Vou lhes falar de uma cidade que amo muito: Cabo
Frio. Ela fica a 170 kms. do Rio de Janeiro e a um beijo do meu coração.
Cabo Frio é um paraíso, aliás já reconhecido,
segundo os registros históricos, pelo grande navegador genovês
Américo Vespúcio, no ano de 1504. Ao passar aqui ao
largo teria ele dito a um de seus subordinados: “Se existe o Paraíso
na Terra, ele certamente não está muito longe desta Região”.
Se o Vespúcio falou, está consagrado.
Claro amigos que o Paraíso visto por Vespúcio
fora moldado inteiramente pela Natureza, o meu, atual, bem este já
tem o homem interferindo a grande na paisagem geral da cidade. Mas, mesmo
assim ela mantém aquele ar de mulher brejeira e sensual, aquela
morenice brasileira que o mundo inveja e não pode copiar. Durante
cerca de 11 meses no ano sou acordado por uma sinfonia de pardais já
que meu quarto é vizinho de uma pracinha interna do condomínio
e os galhos da antiga figueira os trazem até minha janela. O silêncio
mais se cala para ouvir também.
Aí chega o verão, a alta temporada
de férias e turismo. Sábios, os pardais viajam para outros
galhos. Eu sou acordado com gritos de : “Pára com isso menino”.
“Vem cá sua peste”. “Se eu te pego vais apanhar”. “Marisa, onde
puzeste o chinelo?” “Bruno, desce dessa árvore, queres cair?” Saudade
dos >pardais! A água que nos visita vez ou outra durante a maior
parte do ano, aqui no Braga, também tira férias e se manda
para outros canos. Como são valiosos nossos poços artesianos
que se jorrassem petróleo não seriam tão úteis
no pico do verão.
Mas, vamos à praia. De casa até o
mar é uma caminhada de mais de 700 metros em chão e passando
entre bonitas dunas, ou o que restou delas com a devastação
promovida pelos homens por décadas para construir “Condomínios
de Areia”. Sobe-se uma duna, desce-se a seguir, pequena e deliciosa
montanha russa. Contorna-se a próxima enquanto o vento nordeste
não a molda justo na nossa trilha. Vento de Cabo Frio, fantástico
escultor de areia. Ouvimos as ondas mas ainda não vemos o mar. Chegamos
então á última duna que de ontem para hoje já
acrescentou mais alguns centímetros em seu topo. É a derradeira
barreira. Vista de baixo é uma pequena montanha coberta de açúcar
na sua exuberante alvura. Iniciamos a subida. Passos lentos e espaçados,
coração acelerado. Coragem, denodo, a visão do oceano
será nosso prêmio. Quando o oxigênio entra na reserva,
cambaleantes vislumbramos o mar. Conseguimos, chegamos. Bravos “banhistas-alpinistas”.
Deixamos o excesso de bagagem na barraca do Pedro
e partimos para uma saudável caminhada de uma hora. Ir até
o Forte de São Mateus, sentinela posta do passado, e voltar à
praia das dunas. Durante quase o ano todo é um exercício
prazeroso. Andar bem distante do asfalto a escrever pegadas na maciês
da areia molhada para o mar que se aproxima, ler nossos passos e
os apagar como quem vira a página de um livro. O abraço da
forte brisa nordeste a proteger-nos da sensação escaldante
causada pelo mesmo sol que bronzeia nossa vaidade exibicionista.
Subitamente: “Cuidado”, diz minha esposa. E
me desvio mesmo a tempo de um “bólido humano”. Turistas embevecidos
com a exuberância das dunas e com as curvas e protuberâncias
recheadas dos monumentos femininos que se exibem e desfilam na passarela
da beleza em que se transforma nossa praia. Eles andam para a frente mas
suas cabeças estão atraídas para os lados ou para
trás. Não os culpo pois mesmo os bem casados, como eu, se
regalam pois afinal não é crime nem pecado admirar o belo,
ao contrário, é prova de bom gosto e uma homenagem a tanto
encantamento.
