84 Charing Cross Road
        Viajar é percorrer caminhos já percorridos na imaginação, buscar referências culturais e emotivas, reescrever a história pessoal. Assim, acreditando, tão logo cheguei a Londres, viagem puramente cultural e saudosista, tomei o metrô. Destino: Charing Cross Road.
        Lá está o número 84, fechado e com avisos judiciais nas portas de vidro. Exatamente como no filme de David Jones, estrelado por Anne Bancroft e Anthony Hopkins, baseado no livro da americana Helena Hanff/
        Se você não viu o filme e gosta igualmente de livros, corra na locadora mais próxima e alugue 84 Charing Cross Road, incompreensivelmente traduzido no Brasil para Nunca Te Vi Sempre Te Amei. Trata-se de uma verdadeira balada de amor à palavra escrita e quem o assistir saberá exatamente daquilo que estou falando.
        Desconheço a história do prédio nos últimos 25 anos, desde que a escritora Helene Hanff aqui chegou, após ter planejado esta viagem durante anos, quando trocava cartas com o gerente da livraria Marks & Co. que aqui funcionou até 1971. O que sei é que a emoção provocada pela desoladora imagem de agora é a mesmíssima da confessada pela escritora, quando veio a Londres para divulgar o lançamento do seu livro e realizar, por fim, o velho sonho.
        Melancólica, percorro a Charing Cross Road, situada no Soho, região onde se concentram muitos dos melhores teatros da cidade e onde tudo acontece. As livrarias e os alfarrabistas se multiplicam. Expostos ostensivamente nas vitrinas e nas calçadas, lançamentos ao lado de raridades, clássicos e experimentos, cultura underground. Pura celebração.
        Depois de muito vasculhar, constam: esqueceram de nós. O Brasil é um continente (para eles — parece) inexistente. Além do mais, os preços de agora em nada se parecem com aqueles dos livros usados que Frank Doel remetia pelo correio a Helene Hanff, na década de 60.
        Tento refazer a trajetória de Helene, relatada na segunda parte do mesmo livro, denominada "A Duquesa de Bllomsbury" (publicado no Brasil, em 1988, pela Casa-Maria Editorial Milmam Edições - RJ). Dirijo-me à Russell Square, praça do século XVIII, local de predileção da escritora e onde o poeta T. S. Eliot trabalhou de 1925 a 1965.
        Constato que esta praça repleta de história, fica a uma quadra do meu hotel que, por sua vez, está localizado em Bloomsbury e Fitzrovia, onde, no começo do século, Virgínia Woolf e o seu grupo, o Bloomsbury, fazia suas estripulias. O meu agente de viagens, que me sugeriu o hotel, talvez acredite em coincidências, eu não. Atavicamente, acredito em determinismo e fatalização.

Dalila Teles Veras


 
 
 
 

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