Em um belo casario erguido nos idos de 1900, imponente e bem conservado, construído em forma de chalé, na subida da ladeira da Ribeira, morava o escritor e historiador Câmara Cascudo. Por muito tempo o “Solar dos Cascudos” ficou fechado, escondendo relíquias culturais sobre a vida do escritor. Agora, a neta do mestre, Daliana Cascudo, abre as portas do ninho cascudiano para visitação pública, sem cobrança de taxa.
É uma oportunidade ímpar para aqueles que querem desvendar os mistérios do lugar onde o gênio morou e escreveu a maioria dos seus livros. Envolvidos pela atmosfera do ambiente, o casario nos faz voltar ao tempo, enquanto Daliana nos mostra em detalhes a Casa Câmara Cascudo.
Na entrada da Casa, uma placa em bronze avisa: “Aqui, Luis da Câmara Cascudo serviu ao Rio Grande do Norte pelo trabalho intelectual mais nobre e mais constante que o Estado já conheceu”, uma homenagem do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, ressaltando a importância de Câmara Cascudo.
A biblioteca foi o cômodo da casa onde o historiador passou a maior parte do seu tempo. Nas paredes, marcas de intelectuais e pessoas famosas que o visitava em casa, deixando uma mensagem assinada, como: Monteiro Lobato, Mário de Andrade, Assis Chateaubriant, Juscelino Kubitschek, Carlos Drummond de Andrade, Dorival Caymmi, Djalma Maranhão, Sylvio Pedrosa e muitos outros. Foi naquela parede que Ary Barroso escreveu um compasso de Aquarela do Brasil, seguido de uma dedicatória: “Ao gênio e amigo”.
Dentro da biblioteca encontram-se, além de móveis coloniais, coleções de arte indígena, arte popular, arte estrangeira, etnografia africana e uma coleção de arte sacra. Santos de tamanho natural continuam sobre a escrivaninha que o mestre usava, inclusive um São Sebastião de barro, com flechas encravadas ao corpo e amarrado a um xique-xique caatingueiro.
De acordo com Daliana, quando Câmara Cascudo estava produzindo em sua biblioteca, Dona Dáhlia evitava que qualquer problema corriqueiro chegasse perto daquele lugar encantado. “Todo esse cuidado era para que vovô pudesse escrever em paz,” lembra Daliana. Objetos pessoais e todo o acervo livresco de Câmara Cascudo podem ser apreciados no Memorial Câmara Cascudo, ao lado da Matriz Santa Terezinha, na Cidade Alta.
A cama e a rede, onde cascudo repousava, ainda estão no mesmo lugar. Retratos de família na parede, uma bacia d’água de ágata na cabeceira da cama, um armário e uma cômoda, completam a singeleza do quarto do casal Cascudo.
Segundo Daliana, a cozinha era o lugar que Câmara Cascudo mais gostava. “Era aqui que ele recebia os amigos”, disse Daliana, lembrando que qualquer pessoa que se aproximasse da janela lateral, Cascudo se levantava da mesa onde almoçava, para atender as pessoas. “Ele atendia de pescador, mendigo à deputado ou governador”, ressaltou Daliana.
A parede da cozinha é forrada de quadros, uma galeria de artes raras – parte de um acervo riquíssimo. No canto, uma petisqueira guarda dezenas de medalhas, comendas, títulos, placas, honrarias conquistadas no Brasil e no mundo, em reconhecimento ao seu trabalho intelectual. A cadeira de balanço, que Cascudo usava para fazer a cesta e fumar um charuto, é um convite para sentar e se emocionar.
“O Estado e o próprio país possuem uma imensa dívida com esse homem que dedicou sua vida a engrandecer e valorizar esta terra. Tudo que se faça para saldar esta dívida ainda é pouco se comparado com o legado deixado por ele, que se auto intitulava um provinciano incurável e cujo maior orgulho era a cidade de onde nunca arredou o pé”, desabafa Daliana, em um texto informativo, distribuído aos visitantes.
Ao descer as escadarias, o visitante tem a sensação que deixou de observar algo, saindo da Casa Câmara Cascudo impregnado de histórias cascudianas, memórias de uma vida dedicada ao conhecimento e a cultura do nosso Estado.
Alexandro Gurgel