Em 1999 estive na República Dominicana
para um Congresso Latino-americano. Ficamos em Juan Dolio, uma cidade praiana
belíssima, onde ocupamos cinco dos melhores hotéis, em número
de 1.500 mulheres de todo o mundo.
Felizmente (para quem gosta), os hotéis
não foram ocupados somente pelas mulheres do congresso. Assim
podíamos conviver irmamente (ou amormente, se assim o quiséssemos
e a cantada fosse boa) com os belos espécimes da raça masculina,
com seus pêlos, pomos de adão e demais penduricalhos (todos
devidamente cobertos, claro, ainda que numa praia de nudismo - mas visíveis,
que não estávamos cegas...). Algumas mulheres faziam topless
abertamente, à beira da piscina, nas horas de lazer. Mas essa matuta
aqui do Ceará, que morre de vergonha de (quase) tudo, só
observava... e enquanto as demais paqueravam os guapos rapazes presentes,
eu, toda xenófoba em matéria de amizades, ficava só
apreciando o movimento, quando não estávamos nos debates
ou grupos de estudo. Meu sentimento xenófobo continha um preconceito
muito grave, pois me dizia que todo estrangeiro é um franco atirador,
terrorista suicida, neurótico de guerra, sado-masoquista, psicopata,
aidético e tem horror a usar camisinha.
Graças à minha matutice,
quase que retorno sã e salva, mas aprendi a dançar salsa
e merengue, de não fazer vergonha a ninguém. Não me
intimidava de ir "bailar" na noite e quando um negro bonito me chamava
e perguntava afoitamente: hablas español? eu respondia na ponta
da língua: NON!
Hablas Inglês? De jeito maneira,
meu irmão! respondia eu aqui. Francês? (que
vergonha, eu não falava coisíssima nenhuma, só o português,
timidamente).
Um deles me disse em portunhol uma frase
interessante, que entendi muito bem e concordei sem pestanejar: "nada importa,
pois o bailado é universal". E eu respondi, feliz da vida por ter
entendido, pondo em prática o meu cearencês muito bem falado:
então arrocha, negão!
E rodamos para lá e pra cá,
para cá e para lá, feito um furacão, aliás
muito comum por aquelas bandas. Na festa da despedia da COMBRE (reunião
dos presidentes latinos), bailamos na praça Colon, imensa, sob um
som alucinante. Um dos bailarinos radicalizou: me rodopiou, me jogou para
cima e para os lados e eu pensei: nessa eu me estrepo toda na parede -
imediatamente me dando conta de que nem parede havia na praça enorme.
Com a mesma velocidade desse pensamento, já o moreno me puxava,
protetor, forte, seguro, airoso e audaz.
A minha ignorância total em matéria
de línguas estrangeiras lembra-me uma paixão platônica
por um japonês, na primeira noite em Juan Dolio, numa das festas
que o hotel dava para os turistas. É uma longa história para
pouquíssmos dias e bastante movimentada. Mas já que comecei,
vou contar.
Como surgiu a atração?
Não dá nem para imaginar. Como explicar uma paixão
platônica? Um humorista muito sem graça (só brasileiros
sabem fazer humor), chamou cinco turistas varões para fazerem algumas
palhaçadas, desfilar, cantar ópera e procurar beijar o maior
número de mulheres presentes nos jardins do hotel.
Eram de diversas nacionalidades. Eu
tomava vinho na noite linda, a lua estava bela e aí aconteceu: encantei-me
com a timidez daquele japonês sem nome, magrinho, amarelinho e só,
sempre tão solitário. Fiquei a mirá-lo, como
eles lá dizem, sentindo que nunca íamos nos falar, pela confusão
dos nossos idiomas. E lá vem ele correndo, esbaforido, tentando
beijar o maior número de mulheres para ganhar o prêmio - uma
garrafa de vinho. Uma reles garrafa de vinho! (e eu que seria capaz de
lhe dar uma adega inteira!). Naquela carreira louca, comecei a sentir uma
pontinha de ciúme de todo aquele mulheril de nacionalidades e expressões
tão díspares. Quando ele chegou até mim, perdi a timidez:
peguei-lhe o rosto, firme, e o fiz errar o alvo. Foi tudo muito rápido,
pois ele tinha que correr para alcançar outras mulheres. O
beijo, na verdade, era para ser dado na bochecha. E (suspiro de saudade...)
foi assim que tudo começou.
Ele me olhava? Sim, de longe, enviesado
e feinho como todo japonês. Dia seguinte ficamos lado a lado, na
noite em que um professor ensinava as congressistas e turistas a dançar
salsa e merengue. Mais uma vez a tal da Torre de Babel, de que nos fala
a bíblia, nos manteve longe, até e principalmente no falar.
Fitávamo-nos de longe e já isso me (nos?) bastava.
Dia seguinte eu estava numa reunião
de grupo o vi na beira da piscina, tomando seu drinque, magrelo e amarelinho,
olhando-me com aqueles olhinhos miúdos, como tudo de miúdo
as más línguas dizem que eles têm. À tardinha
(oh, dor!) deram-me a triste e fatal notícia: o meu japa fora embora.
Partira para o outro lado do mundo. Com certeza - pensei - não era
a minha alma gêmea, senão tinha ficado. Viajei para o tempo
da minha infância, quando pensava que se fizesse um buraco bem fundo
no chão, ia dar no Japão.
Ele se foi no terceiro dia em que nos
conhecemos sem nunca nos termos nos falado! Minhas amigas debocharam,
somente porque eu queria encerrar a conta e partir imediatamente
para o Japão. Ou então me suicidar feito uma kamikase. As
alternativas eram poucas e... risíveis. Falavam ainda que o sentimento
podia não ser recíproco... antipáticas, despeitadas,
imbecis e ignaras, nada entendem de amores platônicos, que não
necessariamente precisam ser correspondidos.
Minha paixão nipo/platônica
ainda foi vista por uma amiga, que aproveitou o último dia do Congresso
para ir ao Cadadá, visitar uma filha. Disse-me ela que o japa a
cumprimentou no Aeroporto (quem sabe tentando perguntar por alguém...)
e ela riu muito (não sei porque) lembrando-se de mim...
Nilze Costa e Silva