Pela BR-285

        Pulando de BR em BR, atravessando este Brasil que ainda não foi descoberto pelos brasileiros, mas que é tão fascinante que já criou uma raça que vem de fora para explicá-la aos nativos, os "brasilianistas", chegamos em Ijuí.
        Estaciono aqui, em breve parada, para prestar homenagem ao meu companheiro de viagem pelo Brasil e pela vida: Anselmo Caparica. Juntos fizemos um rali por todo o Brasil. Homem hábil, experiente, "fuçador", bandeirante convicto, foi a sustentação desta peregrinação que durou dois anos seguidos e mais outra temporada de um ano. Ambos pilotávamos as três Brasílias que se sucederam uma a uma, nessa maratona: Gabi — a loura, Joinha, amarelo-gema e Horácio, a verde-metálica. Esta última, a única Brasília de sexo masculino que tivemos. Ao Anselmo, Príncipe do Pium, senhor das estradas, companheiro inexcedível, os meus agradecimentos e o desejo de juntos refazermos "ad eternum" o nosso próprio roteiro.
        Ijuí é a capital da soja. Os trigais abundam na região. Mas a soja é a grande cultura que atinge os municípios vbizinhos. Sem dúvida alguma é uma região que provoca euforia. Mares de soja. Todos plantando, fartura, progresso. Santa Rosa, Carazinho, Passo Fundo, toda essa vasta região mergulhada em soja.
        Em Passo Fundo, enquanto esperava Anselmo dentro do carro, um desses impertinentes meninos lavadores de carros, irritado com minha negativa de lavar a Gabi, a loura, ameaçou-me, atrevidinho, a riscar o carro com um prego.
        — Pois risque, se for homem! — ripostei.
        Não é que o machinho gaúcho, de lata na mão e prego em riste, veio em minha (do carro) direção, pronto a provar sua virilidade?
Num átimo saltei do carro e corri por cima do pivete, que ficou aparvalhado com minha atitude tão pouco previsível em uma senhora dos pagos.
        Desceu a ladeira, dando o que podia. Assim mesmo consegui tirar-lhe a lata das mãos e corri, chutando-a ladeira abaixo.
        Parei, cansada e já satisfeita com a exemplificação. O difícil mesmo foi encarar a platéia escandalizada que se formara na escadaria do prédio em que estava estacionada a Gabi, o pivô do escândalo.
        Naquele dia a história correu a cidade.

Alcyone Abrahão

Do livro: "Não coloque o macaco diretamente sobre o pavimento", Goiânia UNIGRAF, 1983, GO


 
 
 
 

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