CAMINHANDO NOS CAMPOS DO SENHOR

Sonho maior, nascido das páginas de revistas e jornais, cultivado pelo gosto pelas caminhadas iniciais na Floresta da Tijuca, Rio, desde 1993, agora se materializa: estou em Lençóis, a 452 kms. de Salvador, menos de 4.000 habitantes, antiga capital do diamante (1845), casarões coloniais do tempo do garimpo tombados pelo Patrimônio Histórico e Artístico, em plena Chapada Diamantina, coração da Bahia, formada no período de 2 bilhões a 400 milhões de anos atrás, com cerca de 84.000 kms. sobre 55 municípios, destacando-se o espaço entre as cidades de Lençóis, Mucugê, Rio das Contas, Andaraí e Xique-xique do Iguatu. Nela, os pontos mais altos do Estado: Pico das Almas, l895 ms, Itobira, 1970, e Barbados, 2.080, e é cercada pelas bacias dos rios Contas, Jacuipe e Paraguaçu.

Cada percurso me traz informações históricas (ruas, construções, escavações do garimpo), geológicas (pedras e terras do fundo do mar, em visíveis camadas superpostas, areias, milhões de anos em paciente modelagem com a ajuda das águas das chuvas e dos rios; montanhas de cabeças decepadas são imensos platôs no horizonte); espeleológicas (grutas com suas imaginárias esculturas, ou abrigando águas azuis, às vezes mais belas ainda, em azul turqueza, quando o sol sobre elas se debruça). A vegetação empoeirada do cerrado parece seca, mas está apenas adormecida, é verde o seu caule quando arranhado. Mocós saltam entre pedras e árvores, pássaros sofrê, sabiás, anuns, até uma solitária águia, arranham o espaço.

E como não se enternecer com a simplicidade e a hospitalidade dos seus moradores?

A grande emoção, porém, após quatros dias de estada, gravou-se no último, após um desafio para pulmões e pernas, a subida da Serra da Larguinha. No descanso, no sítio do Curral, belo panorama dos morros, vales e planícies. Mais adiante, a surpresa colorida na campina úmida: as flores, azuis, roxas, amarelas, rosas, vermelhas, vão se oferecendo, bordam sobre o verde uma orquestra única, contínua, em matizes várias, um exemplo de fraternidade na natureza, ficam altas, se sobrepõem às nossas cabeças.

Em certos momentos, o grupo se adianta, me oferece espaço para aventuras fotográficas. Vislumbro o céu, abro os braços para o infinito, aspiro o ar fresco e revigorante, em íntima prece agradeço a Deus a magnificência do momento, enquanto a chuva-névoa descansa sobre meu rosto.

- Maranatha! – é a minha invocação, porque já não sou mais eu, sou um com a natureza, sob bendita e benvinda paz interior, vontade imensa de não mais sair dali.

É preciso, entretanto, prosseguir, encarar as pedras do riacho, e deitar sobre o despenhadeiro para absorver o espetáculo final da cachoeira da Fumaça, 380 ms. de altura, suas fracas águas em briga incessante com o vento forte que se eleva do vale e as impele de volta para o alto, acima do início da queda, sobre a montanha, em chuviscos de névoa.

Um colorido pássaro visita as migalhas do nosso lanche. Vem o retorno, o reencontro visual com o mesmo e colorido campo, a tristeza já se insinuando ao prever futuras saudades de imagens tão gratificantes. Associação de idéias, ao recordar etapas do caminho: a íngreme subida se assemelhando ao primeiro esforço humano para a busca e o conhecimento de Deus; a planície florida da altitude é doce previsão do paraíso, bem-estar pressentido para a realização mística pessoal do êxtase último do espetáculo da cachoeira, dos cânions, do abismo, do rio, das florestas, obras de Deus em várias manifestações.

Por muitas terras andei, mas aqui, neste solo baiano tão antigo e tão distante, meu coração de caminhante se deslumbrou, se diluiu e se deixou ficar em maravilhoso e sagrado descanso!

Milton Ximenes Lima

Caminhada: de 25 a 29.08.01
Texto premiado com menção honrosa no XI Prêmio Missões (Roque Gonzáles/RS), 2007

« Voltar