Toledo/España
Como a viagem de Madrid para Barcelona seria apenas à noite, sobrou um dia em meu roteiro e aproveitei para conhecer a medieval cidade de Toledo. Existe trem de Madrid até lá mas preferi um tour com guia por ser prático, barato e muito mais informativo.
A viagem é curta, passando por campos imensos na região de La Mancha, onde teriam ocorrido algumas das peripécias de Don Quixote na imortal obra de Miguel de Cervantes. Eventualmente esse cenário bucólico era pontilhado por imensos olivais, ruínas de tempos gloriosos e algumas casas de fazendas. Depois de uma hora de estrada chega-se a Toledo, cujos arredores são banhados pelo mesmo rio que em Portugal é chamado de Tejo.
Ao entrar na cidade tive a estranha impressão de entrar numa máquina do tempo, que nos remete imediatamente para a idade média. Essa antiquíssima cidade foi capital da velha Espanha e a impressão que se tem é a de estar andando em um museu à céu aberto. É lá que se fabricavam as espadas e armaduras dos cavaleiros andantes. É a terra de Rodrigo de Bivar,o herói "El Cid" (Imortalizado no cinema pelo ator Charlton Heston). Como gosto de trazer quinquilharias exóticas nessas viagens, escolhi uma réplica miniaturizada da espada do Cid.
Comecei visitando na cidade a catedral de Toledo. Toda em estilo gótico, sua aparência é lúgubre, ao mesmo tempo bela e assustadora. Tem o púlpito todo esculpido em mármore e madeiras nobres, apresenta esculturas e quadros imensos retratando a paixão do Cristo nas paredes escurecidas pelos séculos. A nave principal é imensa, monumental, e as colunas são gigantescas, descomunais. Na parte final da nave, atrás do púlpito, as paredes são pintadas e esculpidas com cenas de anjos subindo ao céu. Essas pinturas sobem pela parede até uma abóbada vítrea que deixava passar os raios de sol que davam ainda mais dramaticidade àquelas imagens, onde já não se sabia o que era pintura ou escultura, uma vez que ambas se mesclavam causando uma impressão de fato comovente. Coisas da fé cristã medieval.
Percorrendo os corredores e saguãos, conheci numa exposicão, uma coroa que pertenceu a um rei espanhol, toda em ouro e prata, cravejada de pedras preciosas. Também vi uma bíblia com detalhadíssimas gravuras em ouro. Entre os integrantes do grupo formado por europeus, canadenses, estado-unidenses e também espanhóis, estavam dois casais de brasileiros, que não estavam nem aí para as explicações da guia que nos levava pelos pontos mais interessantes da cidadela. Só importava comer e beber...
Depois visitei o Monastério, onde os homens ficavam reclusos em estado de meditação. Assustou-me ver um esqueleto de verdade sobre o umbral da saída. Sacramento! Conheci a Sinagoga dos Judeus e depois um museu com as obras de El Greco, pintor grego que viveu muitos anos em Toledo. Suas obras renascentistas mostram cenas bíblicas, mas no cenário ao fundo aparece a cidade de Toledo. Alguns dos personagens que apareciam nas obras tinham os rostos dos homens que o patrocinavam e tem até uma cena de soldados levando Cristo, mas um deles está usando um uniforme dem soldado espanhol. É dele também a obra em que São Pedro aparece com um molho de chaves das portas do céu. Penso que era um sujeito bem humorado!
Visitei ainda uma oficina de damasquinos, jóias em estilo mourisco gravadas em ouro por artesãos locais. Essa técnica eles aprenderam com os muuros, que por muito tempo dominaram aquela região. Depois fui conhecer a fábrica de espadas, coisa pra turistas, of course. Algumas eram realmente belas, uma tradição secular que passa de pai pra filho.
Seguindo em frente, aproveitei o resto do dia pra passear por suas vielas apertadas e cheias de surpresas. A cidade é pequena e parece um castelo com muralhas, na verdade é isso mesmo. É interessante andar pelo casario medieval e deparar-se com lojas de espadas e armaduras, e de repente ao lado uma loja de estilistas famosos, com vitrines modernérrimas. Anda-se mais um pouco e ao lado de uma tipografia secular está um cyber-café. Então percebe-se desde aquelas famosas sanduicherias estado-unidenses até barracas de camelô vendendo camisetas da seleção brasileira com o nome Ronaldo 9. As vielas parecem dizer que vale à pena andar à esmo, deambular por suas veredas, apreciando a arquitetura de uma época onde cavaleiros andantes por ali caminhavam. Um tempo onde princesas, soldados e gente de genuína fé tinham grandes causas para viver ou por elas morrer.
A saída da cidade se dá por uma ponte de pedras sobre o Tejo, onde atravessa-se um grande portal ornado com um brasão medieval.É a despedida da cidade do Cid e dos reis que dela fizeram a capital da Espanha.
Entrar no micro-ônibus que nos levaria de volta a Madrid deu uma sensação de 'de-volta-para-o-futuro' depois de um dia caminhando dentro da própria história, numa cidade onde as paredes, as ruas e tudo mais parecem sussurar aos nossos ouvidos as aventuras de um tempo distante, de fé, lendas, mitos e muitos, muitos heróis.
Tchello d´Barros