Quando, aos três anos,
desembarquei no Piauí, tive a certeza de que ele se preparara para
me receber. O avião já havia me avisado, quando subitamente
uma de suas asas começou a pegar fogo. Sobrevoamos Teresina, doce
mãe do Parnaíba, até que o combustível acabasse.
Circulamos a cidade, por inúmeras vezes. Lá embaixo, as lavadeiras
do Parnaíba acenavam. Dentro do avião, a expectativa perante
o improvável. Para os adultos, o improvável tinha a face
da morte. Para mim, a única criança naquele vôo, tinha
o rosto de mãos que batiam roupas nas pedras e acenavam para um
pássaro de fogo. Por mais que os rostos dos tripulantes refletissem
o horror dos vivos perante Hades, o Senhor dos Reinos Infernais, eu só
conseguia ver um céu de flocos querendo beijar o verde rio. Confesso
que a paixão azul daquele céu tão imenso me fez chegar
a desejar que o nariz do avião mergulhasse no Parnaíba. Da
janela eu via as mulheres acenando para o pássaro, indicando o leito
do rio. O avião em chamas era então um enorme carcará
dourado. Um carcará faminto que voava num céu apaixonado.
Mas como a razão impede que o céu abrace os rios, o pássaro
aprumou as asas e lentamente pousou na pista. Ao descer do avião
o Piauí beijou-me com a sua boca quente. Lá longe, na beira
do rio, as lavadeiras acenavam. Cheguei à fazenda na hora do almoço.
E o Piauí pôs à mesa as águas de seus maxixes.