Viena, Cidade dos Sonhos
Primeira parte
Minha segunda viagem à Europa foi para participar do 77º Congresso Universal de Esperanto, dez anos após a minha primeira estadia nesse continente, e que se realizou na bela cidade de Viena, capital da Áustria, em 1992.
Saí do Rio de Janeiro pela Vasp, direto a São Paulo, onde passei para um avião da Air France, que vinha de Santiago do Chile, já repleto de passageiros, entre eles alguns árabes. Em S.Paulo embarcaram alguns passageiros, completando os lugares restantes. Mas... que diferença do avião supersônico da Ibéria, grande, largo, confortável, para esse apertado aparelho, estreito, cheio, comida não tão boa quanto o do Jumbo 747! Mas, que remédio! O Jumbo se aposentara e não era mais usado, pelo menos foi a informação que tive.
De São Paulo, o avião foi direto para Paris, em 10 horas e onde tive que esperar três horas para seguir em outro avião menor para Viena. Essa viagem demorou umas duas horas e quinze minutos. Aí conheci um esperantista, pessoa muito conhecida na França e Áustria, Sr. Bernard e esposa. O Sr. Bernard fazia diariamente essas viagens por motivos comerciais, entre Paris e Viena. O avião só sai depois que ele chega, mesmo se chegar atrasado. Conversamos em Esperanto até o momento de desembarcarmos em Viena. Eu segui de taxi para o hotel, já programado antes, aqui no Brasil, com desconto para os participantes membros da Associação Universal de Esperanto, com sede em Rotterdam, Holanda.
Eu já sabia que iria ficar com uma senhora alemã, que eu ainda não conhecia.... Chegando ao hotel, fui instalada num apartamento pequeno, com duas camas de solteiro, muito próximas uma da outra. Não havia muito espaço, além do banheiro e ducha com agua quente e fria. A água da pia era muito gelada, apesar do calor abafado de Viena (os congressos são sempre no verão, na Europa e no Brasil, no inverno, em julho, época de férias). Uma janela dava para os fundos sobre o casario antigo e onde se viam pombos arrulhando durante o dia até o anoitecer, dentro do silêncio e da calma desse ambiente, o que me dava uma nostalgia da infância, no interior, em minha cidade natal, Valença, Rio de Janeiro.
Pois bem! A senhora alemã não conseguiu se entender comigo, pois foi ao Congresso sem saber falar Esperanto, só falava alemão! Parece que ficou chateada, arrumou as malas e foi embora. Que alívio! Afinal eu não a conhecia e, além do mais, o lugar era muito estreito para respirarmos o mesmo ar... Foi quando recebi um telefonema do Sr. Dobryzinski (não sei se o nome está correto) polonês, que foi um dos diretores da UEA-Universala Esperanto-Asocio, alguns anos atrás, dizendo que eu me transferisse depressa para outro hotel, senão eu iria pagar a diferença a mais, ficaria mais caro para mim, sem a acompanhante. Eu relutei em sair, mas, depois, o Sr. Stefan Maul, redator da Revista Monato (mês), me auxiliou na transferência para outro hotel, mais barato. O Stefan fala português, além do alemão e do Esperanto. Sua esposa austríaca estudou num colégio de freiras no sul do Brasil durante alguns anos. Moram em Augsburg, na Alemanha. Fiquei muito agradecida a eles e me instalei, não sei como, não me lembro do outro hotel, mas próximo do outro. Só me lembro do restaurante do primeiro hotel, que era grande, a comida era com o mínimo de tempero ou nenhum, laranjada forte, feita com casca e tudo, em uma máquina de espremer industrial. Os doces feitos com pouco açucar, acho que de beterraba ou adoçantes. Bem, nos programas dos congressos somos aconselhados a respeitar os costumes das outras nações, sua tradição e sua alimentação e não criticá-los. Se não gostamos de uma coisa, escolhemos outra ou procuremos experimentar, se não gostarmos, comemos outra coisa. Ainda bem, que eu não faço tais distinção! Como para viver e não vivo para comer... Como frutas, legumes, massas leves, ou bebo água mineral, cerveja ou vinho, do bom. Muitas vezes passei toda a viagem comendo sanduíche de pão (uma bisnaga inteira) com queijo e frios... que me sairam muito bem ao gosto, isso na França e em Salzburg, na primeira viagem que fiz, em1982.
Encontramo-nos com muitos conhecidos da caravana do Rio, de S. Paulo e de outros estados brasileiros, além dos nossos correspondentes europeus, dentre eles, os poloneses, que foram ao Congresso, e foi uma festa! No grande Salão de Recepção do Palácio das Convenções, em Viena, a alegria e movimento era imensa! Afinal, participaram só entre os inscritos, 3.033 congressistas, além de visitantes não-esperantistas, que lotou todo o grande auditório na solenidade de abertura do Congresso.
