De volta

         Em Paris há boas opções de transporte.
         Morando no 5, posso pegar o 47, cruzar toda a rue Monge, chegar em minutos no Sena.
         No Sena junto à Notre Dame. Se quiser uma opção mais divina ainda, os dois pés ajudam. Pequena caminhada ao largo da catedral, cruzar a ponte St. Louis, chegar à ilha que leva esse nome e só aguardar a fila nem sempre enorme que leva ao sorvete do Bertillon. E ao paraíso. O de tangerina é como estar na tangerina. O de chocolate, idem, com direito a pedaços crocantes.
         Mas posso pegar o 67 no Jardin des Plantes. Antes ou depois de ver os cangurus no zôo. Andaram botando grades entre o parque em si e o zôo. Hoje para ver os ursos só pagando, mas os cangurus são mais recentes do que as grades. Seguem lá fora, na mira de nossas caminhadas e no centro de nossas preocupações: como passarão o inverno, quando o frio for de rachar e a Austrália uma remota lembrança?
         O 67 cruza o Sena, mas não sossega enquanto não chega no norte da cidade. Termina em Pigalle, rodeado de sex-shops, mas perto há opções bem mais excitantes. É contar com os pés novamente, pelo menos até chegar ao teleférico que para sossego dos pés da gente leva direitinho aos pés da Sacre Coeur. De onde se vêem os telhados de Paris e Paris inteira. Um telescópio ao natural.
         E ainda nem entramos no metrô. Essa geringonça centenária que leva aonde se quiser e em minutos, acima (digo, abaixo) dos engarrafamentos, tão freqüentes em Paris. O metrô é eficaz, mesmo não sendo unânime. Uma amiga, por exemplo, reclamou do fedor, dos bêbados, das confusões. Mas cá entre nós ela é meio perua, e dizer isso é como reclamar da vida. A vida é veloz, vive cruzando com outras vidas, vai e volta. Apesar do sol, seguido é subterrânea e subreptícia. E malcheirosa, e barulhenta. O metrô, ao contrário dela, é seguro.
         Dia desses peguei a linha 7, partindo aqui do 5 mesmo. Fiz a correpondência em Jussieu, e pela 10 fui à Mabillon, quase em St. Germain des Près. Sabia o alvo: uma lojinha esquisita, na rue de la Princesse.
         Não voltei de ônibus, nem de metrô, nem de dois pés.
         Voltei de patinete, e como Paris é reta!
         Agora sim tomei o vento na cara. Caí de quatro, senti o cheiro do chão. Esfolei o joelho, urrei de dor, pensei na minha mãe, cruzei o rio cruzando mesmo. E ainda no começo da rive gauche, fiz um amigo, que também ia no seu patinete, um vermelho.
         E foi assim que sem motor, e com uma perna só, cheguei na infância.

Celso Gutfreind
(especial para o Blocos)

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N.E.: Esta crônica originou outra, "Em Paris, de patinete", de Leila Míccolis

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