Frágil comunicação

Um tanto surpresa, pude sentir o verão da Inglaterra, quero dizer Londres. Quando pensamos nessa cidade, a primeira imagem que nos vem a mente é o clima frio, a neblina densa que umedece e dá a sensação de que iremos enregelar. Era uma tarde de Domingo, o sol já dava sinais de que estava indo embora. Pela segunda vez eu desembarcava nessa cidade, porém dessa vez carregava uma mala enorme e pesada, pois não tinha data para retornar ao Brasil.

Deixei o avião tomada por uma ansiedade, que era uma mistura de curiosidade e medo. Minha primeira atitude foi procurar um terminal do metrô. Sabia que havia um próximo do desembarque. Comecei a procurar pela indicação “Subway”, que quer dizer metrô em inglês. Foi com muita dificuldade que vim a descobrir que em Londres esse meio de transporte tem uma particularidade, pois recebe o nome de “Underground”. Tomei o primeiro trem que encontrei, rumo ao centro da cidade. Lá fui eu para Charing Cross Station, a mais antiga estação de trem de Londres. Ali estava ela, majestosa e imponente, uma réplica de construção do século 19, tendo a sua frente o centro antigo da cidade e aos fundos o rio Tâmisa. A impressão que temos ao chegar ali, é que essa estação carrega o peso de séculos de civilização, palco de tantos acontecimentos que esse país viu e protagonizou. Procurava em cada detalhe da arquitetura, uma marca deixada pela ação do tempo e do grande fluxo de pessoas que por ali passam há centenas de anos. À medida que tais pensamentos iam se dissipando, vi com desespero, que as escadas rolantes estavam desligadas. As pessoas se amontoavam, subindo lentamente os degraus, sem olhar para trás para não correr o risco de desistir. Era uma mistura de pessoas do mundo inteiro. Famílias inteiras, alguns com trajes do oriente, apesar do calor, muitas mulheres com véus, ocultando o rosto. Eu nem sequer tentava disfarçar a curiosidade e uma certa perplexidade, procurando observar os olhos dessas mulheres que mesmo num país tão livre, continuavam escondendo seus rostos, fiéis as suas crenças e princípios. No início, isto me intrigava, mas com o passar do tempo passei a ver com naturalidade e até mesmo ignorá-los. Olhava para o alto da escada e não podia evitar que pensamentos surgissem à minha mente:

—  E pensava: Meu Deus! O que vou fazer ? Estou sozinha, do outro lado do oceano, falando um Inglês precário, sem saber a quem recorrer. Tentava localizar-me, olhando para uma cópia de um mapa da cidade que havia trazido comigo, onde a pessoa que me vendeu as passagens havia assinalado, indicando que direção tomar. Tinha dificuldade inclusive de me posicionar frente àquelas informações todas. Notei, logo mais a frente, um senhor já idoso, com semblante bondoso e falando muito baixo, quase imperceptível. Não sei porque razão, fez-me lembrar um personagem do filme “A cor Púrpura” e nos sofrimentos pelos quais passaram essas pessoas, em todos os lugares que chegaram, pela única razão de ter uma pele escura. Não pude evitar algumas divagações que me vieram à mente. Como deve ter sido difícil para essa gente estabelecer-se num país em que predomina a pela branca e os olhos azuis. Arrisquei uma pergunta já bem estruturada em minha mente, porém, evitando as formas muito elaboradas das minhas aulas de Inglês.

—  Onde fica Catford ? perguntei.

—  Oh! Catford, você quer ir a Catford?

Sorri aliviada, parte da dificuldade havia desaparecido, enfim, consegui me fazer entender.

—  Venha comigo, que vou lhe mostrar o trem que você deve tomar. É um longo caminho, disse ele.