Surpresa e alegria, ao encontrar com a Kanai Hirouse, japonesa que esteve no Brasil, anteriormente, grávida, com o marido que viera à serviço. Kanai falava esperanto corretamente, melhor do que eu, já nessa época, quando nos conhecemos, mas só depois de 16 anos fomos nos encontrar em Viena, já com a filha mocinha de 16 anos de idade, a qual fui apresentada logo depois. Kanai ria de satisfação pelo nosso encontro! Depois conheci a Stanistava Tirkiel, polonesa, que se tornou minha correspondente, convidou-me para ir com ela à Polônia, mas eu, não pude aceitar, pois viajei com o dinheiro suficiente para 15 dias, 8 do congresso e o restante para visitar toda a cidade, além do que, a minha mala com rodinhas, tinha um fecho-eclair que arrebentou e tive que viajar de volta com ela aberta, segurando, apenas, com umas tiras, faixas que uso sempre em viagens. O Congresso foi uma beleza e um sucesso! Tivemos boas apresentações de artistas esperantistas e outros famosos, como o pianista italiano, não me lembro agora o nome dele. um jovem que foi muito aplaudido no Teatro e que tem muita fama. A Neide Barros Rego, nossa grande declamadora, hoje também, cantora de voz lírica. recebeu um prêmio por sua interpretação do poema de Zamenhof, "La Vojo" (O caminho) muito aplaudida, e, vejam só, ela ainda não tinha estudado Esperanto, mas declamou nesse idioma como se já o conhecesse! Hoje, Neide não só fala Esperanto, escreve e o ensina, além de dar aulas de declamação e representação teatrais, lá em Icaraí, Niterói!
Para não ficar muito extensa essa narrativa, deixarei para o segundo e último relato dessa maravilhosa viagem e estadia em Viena, cidade das valsas e encantadora!
Segunda e última parte
Em Viena, no Salão do Almoço, nos sentamos junto à mesas redondas para oito lugares, ou mais, muito bem ornamentadas com flores, onde bebemos vinho em taças de cristais, talheres, tudo refinado, e ao som da Orquestra Vienense, que, mais tarde, no Salão de Baile, dançamos valsas, eu com o meu par, major Robson Mattos (hoje, coronel), nosso amigo esperantista do Rio de Janeiro. Fizemos sucesso! Rodopiamos pelo salão e as pessoas pararam para nos verem dançar. Até hoje, quando encontro com o Sr. Dobryzinski ele menciona esse fato. Depois a Orquestra Filarmônica de Viena, tocou o samba de Ary Barroso, Aquarela do Brasil, que não deu para sambar muito, por ser finamente orquestrado.
Fizemos excursão ao Palácio que era um mosteiro, onde viveu Elizabeth, Imperatriz da Áustria, apelidade Sissi. Apreciamos todo o mobiliário antigo da época, com seus espelhos de cristais, muitas gravuras e pinturas no teto, belíssimas, que apreciávamos olhando no espelho de cristal puríssimo do balcão exposto no centro do salão, para que não cansássemos o pescoço, olhando para cima, por muito tempo. Depois de outras visitas a monumentos, voltamos para o Palácio das Convenções de Viena, onde assistimos as palestras finais e encerramento do Congresso, após sete dias, quando os congressistas se retiraram para seus países ou para viagens turísticas, como alguns fizeram até a Itália, França etc...Fiquei somente eu (pois viajei sozinha, com bilhete para somente 15 dias
– a Agência avisou que se eu voltasse antes do tempo, teria que pagar multa em dólares) e, por causa disso, fiquei mais uma semana pagando hotel... Aproveitei para visitar uma das igrejas mais antigas, onde assisti por mais de uma hora, o senhor tocando no gigantesco órgão, belíssima música sacra. Depois saí e fui procurar o Museu Nacional nas proximidades da Igreja em frente a praça, que tem uma secção do Esperanto, onde são depositados livros e revistas que relatam a história do movimento esperantista mundial.
Resolvi pegar um bonde, fechado, que me levou até Lintz, cidade, embora para mim, seria como um bairro, pela pouca distância percorrida, desci em frente a um prédio monumental, todo branco, no centro de um grande parque arborizado e florido, que constatei depois, ser Hospital. Entrei no parque para apreciar as diversas estátuas, completamente diferentes das costumeiras. Eram reproduções de seres doentes e em uma delas, podia-se olhar pelo visor, via-se o interior do corpo, mostrando os órgãos por dentro. Lembro-me da estátua de uma jovem, grande, alta, parecendo se inclinar para a frente, com os sapatos bem feitos pelo artista. Senti fome e fui almoçar num pequeno restaurante na entrada dos jardins do Hospital, onde comi uma fritada sem gordura, depois andei um pouco e deparei com o busto de Zamenhof numa pequena praça, perto do ponto onde pequei o bonde de volta para Viena. Continuei explorando os monumentos, entre eles ruínas romanas que se encontram em diversos países da Europa.
