Viajando com o professor

            Nossa ida a Catalão começou bem. Antes da hora marcada o professor Rubens Carneiro dos Santos chegou à minha porta, no seu bonito carro, acompanhado de dois passageiros sorridentes: D. Vandy e Pedro Zorsetti. D. Vandy determinou que eu me sentasse ao lado de seu marido e conversasse com ele. Manda quem pode, obedece quem tem juízo...
            Sendo a primeira vez que via o Rubens guiar, resolvi sondar-lhe o desempenho. De cara, num cruzamento perigoso, o professor quis aproveitar o sinal amarelo e não deu. Então ele brecou rápido, deixando o automóvel numa gangorra: metade em cima da legalidade e metade fora da lei... Fiz a avaliação do chofer: se fosse outro teria seguido em frente. Logo, é prudente. E como prudência e caldo de galinha (azul) aumentam a idade da gente, pontos para o Rubens.
            Quando, ali nas redondezas do Flamboyant, contornava o trevo, levou uma buzinada. Falei com meus botões: implicância de algum jovem mal-educado com um homem de respeito: o professor dirige competentemente... Contudo, pelo sim, pelo não, fiquei de orelha em pé. E lembrando que D. Vandy me pedira para conversar com o professor, mais desconfiado fiquei. Conversar pra quê? Talvez para impedir que ele durma, embalado pelo silêncio que geralmente acontece nas viagens, depois dum cavaco inicial. Ruminando um assunto fui surpreendido pelo professor que, esfregando as mãos ( a 100 km/h) se confessou sabedor de trinta definições de felicidade.
            — Quais são elas, Rubens?
           Recitou algumas e não destroncamos os pescoços por um triz! Desafiando seu rosário de venturosos conceitos, o professor Rubens (infelizmente) desviara a vista do caminho e havia atravessado uma lombada agressiva em farta velocidade...
            Já que minha tarefa (de conversar) estava sendo executada pelo próprio Rubens, prometi a mim mesmo cumprir em parte a obrigação principal dele (conduzir o Santana) e não retirei mais os olhos da estrada. O professor, mandando para escanteio as definições de felicidade restantes, nos informou que ia citar as três coisa mais duras do mundo e três tipos de pessoas que não são felizes. Enumerou estas: quem não sabe e não ensina; quem não sabe e não pergunta; quem fala uma coisa e faz outra...
            — Olha o murundu, Rubens!
            Salvei em tempo nossas cabeças e o professor esquecendo-se de mencionar as coisas mais duras do mundo (uma delas talvez seja amar sem ser amado), anunciou:
            — Numa eleição para deputado, a pedido do Mário Nascente, meu primo, dei meu voto a você, Ursulino. Votei na UDN por sua causa.
            Cortamos a casaca do Mário por alguns quilômetros e voltamos à vaca fria.
            — Você conviveu com numerosos políticos. Qual deles considera mais inteligente?
            — Velasco.
            — O mais mal educado?
            — Hélio de Brito.
            — O de mais carisma?
            — Íris.
            — O melhor de palanque?
            — Cuidado com a ondulação, Rubens!
            Evitou a bacada e repetiu a pergunta:
            — O melhor de palanque?
            — Emival.
            — Gostei da seleção.
            Com a contribuição dos viajantes do banco de trás, a prosa (sobre as vicissitudes da política) esteve animada até Pires do Rio, onde havia ameaçadores obstáculos nas ruas pelas quais passávamos. Mas eu, sempre alerta, ia avisando o motorista:
            — Tem outro murundu aí, professor!
            Atravessamos o Corumbá rodando pelo meio da ponte. Embora me parecesse que conservar o veículo à direita seria o correto, achei que Rubens se afastava da proteção lateral por amor à velha máxima: In medio stat virtus... E a viagem prosseguiu. Melhor dizendo, continua em outra crônica.

Ursulino Leão


 

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