Enquanto seguia aquele homem tão gentil e com tanta boa vontade em me ajudar, comecei a ficar encantada com o jeito tranqüilo com que ele falava. Creio que foi a partir desse momento que nasceu minha admiração pelos ingleses. Passei a prestar atenção no jeito particular que esse povo tem. Sua elegância, boa educação e em particular, sua disposição em ajudar a todos que precisam de alguma informação. Por mais apressados que estejam, não relutam em parar e ouvir com atenção, quando solicitados. De repente, estava eu aguardando o trem que me levaria à Catford. Vi, no painel que o próximo trem chegaria em 4 minutos. Olhei para os lados e percebi que era a única pessoa naquele tubo. Ao olhar para os trilhos tive uma sensação de repulsa ao ver alguns ratos que passavam por ali, tentei me distrair lendo alguns cartazes que traziam a programação dos teatros, famosos pela diversidade de espetáculos, peças teatrais e musicais, que só se encontra em Londres. Aos poucos a plataforma foi enchendo de gente, todos muito compenetrados em algum tipo de leitura, alheios a tudo que acontecia ao seu redor. Uma rajada de vento, acompanhada de um barulho ensurdecedor e pontualmente o trem parou à minha frente. Tentei entrar, alguém quis ajudar a colocar minha mala dentro do trem, a confusão de pessoas que entravam e saíam era tamanha que vi com desespero o trem partindo com minhas malas e eu não conseguia entrar. Foram momentos de verdadeiro pânico para mim. Alguém me empurrou para dentro do trem e com grande alívio alcancei minha bagagem. Percebi que algumas pessoas riam, mas o susto foi tão grande, que eu não conseguia pensar em nada, além de me certificar que estava com minhas malas.

Quando me dei conta, já estava a caminho da casa dos Henderson. Ali iria permanecer por 2 meses, enquanto melhorava meus conhecimentos da língua inglesa e tomava algumas providências para ficar um tempo maior naquele país.

O trem deslizava com suavidade pelos trilhos. Sentada próximo à janela, eu podia observar a paisagem cinza dos arredores de Londres. À medida que o trem se distanciava do centro da cidade, pequenos vilarejos com conjuntos de casas de tijolos escuros, todas com a mesma arquitetura, iam aparecendo. Pareciam casas de bonecas, todas com cortinas de rendas nas janelas e um pequeno jardim nos fundos. Já havia lido anteriormente que essas casas abrigam trabalhadores, que pela manhã vão ao centro da cidade para trabalhar e retornam no fim do dia. Aliando a vida tranqüila longe da cidade grande ao baixo custo das moradias. Começava a escurecer e algumas luzes já estavam acesas. Esse cenário de casas já iluminadas lembrava o aconchego de um lar e me levava a sentir um aperto no peito. Senti uma saudade imensa de minha casa, minha família. Ficava então imaginando o que estariam fazendo naquele momento, tão longe dali. Podia ver a imagem de minha mãe andando de um lado para outro, preparando o lanche da tarde. Não sei quanto tempo demorou essa viagem, mas pareceu-me uma eternidade. Quando cheguei à casa da família que iria me hospedar, encontrei um casal de ingleses típicos à minha espera, ou melhor dizendo, do mesmo jeito que eu sempre imaginei que seriam as pessoas desse país. A primeira coisa que Mr. Henderson falou, que a mim soou com certa rispidez foi:

—  Fez boa viagem ?

Mal pude responder e a senhora completou.

 —  Estávamos preocupados, pois você esqueceu-se de nos avisar a que horas chegaria e passamos o dia todo a sua espera.

Isto me deixou um pouco encabulada, na dúvida se havia entendido bem, ou se já estava levando um puxão de orelha pela minha falta de comunicação. Ao conhecê-los melhor, tive a certeza que eles tinham me passado um corretivo, De imediato ela, de forma bem objetiva, convidou-me para entrar e conhecer meu quarto. Lá chegando, entregou-me uma lista com os horários e a rotina da casa. Enfatizou que, se por algum motivo, eu não pudesse chegar para o jantar, deveria avisá-los com antecedência, pois não gostariam de desperdiçar comida. Ao ouvir isso, tive a certeza que estava na Inglaterra e ainda mais, se quisesse viver em harmonia com todos, teria que mudar alguns hábitos bem brasileiros.

Lourdes Bagatim Scheffer

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