UMA RUA CHAMADA 46
Não eram muitos os brasileiros que por ali circulavam há duas décadas atrás. Um escritório ali, um negócio aqui, um sonoro alô e um tchau, e aos poucos foi-se escutando o idioma melodioso da Pátria Mãe em pleno território americano. O tempo foi passando e por ali também foi passando mais e mais brasileiros: se encontrando, resolvendo negócios, trocando notícias, trabalhando, contando a última piada da terrinha, ou mesmo discutindo e tentando solucionar os problemas político-econômicos à distância... Não só homens e mulheres de negócios, trabalhadores e visitantes, como também gente que por aqui chegava sem conhecer nada e ninguém, fizeram daquela quadra o seu ponto de partida para depois se soltar por Manhattan, Nova Iorque e o resto da América.
Uma vez fui ver a festa de 7 de Setembro de lá. Mal atravessei a Broadway e caminhei em direção da Quinta Avenida, tropecei com três músicos puxando um sambinha de fazer a gente remexer as cadeiras e arrastar os pés no ritmo quente bem brasileiro. Era verão! Não existiu melhor maneira para eu me integrar ao clima de festa. Milhares de brasileiros e brasilianistas estavam juntos celebrando e comemorando a passagem do dia da Independência. Dava orgulho ver ao longe desfraldada uma bandeira gigante verde e amarela, e outras tantas pequenas misturadas com bandeirinhas americanas. Assim me diluí no bloco e me imbuí da brasilidade que exalava dentre os arranha-céus nova-iorquinos.
Cheiro de empadinhas, de frituras de pastéis e de bolinhos de bacalhau ou camarão. Coxinha de galinha. Ah! Caipirinha feita com cachaça da boa.
Sede de final de verão acalmada com um guaraná gelado ou uma "loira" super-gelada. Moças vestidas de baianas. Gente bonita. Gente jovem pra chuchu. Não dava pra deixar o pescoço quieto. Sons de cuíca, de berimbau e de pandeiros. Vozes familiares, caras e cores conhecidas, aroma da terra de lá trazido e largado no meio do concreto e do asfalto. Como um toque de mágica, espalhado no ar. Verdes e amarelos espalhafatosos estampados em roupas, camisetas e panos.
Muitas vezes fui lá naquela rua torcer pela Seleção Brasileira e até entrei no samba com a conquista do Tetra. Emoção pura. Muito samba, suor e cerveja, como diz o poeta lá da Bahia. Lembro de uma vez, quando Lulu Santos sacudiu uma multidão ali mesmo, fazendo todo mundo cantar o Hino Nacional sem acordes de guitarra nem acompanhamento algum. Foi tudo emoção à flor da pele. Não dava pra resistir... chorei. O espírito de um povo foi assim sacramentado e manifestado sem fronteiras.
Outros tempos passaram, tantas festas rolaram e artistas, intelectuais, poetas, políticos, gente comum e humilde dali fizeram seu ponto de referência. Assim nasceu com todo o vigor a Little Brazil — um quarteirão da Rua 46, entre a Quinta Avenida e a Avenida das Américas (que corresponde a Sexta Avenida) — um pedacinho do Brasil na América.
Voltei por lá outras e outras vezes. Volto sempre. Vou buscar o jornal, remeter dinheiro para família, comprar a passagem de avião, rever os amigos, tomar um bom cafezinho, comer o bolinho de carne com tempero nosso, ver as pessoas, ou, simplesmente, vou só por ir, para sentir o cheirinho brasileiro guardado no coração de Nova Iorque.
Fernando Tanajura Menezes