Terça-feira, 03 de outubro de 2001

Esta minha cadeira é um tapete voador. Sem sair do quarto, viajo pelo mundo — recordadando alguns lugares e imaginando outros nunca dantes visitados. Agora, ando passeando por Portugal e encantando-me com o linguajar da Terrinha: é tão chique tomar café em chávena e acender o lume!

Lembro-me de uns livros lá de casa quando eu era criança — que fim terão levado? Não sei se haveria outros da mesma coleção, mas dois deles chamavam-se Meninas Exemplares e Os Desastres de Sofia. Sofia era levada e aprontava todas, em contraste com as outras meninas, completamente boazinhas. Tadinha: ovelha negra que nem eu. Não... Era um pouquinho pior porque, certa feita, tirou os peixinhos do aquário e guisou-os. "Guisou-os"?! Céus, daqui a pouco estarei falando "pois" a três por dois! Se não me trai a lembrança, os originais eram em francês e eu lia traduções lusitanas. Foi quando tomei conhecimento da palavra "chávena", que me impressionou muitíssimo.

A mãe ou tia de Sofia chamava-se Mme. não-sei-o-quê. Como eu lia com os meus botões, mentalmente ouvia "Mme." como "mime"... Aí, puseram-me para estudar na Aliança Francesa, talvez eu tivesse nove anos. Na primeira vez em que a professora mandou-me ler em voz alta, lasquei:

— La maison de "mime" Roland est jolie.

Oh, céus, foi uma risada só na sala inteira! Eu já havia aprendido que Mme. é madame, mas tinha ido no piloto automático. Queria morrer de vergonha! Quando a gente é criança, sofre por cada bobagem!

Outro dia, meu companheiro d'além mar disse-me que estava "piurso". Esse termo eu não conhecia e fiquei toda animada por estar aprendendo algo novo. Pela nossa conversa, dava para perceber que o sentido era de contrariedade, mas eu queria saber exatamente o que significava e perguntei. "Pior que urso", foi a resposta!... Esses portugueses são uns folgazões!...

Há também as armadilhas idiomáticas, quando a mesma palavra tem significados distintos aqui e lá. Esse moço tão fino, por exemplo, refere-se a meninos como "putos"... Ai, que vergonha, eu escrevendo uma palavra tão feia!

Maria Emília Berhier

 

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