"Névoas de Paranapiacaba", foto de Adauto Gonçalves Rodrigues (1993), Rev. Ferrovia

Crônica escrita para a Revista UKBrazil (Londres), coluna "Do bem-bom ao Big Ben"

        Há uma sábia frase de caminhoneiro que diz: “A felicidade não é um destino onde chegamos, mas sim, uma maneira de viajar”. Logo de saída (ou de entrada) já deu para notar que o tema de hoje vai ser turismo, certo? Pois me digam: vocês aí, no Reino Unido, sabiam que temos, aqui no Brasil, um pouco de Londres, ao nosso alcance? Verdade. Trata-se de uma cidade chama-se Paranapiacaba, que fica no Alto da Serra, encravada entre montanhas, a 796 m. de altitude, o que lhe dá a idílica companhia das nuvens. Antes de continuar vocês perguntarão: mas você conhece Londres? Sim e não. Explico: de corpo presente, não, mas já estive lá sim, muitas vezes, através da Internet, maravilhosa invenção que nos permite conhecer todos os países, e passear por muitos deles, nas madrugadas. Baseada nesta íntima convivência permito-me fazer a ligação entre ambas as cidades, quase que com “conhecimento de causa”...

        — “Já vi de tudo nesta vida, em matéria de turismo, menos uma carioca sair do Rio de Janeiro especialmente para conhecer Paranapiacaba” — comentou-me um amigo, escritor e publicitário famoso. Acontece que meu envolvimento com Piaçaba, como eu a chamava carinhosamente, vinha desde a época do filme Doramundo (de 1978, do João Batista de Andrade, tendo no elenco Ronaldo Boldrin, Irene Ravache, Antonio Fagundes e Armando Bogus). Tomei-me de amores pela cidade que ambientava a trama, e, no inverno de 1986, fiz a pretendida viagem, aliciando mais dois outros poetas amigos: Glauco Mattoso e o saudoso Severino do Ramo. Embarcamos em um simpático trem na Estação da Luz e depois de três horas de viagem chegamos à vila histórica, tombada logo no ano seguinte pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo.

        Na época, eu sabia pouco sobre esta vila ferroviária cuja arquitetura tinha sido construída nos moldes ingleses do século XIX, quando a economia brasileira baseava-se no café, quase que exclusivamente, como único produto de exportação. O crescimento do valor comercial possibilitou o surgimento, aqui, da "single enterprise" ferroviária. E assim, em 1854, por iniciativa do Barão de Mauá, a concessão da ferrovia a ser construída foi cedida a São Paulo Railway Company pelo prazo de 90 anos. A ferrovia trouxe da Europa toda uma tecnologia inaugurada a partir da invenção do vapor, mas, em São Paulo, enfrentou o desafio de vencer o grande desnível que separava o planalto paulistano da Baixada Santista, ou seja, a ligação das principais regiões produtoras de café ao seu terminal exportador, o porto de Santos. A solução desse problema exigiu muito tempo e necessitou de grandes capitais bancados pela Inglaterra.
Assim, como em nosso roteiro só havia a Vila Ferroviária, nos limitamos a ficar, apenas, na velha Estação — um “apenas” que nos deslumbrou o olhar por longas horas: envolvia-nos um fog encantador, como se a vila de 4,81 km² flutuasse, mágica e misteriosa, entre as nuvens; à nossa frente, quando a cerração diminuía, descortinávamos a construção desenhada por engenheiros britânicos em estilo vitoriano, além de uma elevada torre com um relógio, cujos mostradores, em algarismos romanos, podiam ser vistos à longa distância (estejam certos de que qualquer semelhança com o Big Ben não é mera coincidência).

        Atualmente, novamente graças à Internet, sei muito mais sobre Paranapiacaba. Por exemplo: que o termo vem da corruptela de pê-rá-ñái-piâ-quâba, que significa: "passagem do caminho do porto do mar", de pê (superfície) e rá (encrespada), formando a palavra pê-rá (mar); ñái (porto); piá (caminho); quâb (passar), que com o acréscimo de a (forma no infinitivo a ação do verbo que significa passagem). Segundo o padre Luiz Figueira, em sua Arte de Gramática da Língua Portuguesa, era o "lugar de onde se vê o mar" ou "miramar", sendo a palavra decomposta nos vocábulos: parná (mar); apicac (ver); caba (sítio).

        Sei mais: do intenso movimento de preservação local da Ferrovia e da Mata Atlântica, e da existência de belíssimos passeios ecológicos: corredeiras que permitem a prática da canoagem; exposições de artes; o Castelinho (construído em 1897, sendo seu projeto original concebido dentro do conjunto da tipologia das casas da Vila Martin Smith — é o único exemplar do "pacote" importado da Inglaterra como sendo do "tipo C", conforme atestam as plantas da época); o Mercado; e o Pau-da-Missa um velho pé de cambuci, que, por se encontrar em local de passagem obrigatória para quem se dirigia à estação, tornou-se “painel” de todo tipo de recados à população, de modo geral. Em seu grosso tronco eram colocadas as mais variadas comunicações: avisos de funerais, missas, aniversários, casamentos, escalação do time de futebol, contra quem o time ia jogar, etc.

        Como vocês percebem, agora tenho muito mais motivos para querer retornar a Paranapiacaba, que, obviamente, não se compara a uma grande metrópole européia, mas que eu considero o meu pedacinho de Londres brasileira, álbum de felizes recordações, envoltas nas brumas do passado.

Leila Míccolis


 

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