandes propriedades, quando as regras internacionais da indústria dos mármores consideram não rentável, sob todos os aspectos, a exploração de áreas inferiores a 10 há. Para que possam utilizar meios de extracção e exploração mecânicos com a consequente abertura de rampas que permitam obter a máxima rentabilidade. Os alugueres das terras são muito elevados e os prazos curtos, o que faz com que os exploradores do mármore se preocupem em extrair do poço aberto o maior lucro possível, e não em explorar convenientemente o filão. Há locais em que as sondagens revelaram uma espessura de mais de uma centena de metros e cujas pedreiras foram aterradas depois de uma exploração de apenas uma ou duas dezenas de metros de profundidade.

As muitas toneladas de aparas de mármore são principalmente usadas no aterro das pedreiras, mas podem ter inúmeras aplicações industriais, desde o fabrico de plásticos e produtos químicos até à correcção de solos e produção de cal. Aqui, esta última é a utilização mais frequente, e muitas vezes se encontra junto à pedreira o forno de cal.

Quem entra em Portugal pela fronteira do Caia e se dirige a Lisboa fica de certo modo surpreendido com a cidade murada que surge à sua frente, um pouco à direita. Parece um pequeno aglomerado rodeado por uma forte cintura de muralhas. Sobre os telhados do casario distingue-se uma bela torre.

Trata-se da cidade de Estremoz, de amplas proporções e que há muito ultrapassou o perímetro das muralhas, mas para o lado noroeste. Ergue-se numa região em que a planície, ondelando mais fortemente, criou uma série de colinas. Sobre uma dessas colinas a 420 metros de altitude, protegida pela serra de Ossa do terrível vento quente de verão (suão), surge uma das mais airosas cidades alentejanas. Nos campos em redor predominam os montados (plantações) de sobro e azinho e extensos olivais. Assente em terreno calcário, uma das suas riquezas é o mármore branco, muito utilizado na construção, que, aliado à cal, confere á cidade um dominante tom de branco, realçando o impecável asseio das ruas e das casas.

Famosos são também os barros vermelhos de Estremoz, ricamente decorados ou polidos, de formas tradicionais. É uma louça destinada a servir água fria, por isso se denomina louça de água, e os seus púcaros, tão em moda no século passado, foram os mais famosos da Europa. Inicialmente, porém, os oleiros de Estremoz dedicavam-se apenas ao fabrico de telhas, o que mostra como as produções artesanais estavam dependentes da construção. No que diz respeito aos mármores, por exemplo, para demonstrar como é antiga a sua exploração nesta região, basta referir que com este material já foi construído o templo romano (Diana) de Évora.

De mármore é também a torre de menagem de Estremoz, que do alto dos seus 27 metros domina os campos em redor. Foi concluída no reinado de D. Dinis. Este monarca mandou construir um Paço Real, onde numa das suas salas veio a morrer sua mulher, D. Isabel de Aragão, conhecida por Rainha santa Isabel. Em 1659, a referida sala foi transformada em capela por voto de D. Luísa de Gusmão, à data viúva de D. João lV e regente do reino, em acção de graças pela vitória das armas portuguesas na batalha das Linhas de Elvas.

As muralhas que rodeiam a cidade foram construídas no tempo de D. Afonso Vl, em plena Guerra da Independência, e o primitivo castelo passou a ser a cidadela da praça. Atribulada foi a história dessa cidadela, que, chegou a ser utilizada como armazém de munições e serviu de paiol de pólvora até 17 de Agosto de 1698, data em que uma violenta explosão destruiu todo o edifício, danificando várias casas da vila.

D. João V (o "Magnânimo) mandou reconstruir o Paço Real e reparar a Capela da Rainha Santa, que dotou com riquíssimas alfaias, tendo-lhe também concedido avultadas rendas (que em 1834 foram consideradas bens nacionais e vendidas em hasta pública). Datam dessa época os ricos silhares de azulejos da capela representando cenas da vida da rainha. D. João V mandou ainda restaurar e cidadela e ali fundou uma sumptuosa sala de armas, considerada um dos mais ricos e curiosos museus de objectos militares existentes na Europa e o único em Portugal após a destruição, pelo terramoto de 1755, do que existia nos Paços da Ribeira. Esta sala de armas foi completamente saqueada e delapidada aquando das invasões francesas de 1808. Hoje, o antigo palácio encontra-se adaptado a outras funções, estando nele instalada a Pousada da Rainha Santa.

A cidade é construída por duas zonas distintas: a vila velha, situada junto ao castelo, e a vila moderna, mais em baixo, talhada em amplas ruas, avenidas e praças. A primeira conserva ainda o seu carácter medieval. Quando se deambula no interior do velho castelo pelas ruelas estreitas e tortuosas ladeadas de casinhas caiadas, observando a grande variedade de chaminés e a beleza de alguns portais, sente-se o fascínio da sua graça e inconfundível pitoresco. A grande sala de recepções da cidade é o Rossio. Ali se realizam as festas de Setembro, as feiras de gado e os mercados semanais e à sua volta situam-se a zona comercial e a administração da cidade.

Em Estremoz é ainda digna de menção a Praça de D. José l, antigo Rossio de São Bento. Ali, no Palácio Tocha, são merecedores de atenção os painéis de azulejos representando cenas da Guerra da Independência. Mas o que verdadeiramente caracteriza este largo é o grandioso lago do gadanha. É um dos recintos mais aprezíveis da cidade e a frescura que dele emana durante as abrasadoras tardes de verão era bem agradável. Nos últimos anos, devido à escassez de água que se faz sentir nos meses de verão, o lago permanece seco, perdendo toda a sua beleza.

O Gadanha, guardião da fonte monumental do centro do lago, é uma bela representação de Saturno, o deus-pai romano, senhor do tempo. A ampulheta que segura na mão marca uma passagem do tempo e a gadanha é a foice simbólica ligada à mitologia de Saturno — a imagem do tempo que ceifa a vida dos próprios filhos, isto é, os dias, os meses, os anos e os séculos.


Carlos Leite Ribeiro
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(*) Fotos do autor
 
 
 

 

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