Visitei outras igrejas, passei pelas praças mais movimentadas, fui ao banco trocar moedas e peguei o trem do Metrô, diversas vezes, indo e voltando para apreciar a extensa e larga avenida, na qual se viam muitas estátuas sendo pintadas de dourado, brilhando ao sol, como ouro.
Devo dizer que viajei no Metrô, algumas vezes sem pagar, porque tudo era escrito em alemão e eu fiquei com medo de perder dinheiro, já o havia perdido nos telefones do hotel, o que me pareceu uma armadilha para enguli-las sem retorno. O Prefeito nessa época, era um esperantista que facilitou-nos os transportes durante o Congresso. Mas, fora do Congresso, já teríamos que pagar passagem. Além do mais, o meu correspondente austríaco, o Ernest Quietensky, havia viajado com a família para aproveitar as férias dos filhos. Ele foi um dos que trabalharam muito na Recepção para atender os congressistas. De maneira que eu fiquei sem guia. Mas, mesmo assim, aproveitei bastante os passeios pela cidade de Viena com seus restaurantes confortãveis, com mesinhas ao longo das calçadas. Foi num desses restaurantes, onde havia muitos estudantes, que comi a melhor pizza, a pizza Margherita, que foi criada em homenagem à rainha, na Itália. A cerveja Kaiser de lá me saiu melhor do que aqui, servida numa tulipa grande como se usa lá. O garção era japonês, mas falava italiano e alemão. Aliás, em uma bomboniere, fui atendida por uma japonesa que falava diversos idiomas, inclusive espanhol. O patrão, ou marido, só falava inglês. Durante a guerra, muitos ingleses e americanos permaneceram na Áustria, e lá constituiram famílias. Por isso, há um teatro, próximo ao hotel onde me hospedei, que representava peças em inglês, pelo menos o nome do teatro está escrito em inglês. Mas o povo, em sua maioria, não fala a língua inglesa, ou fala mal. Tanto que uns jovens americanos me perguntaram se eu falava inglês, pois desejavam informações. Então eu ensinei-lhes por meio de mímica e apontei para o hotel, onde deveriam pedir informações, pois lá se fala francês, inglês e espanhol. Eles agradeceram e foram em direção ao hotel. Poderia falar muito sobre Viena, do cinema ao ar livre, das barraquinhas de petiscos, artesanatos que existem em todos os países, como aqui também. dos espetáculos de valsa no centro do Parque, dançarinos vestidos a rigor, ao som de uma bela orquestra. Mas pouco pude apreciar, pois às 9 horas da noite começava a fazer frio, chuviscar e ventava muito. E para voltar para o hotel, eu tnha que andar por ruas desertas. Preferi, então, ir dormir e pegar no dia seguinte o trem do Metrô para apreciar a beleza dos palácios de diversas origens, romana, espanhola, austríaca etc..
Em Viena existe trem subterrâneo que passa por baixo do Rio Danúbio. Outro que passa por cima do Rio e o trem de superfície, e notei que os trens correm dia e noite, sábados e domingos, mesmo vazios. Só que não têm ar condicionado como aqui. É um abafamento, no verão! Mas o Metrô é a condução mais barata para operários e estudantes. E os jovens entram com suas bicicletas nos vagões, e temos que esperar sairem primeiro, para depois sairmos também. Há, ao longo das praças e avenidas, ciclovias bem pavimentadas, contornadas por canteiros e bancos para descanso dos passantes. Os bondes param em todos os pontos, mesmo se não fizer sinal. Acho até que nem se usa isso lá. Os motorneiros (como eram chamados aqui os que dirigiam bondes) esperam a gente saltar com calma, principalmente os idosos. Na rua, muitos choferes param para nos deixar atravessá-la. Pelo menos comigo aconteceu isso, em 1992! Atualmente, não sei dizer o que acontece por lá, a não ser uma carta do Ernst, informando anos depois, que os nazistas puseram bombas no carro, onde viajavam quatro ciganos, embora a polícia dissesse que foram os próprios ciganos que fizeram isso. Não dá pra acreditar mesmo! E sabemos que os ciganos sempre foram perseguidos não só na Áustria, como também em outros países da Europa!
Para terminar direi que viajei de volta para Paris, onde, ao chegar, perdi o avião que me traria de volta ao Brasil. Arranjaram-me um hotel próximo ao Aeroporto Charles De Gaulle, onde só à noitinha do dia seguinte consegui pegar avião da Air France para S. Paulo e depois para o Rio de Janeiro, tendo que procurar por minha bagagem que chegou antes. Finalmente, meu cunhado chegou de carro, para me apanhar no Aeroporto, de onde, graças a Deus, retornei ao meu lar!
Elma do Nascimento