Turismo Aventura

No ano passado, inventei de voltar para a faculdade. Comecei o curso de psicologia ao mesmo tempo em que meu filho mais velho entrava para o de administração. A diferença de idade entre eu e meus colegas não impediu que nos entrosássemos muito bem, tanto que costumávamos sair juntos com certa freqüência. Acabei sendo convidada por um grupo deles para um acampamento na Ilha do Mel, onde iriam ser discutidos problemas relativos às universidades públicas.

Fiquei meio indecisa entre aceitar ou não, mas eles insistiram muito e, ao mesmo tempo, bateu-me uma nostalgia dos meus tempos de jovem campista, quando não havia um feriado em que eu não me metesse com meus amigos no meio do mato ou em alguma praia. Isso faz tanto tempo, que só me lembrei dos aspectos idílicos e engraçados da vida selvagem e não dos mosquitos, acidentes climáticos e outros desconfortos. Resultado: topei.

Saímos de Florianópolis com o tempo incerto, que foi piorando cada vez mais no decorrer do período. Após longa viagem de ônibus, tomamos um barco para atravessar até a ilha, isso já sob uma chuva torrencial e com muito vento. Completamente encharcada, eu ia preocupada, pensando na parada que ia ser armar a barraca daquele jeito.

Quando chegamos, imediatamente comecei a arrumar uns dissidentes para ficarem comigo numa pousada. Algumas meninas gostaram da idéia mas, mesmo assim, foi decidido que iríamos todos até o camping primeiro, carregados de tralha e patinhando na lama. Eu, já destreinada nessas aventuras, estava com uma sandália de tiras finas, que tive que descalçar e que nunca mais prestou para nada. Chegando ao destino, um lamaçal de dar gosto, começamos a discutir nossa situação e foi então que o tiro da pousada saiu pela culatra, pois o grupo inteiro aderiu à idéia e resolveu negociar em bloco qualquer tipo acomodação pelo preço mais baixo possível. Os jovem são assim... Em primeiro lugar, porque são duros. Em segundo porque, para eles, quanto mais amontoados ficarem, melhor é.

Na primeira pousada em que entramos, o dono nos admitiu por "seis real" por cabeça, sendo que ele tinha lugar para 22 hóspedes e nós éramos 33... Em meio à correria de todo mundo querendo garantir seu lugar, eu fiquei tão sem ação que resolvi tomar uma caipirinha para esquentar por dentro, pelo menos. Sorte minha, porque chegou a patroa e rodou a baiana, botando todo mundo para fora por causa do preço módico e da superlotação.

Decidi que, dali, eu não saía. Ia ficar na santa paz, com um quarto só para mim, pelo menos até o dia seguinte, quando o tempo ou o meu humor já poderiam ter melhorado. Estava cansada, molhada e irritada comigo mesma, por ter-me metido naquela situação. Mas os colegas não quiseram me deixar para trás e dispuseram-se a carregar minha tralha e arranjar-me uma sombrinha, privilégios de que abri mão envergonhada.

Fomos para outra pousada que nos aceitou, já noite fechada. Cada quarto tinha duas "triliches" e um colchão no chão, o que não deixava área livre para mais nada. Enquanto a turma corria para se acomodar o melhor possível, eu fiquei lá paradona, com cara de boba, desacostumada desse tipo de disputa. Acabei achando uma cama livre em um dos quartos, mas foi só eu virar as costas que uma japonesinha, que já tinha a sua, adonou-se da minha também, para oferecê-la ao rapaz mais bonito do grupo. Entendi seus motivos, claro, mas ali era a lei do cão e finquei pé. Foi um tanto humilhante ter que lutar por um colchão para dormir. Coube-me uma das camas lá de cima, quase colada no teto, e não havia nenhuma escadinha de acesso. Meus companheiros de quarto ficaram assanhadíssimos para ver-me escalá-la, o que fiz galhardamente, com a maior elegância possível e ao som de um coro: "caloura, caloura!"...

A viagem havia sido comprida, cansativa... As primeiras horas na paradisíaca ilha não tinham sido exatamente repousantes... Eu estava pregada. Só tinha comido biscoito durante o dia inteiro e meu estômago ansiava por uma comidinha quente. Mesmo assim, capotei direto, até porque tive medo de abandonar minha cama tão arduamente conquistada. A turma ainda foi para a cozinha fazer macarrão e, depois, para o forró. Céus, será que eu já tive essa energia toda?!

Na calada da manhã seguinte, lá pelas 8 horas e com todo mundo dormindo, saí do quarto tão suavemente quanto pude, passando por cima de mochilas e tendo que arrastar o colchão da japonesinha para poder abrir a porta. Já quase não chovia. Caminhei pela praia em busca de algum lugar que servisse um café da manhã decente, que encontrei numa pousada um pouquinho melhor do que a minha. Não havia nada de especial, mas pão com manteiga para mim, naquele momento, era um luxo das mil e uma noites!

Acabei batendo papo com os donos, muito simpáticos. Mostraram-me suas acomodações e eu decidi mudar-me para lá. Busquei minhas coisas e instalei-me confortavelmente num quarto pequeno e limpinho, com lençol de florezinhas azuis, verdadeiro nirvana. O banheiro era coletivo, o que não fez a menor diferença porque eu era a única hóspede, devido à chuvarada do dia anterior.

Tive medo de que a minha deserção fosse considerada um ato hostil, mas o pessoal entendeu e até achou graça. Minha justificativa foi a diferença de fuso horário entre nós – eles notívagos e eu madrugadora. Ficava quase o tempo todo com o grupo, mas tinha onde me refugiar de vez em quando. Depois do problema de alojamento resolvido, tudo passou a correr bem e, embora o tempo tenha permanecido feio, foi muito divertido. Passeamos de barco, conhecemos o forte e o farol, caminhamos pela praia, compramos algumas quinquilharias dos hippies de plantão.

Na volta, que é sempre mais rápida do que a ida, viemos brincando no ônibus o tempo todo. Houve teatro, telefone-sem-fio e... trote nos calouros. Meu filho quase caiu duro quando cheguei em casa, depois da meia-noite, e fui cumprimentá-lo e às suas amigas com uma estrela de batom desenhada na testa.

Da próxima vez em que uma tentação louca dessas pintar na minha vida, vou procurar me lembrar de que o passado deve ser deixado direitinho no lugar em que tem que ficar – na lembrança da gente. Não há maior burrice do que tentar recuperar prazeres de outras épocas, porque a pessoa que a gente era então já ficou para trás também.

Maria Emília Berthier


 
 

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