Na Grécia

Estávamos na Grécia, fazendo um passeio pelas ilhas, num mar azul, vendo ao longe as casinhas brancas, os ancoradouros, as pequenas igrejas, as ruazinhas subindo e descendo as verdes colinas... Fazíamos seguidos embarques e desembarques, apreciando o artesanato, comprando nas lojinhas, desfrutando da manhã clara e clima suave... Ovelhinhas e oliveiras completavam a paisagem bucólica, remetendo à louvação da vida campestre pelos antigos poetas gregos. Depois, o almoço típico no barco, ouvindo música folclórica... Tudo se juntava para mais um dia memorável na Grécia. E eu lembrava que tinha sido justamente ali que há mais de 2000 anos se desenvolveu uma cultura sem paralelo na história da humanidade. Cultura que abrangeu desde o estudo da constituição íntima da natureza até do universo em geral e, através da filosofia, tinha buscado o entendimento dos fatores que movem o ser humano e o sentido da sua existência.

No dia seguinte, em Atenas, fomos à cidade alta, à Acrópole, local de intenso turismo. No passado, ali se reuniam os artistas criando imorredouras obras de arte, muitas das quais ainda hoje em perfeita conservação, ao lado de outras que povos diversos destruíram parcialmente.

Então, o vi dialogando com alguns turistas. Era baixo, atarracado, vestia-se mal, podia-se até ver um buraco em seu velho manto. Pareceu-me inteligente, sábio, lembrava alguém que eu conhecia, mas quem? Perguntei ao guarda quem era. Respondeu,

- Um vadio e tagarela.

Estranhei a resposta e perguntei então a um vendedor de postais. Explicou,

-Um grande homem que busca a Verdade através do diálogo. Conversa com as pessoas de todas as classes sociais, atrai e encanta simplesmente dialogando com elas e aconselhando a todos que, acima de tudo, conheçam a si mesmos .

- Quem mesmo? Eu ainda me perguntava tentando lembrar.

Interessei-me, esquecida do lugar, do turismo, do tempo passando... Era fascinante ouvi-lo questionando a coragem, a virtude, a devoção, a sabedoria... Interrogava didaticamente os ouvintes fazendo-os descobrir por si mesmos o que desejavam saber. À certa altura, afirmou,

-Como são tantas as coisas de que não preciso.

Alguns turistas carregados com sacolas de compras riram, mas fiquei pensando como freqüentemente infernizamos a vida, trabalhando demais, para aquisição de tanta coisa inútil... Nesse momento, uma criança chegou com uma flor, entregou-lhe e perguntou onde estava agora seu avô, pois no lugar onde o tinham enterrado tinham brotado margaridas.

-Houve um tempo, respondeu, que eu pensei que soubesse alguma coisa. Hoje, só sei que nada sei . E desfolhou a flor numa taça, chamando-se de cicuta. A criança chorou. Algumas pessoas se comoveram e choraram também. Mas, ele explicava,

- A morte pode ser o maior de todos os bens para o homem; entretanto, todos a temem, como se soubessem, com certeza, que é o maior de todos os males.

Um jovem médico chegou e o levou carinhosamente pelo braço, explicando,

- É psicótico, mas inofensivo. Pensa que é Sócrates.

Claro, Sócrates, o grande filósofo grego, condenado a morrer tomando cicuta, acusado de corromper a mocidade com suas idéias e de desrespeitar os deuses. Sócrates, que, ao contrário, influenciou positivamente a juventude ateniense na busca da verdade e da justiça. Uma vítima dos próprios concidadãos movidos pela ignorância que ele lhes revelava. Sócrates, que colocou a honra acima da própria vida ao se recusar a fugir da morte, como queriam seus discípulos. Sócrates, o que pautou sua vida de tal maneira que se constituiu num exemplo de dignidade, até mesmo perante a morte injusta.

Maria Coquemala

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