Eu adoro inventar surpresas pro meu marido Neal no dia dos namorados. A primeira vez que fiz isso deixei um buquê de flores na porta dele antes do sol nascer com um cartão. Telefonei de manhã e disse a ele pra abrir a porta. No cartão eu pedia que ele fosse a uma loja chamada Aroma e dissesse seu nome a moça que trabalha lá que teria uma coisa guardada pra ele. A moça lhe deu um capuccino e outro cartão que lhe dizia pra ir a Livraria Bookstar. Ao chegar lá e dizer seu nome a vendedora já tinha um livro guardado pra ele e mais um cartão que pedia que ele fosse a loja vizinha Pier One. Quando ele explicou a moça no balcão que alguém tinha deixado uma coisa no seu nome, ela disse: "Então é você o cara sortudo?" Ele abriu o presente e chorou… Bem, ele gostou tanto que comecei a inventar essas surpresas todo dia 14 de fevereiro? o Valentines Day.
Esse ano eu disse pra ele reservar 2 dias pra mim. Ele estava num mau humor inacreditável e nem sei como chegamos ao nosso destino. De manhã cedo chovia `a píncaros e no carro ele fez um daqueles comentários maravilhosos tipo: "Se continuar chovendo assim não vou entrar em avião nenhum." Eu, MUITO paciente, resolvi ignorar a linda frase. No aeroporto ele fez algumas perguntas quanto ao destino do vôo e concluiu para onde íamos ao ver a plaquinha com o nome da cidade onde chegaríamos. De Los Angeles pra Oakland em São Francisco é quase que nem Rio pra Sampa. O piloto, espertamente passou pelas nuvens cinzentas e voou por sobre elas num céu azul maravilhoso! Ah, as simbologias dessa vida! Neal tinha morado perto daquela área durante muitos anos e já havia visitado Napa Valley. Ele sempre comentava a respeito.
Eu preparei essa viagem toda através da Internet. Reservas de avião, do carro alugado, do hotel tipo Bed and Breakfast e até o jantar daquela noite. Bem, pegamos o carro e entramos na estrada 880 que se transforma na estrada 128 quando entra no Condado de Napa. Neal foi relaxando e conversando comigo e quando demos conta tínhamos passado da entrada pra cidade. Notamos isso não só por causa das placas, mas também porque a natureza passa de um verdejante a uma estrada desértica que vai dar em Sacramento, capital da Califórnia. Do aeroporto pra Napa você leva uma hora e alguns minutos. Como era dia de semana e fora da época da colheita da uva, a estrada estava uma beleza. É impressionante você ver como a civilização moderna pára quando você entra em Napa. Civilização moderna no sentido da presença de shoppings e estradas bem feitas e povoação densa. O vale é rodeado pelas montanhas Mayacamas e obviamente tem um nome indígena. O vale vai desde a Baía de San Pablo até o monte Santa Helena onde está o famoso vulcão já extinto. O negócio das vinícolas começou com 1838 quando George Yount plantou algumas parreiras na terra que ele havia ganho do governo mexicano. O primeiro vinho não era tão maravilhoso quanto os de hoje, mas passou a ser usado pelos padres franciscanos em 1823. Em 1880 os vinhos de Napa Valley estavam chegando em São Francisco e Nova Iorque e em 1846 Napa se tornou independente do México.
Voltando a nossa bucólica viagem, Neal resolveu parar assim que avistou o restaurante Mustards. Ele já tinha ouvido falar do lugar muitas vezes e além disso as nossas barriguinhas já estavam cantando. Demos sorte. Tinha apenas uma mesa vazia na janela nos esperando. Depois disso a fila lá fora cresceu. O cardápio era fantástico e o pão de entrada era uma delícia. Me chamou atenção a quantidade de visitantes japoneses. Continuamos nossa peregrinação passando por Yontville e em Santa Helena acabamos entrando na vinícola Beringer que funciona continuamente desde 1876. A casa Rhine foi construída pelo alemão Frederik Beringer que a construiu com a cara da casa que ele tinha na sua terra natal. Resolvemos fazer a tal da tour deles apesar de não morrermos de amores pelo vinho que eles produzem. E valeu a pena demais. As cavernas onde eles estocam os enormes barris foram escavados pelos trabalhadores chineses no século passado. Agora a Beringer é parte da Nestlé. O guia era um velhinho cheio de energia que adora dançar swing. Os barris mais antigos e que estão à mostra foram feitos na Alemanha e tem desenhos em alto relevo. Atrás de um portão trancado você ainda pode ver as primeiras garrafas de vinho com teias de aranha e tudo. Ele explicou os tipos diferentes de uva e o processo de fermentação que pode durar 2 anos em cada barril. No final eles ainda têm que misturar todos os vinhos num lugar só por 6 meses para que todos tenham o mesmo gosto. A maioria dos tours te dá direito a experimentar pelo menos 3 vinhos. Dali continuamos dirigindo e parando pra nos deliciar com o dia de sol maravilhoso que misturava o verde com o amarelo das flores de mostarda e as montanhas ao fundo. Um paraíso.
Chegamos no hotel tipo Bed e Breakfast que já havia sido uma parada de trem onde se vendiam as verduras no século XIX. A senhora da casa com sua cadela ruiva já havia nos deixado uma mensagem na porta a respeito do que fazer no caso dela não estar lá quando chegássemos. A casa só tinha 3 quartos, e nós éramos os únicos hóspedes daquela noite. O quarto era pequeno, mas confortável e a varanda dava pra uma das vinícolas. O silêncio, os passarinhos e o rio que passava atrás nos deixou em paz. Neal já estava sorrindo e poetizando… Enfim. Jantamos num restaurante italiano onde o povo do lugar se sente em casa. Voltamos pro hotel e dormimos o sono mais calmo do mundo.
No dia seguinte continuamos subindo a estrada e fomos até Calistoga conhecida pelos seus geysers e spas com águas minerais e também pela sua Escola de Culinária que é um exemplo de beleza arquitetônica. A gente tinha lido vários panfletos e jornais locais a respeito de lugares interessantes pra se visitar e acabamos indo a Floresta Petrificada. As sequóias do Monte Santa Helena foram petrificadas quando o vulcão entrou em ação há uns 3 milhões de anos. Com o passar do tempo, a sílica que estava nas cinzas que cobriram o monte entraram nas fibras das árvores e transformaram as células da madeira em sílica cristalizada. É uma coisa meio doida ver e tocar aquelas árvores tombadas que viraram pedra. Isso me lembra um livro da Zélia Gattai que eu li onde ela menciona uma floresta petrificada que ela visitou na China. A única e incrível diferença é que a floresta da China continua em pé.
Continuamos dirigindo e parando nas vinícolas que conhecíamos de nome até a hora de voltar pro aeroporto de Oakland. Claro que pegamos um trafegozinho safado, mas as imagens do Napa Valley nos serviram pra afastar os maus espíritos do dia-a-dia das cidades grandes.
Kátia Moraes