Mais alguns passos e… paft… Fui atingido, estarei
ferido? Minha mulher me tranquiliza mas as costas doem. Fui alcançado
por uma “bola perdida” vinda de uma raquete mal educada que segurava um
braço musculoso plantado num corpo comandado por uma cabeça
bronca e mal-ensinada. Pedido de desculpas? Qual nada. Afinal eu devia
não estar no caminho da bola. Nas praias da Europa ( França,
Itália, Espanha e Portugal que frequentei) eles têm o hábito
de proibir este “esporte agressor” até às 17 horas, no verão.
E ai de quem descumprir a ordem. Mas ninguém a burla. Talvez os
europeus não entendam nada de praia, afinal, aqueles branquelos
são metidos a exigir respeito aos direitos de quem apenas quer
estar na praia para curtir e relaxar. “Oh meu, qual é, eles não
estão com nada!!” E salve a nossa “esculhambracia”, meu. Eles até
proibem cachorro nas praias, pode isto? Na França veem-se lá
placas: “Chien – n’est pas permit”. Aqui eles alcançam
uma “população” considerável em nossas praias.
Alguns até daqueles ferozes “fila”, “pitbull”, “doberman” e outros,
sem correia nem focinheira. Coitadinhos, deixemos os bichinhos se divertirem,
porém melhor seria que o fizessem nas canelas de seus donos
e não nas nossas!
Agora estamos de volta da caminhada. Zump….Zipt….
pequenos bólidos a cruzarem de todos os lados. É quase como
estarmos num cenário de “Guerra nas Estrelas”, desviando-nos de
inúmeros e diminutos asteróides. Estes eu aceito, são
crianças e a vida é e tem que ser uma imensa brincadeira.
Melhor isto do que estarem em programa de TV, de tanga ou calcinha a rebolar
bundinhas inocentes para atenderem a irresponsáveis vaidades paternas
ou maternas. Um mergulho refaz a temperatura corpórea que a cerveja
geladinha se incumbe de manter. Para hidratar a água de coco é
perfeita, dizem os entendidos. Após a praia o cochilo recuperador
para logo depois irmos até à cidade.
Dirigir em Cabo Frio no pico do verão é
emocionante e perigoso. Entra-se numa rua de mão única e
de repente dois carros surgem no sentido contrário. O susto.
O meu indicador mostra ao infrator a placa de contra-mão. O dedo
médio dele me manda…. Bem, cada um agradece a sua maneira! E depois
eles são de fora, não entendem nossas placas. O que, alguém
disse que elas têm uma linguaguem universal? Vá lá,
afinal eles trazem renda para a cidade, sejamos tolerantes e hospitaleiros.
Pois.
Circulamos então pelo Canal de Itajuru e
nos deliciamos com o visual. Os barcos a sair com turistas, os restaurantes
a lucrar como nunca, os coqueiros a circundar a orla, as gaivotas num belo
espetáculo ao cair da tarde, o reflexo do sol nas calmas águas
do canal que vão desde Cabo Frio abastecer a Lagoa de Araruama,
fotos e mais fotos, a bonita visão da pequenina capela de N. Sra.
da Guia no alto do morro a que dá o nome. Uma idéia: vamos
até lá em cima ver o por-do-sol? Quantas vezes se veja, quantas
vezes se voltará sempre porque tem-se um encontro com a Natureza
que nos brindará sempre com uma magnífica e inimitável
obra de arte: o sol fechando o dia. O poeta desfia seus versos, cose as
palavras e, num gesto de
devaneio e amor, dá à luz mais um sentimento lírico.
Voltamos do breve passeio certos de que, em Cabo
Frio, a felicidade nunca vem como turista. Por quê? Ora, ela
mora aqui. Chegamos a casa e… bem, alguém estacionou seu veículo
obstruindo nossa garagem. Perguntamos a alguns vizinhos de quem é
o carro e ninguém sabe, ninguém viu nada. Resta-nos esperar…
o verão acabar? Não, tambem não exageremos.
Francisco Simões