Realizei ontem (16/04) o antigo desejo de conhecer a Ilha do Campeche, famosa por sua beleza e patrimônio arqueológico. Deixo a ficha técnica do local por conta do Guia Floripa, que a ela dedica uma de suas páginas. Mas nada de ir lá agora! Leia primeiro meu relato pessoal de viagem. Meus companheiros sugeriram que eu o intitulasse "No Limite". Discordo, entretanto: dessa vez, realmente, extrapolei todos os limites!
Para começar, eu era a única mulher do grupo e cerca de
dez anos mais idosa do que o homem mais velho presente. Além disso,
minhas intensas atividades de sitiante virtual não me conferem exatamente
preparo físico
real.
A idéia do passeio surgiu porque Henrique, meu convidado de outro dia, conhece a ilha como ninguém e ofereceu-se para levar-nos. Era uma oportunidade imperdível fazê-lo (o passeio) com um guia particular do mais alto padrão, formado em geografia e conhecedor também da arqueologia local. Os felizardos fomos eu, Douglas, Batista, Nick e mais três companheiros do Bar do Deca: Mauro, Renato e Beto.
A ilha é paradisíaca, sinto muito pelo infugível lugar comum. Tem uma única praia de mar incrivelmente transparente e de areia branca e fina, onde poderíamos perfeitamente ter passado um dia tranqüilo, jogando conversa fora, comendo e bebendo. Ah, mas Henrique queria mostrar-nos as belezas escondidas - e de difícil acesso! Mal chegamos, deixou-nos apenas dar um mergulho rápido e guardar as tralhas no restaurante de seu irmão para, em seguida, internar-nos no meio do mato. E tome trilha!... No começo, até que não foi mau, porque eram caminhos razoáveis, em meio às árvores, e só precisávamos tomar cuidado para não deixar os dedos dos pés nas pedras e raízes que os atravessavam. Depois, os acessos foram se estreitando e ficando mais íngremes. Cheguei bufando ao topo e a vista lá de cima era espetacular, com o mar batendo nos rochedos, a vegetação exuberante e gaivotas planadoras. Em seguida, veio a descida até as pedras... Fui como pude, pirambeira abaixo. Pé ante pé, escolhendo os escassos apoios, algumas vezes sentada... (pobre maiô novo!)
Ao chegarmos, a recompensa! Uma piscina no meio das pedras, cuja água é constantemente renovada pelas ondas e cujo fundo é um tapete de algas verdes - com alguns ouriços esparsos entre elas, é verdade. Metemo-nos todos lá, ainda que um tanto aglomerados, já que o espaço era pequeno. Mas foi um banho e tanto! Ao sair, conquistei nas cracas minha primeira escoriação.
Era hora de voltar. Olhei para o alto e não acreditei que tinha descido aquele troço que então enxergava de baixo. Estou convencida de que só o havia feito porque, de tão preocupada em olhar onde pisava, não vi o abismo que tinha o risco de rolar! A turma foi subindo e eu junto, por absoluta falta de opção. Olhos no chão, tentando achar os lugares pisáveis e manter o passo do resto do grupo. De repente, ouvi gargalhadas acima de mim e alguém dizendo: "ela vem de quatro, mas vem!" Homessa, eram Renato e Beto divertindo-se às minhas custas. Mas foram eles mesmos que negaram fogo quando Henrique determinou: "agora vamos à Pedra Fincada!" Que pedra fincada que nada! Aproveitei a dissidência dos dois e voltei feliz com eles para a praia, achando que minhas provações haviam terminado.
Mergulho naquele mar límpido, protetor 30, caipirinha, conversa...
Depois, chegaram os outros. Almoçamos bem, com destaque para o pirão,
o peixe frito e o feijão cujo perfume já havíamos
sentido ao chegar. Fomos apresentados ao Too Little, um filhote de.. esqueci
o nome! Enfim, uma ave comum na ilha. Caído do ninho ainda implume,
o bichinho foi adotado pela sobrinha de Henrique, que lhe dá comida
na boca e água numa colher, de
onde ele bebe. É mansinho, vem no dedo da gente, sobe no ombro...
E faz cocô no peito da gente também.
Logo depois da orgia gastronômica, Henrique deu o grito de guerra outra vez - ai meus sais! E lá fomos nós para outras paragens, igual ou piormente íngremes. Estivemos no alto de um rochedo, sentindo o vento sul que recém havia começado, bem forte. Parecia que ia levar a gente... Uns loucos brincaram na beira do abismo, fingindo planar como o urubu (peço vênia) que parecia estar se exibindo, fazendo evoluções nas correntes de ar ascendentes e descendentes. Estaria ele se mostrando de verdade ou prenunciando uma farta refeição?
O programa continuou, com pinceladas culturais. Henrique mostrou-nos oficinas líticas, inscrições rupestres, formações rochosas.... E toca a subir, escalar, escorregar em pedras limosas, olhar para baixo e morrer de medo... Devo ter galgado a Escadinha do Céu com tamanha elegância que alguém sugeriu a documentação fotográfica do evento, felizmente não concretizada.
Na volta para casa, por causa do vento sul, o mar estava turisticamente revolto. Viemos fazendo farra, rindo, saudando com gritaria cada onda mais forte e conseqüentes respingos. Havia uma passageira um tanto verde lá na popa e não conseguíamos conter nossa maldade intrínseca: queríamos vê-la deitar cargas ao mar! Deve ter um santo forte a moça, pois não nos deu esse gostinho.
Mas sabe o que eu curti o tempo todo? Aiaiai, a atenção dos meus companheiros!... "Pega a Emília, segura a Emília, suspende a Emília! Não deixa cair, toma conta das coisas dela!" Uau, foi uma delícia!... Não fosse isso, eu assinalaria como ponto alto da nossa convivência a verve de Henrique para contar piadas - nem todas exatamente finas, é verdade... Só que ele dramatiza durante o relato e o desfecho nem precisa ser engraçado: a gente já rola de rir com seus floreios, caretas e sotaques. E, na carreira dessas performances, tenho a assinalar as gargalhadas estrondosas e persistentes de Nick e Batista, que só por si faziam-me gargalhar também desabridamente, de um jeito que meus censores jamais teriam aprovado. Azar o deles!
Hoje estou aqui, um tanto de molho... Tudo dói no meu corpo moído. Ando tropegante pela Casa Grande, como se fosse vinte anos mais velha. Minhas mãos e pés exibem gloriosas esfoladuras, verdadeiros troféus... Troféus\ sim, porque comportei-me com rara bravura em condições adversas! Ei, como é que a gente faz para se inscrever naquele tal de "No Limite"?!
Maria Emília Berthier