NO BRASIL
No Rio visitei Burle Marx, o Conquistador da flora, Libertador de jardins. Herói Verde do Brasil, que com Niemeyer e Lúcio Costa formam a trilogia procriadora das cidades radiantes. Passeia-me sob folhas imensas, mostra-me raízes espinhosas que se defendem sob a terra, troncos com pruridos, quermelias marmoratas, ilarinas misteriosas e especialmente o tesouro de suas bromélias, recolhidas do Brasil profundo ou investigadas em Sumatra. São quilômetros de esplendor nos quais florescem o escarlate, o amarelo, o violeta até voltarmos a casa com uma ninféa prussiana que vibra como um relâmpago azul nas mãos de Matilde.
Mas Jorge Amado chama-me de Salvador e voamos ao mercado da Bahia, para comer vatapá e beber cerveja na cidade encaracolada da magia. Como fiz no Rio, torno a ler meus versos ao público aberto, moços e moças, e gravar centenas de autógrafos que me oprimem.
Percorro com Jorge os retorcidos entrepechos de Salvador, sob a luz perfurante. Subimos ao avião saturados do cítrico aroma da Bahia, da emanação marinha, do fervor estudantil. Deixamos em baixo, na laje do aeroporto, os Amado: robusto, Jorge, sempre doce Célia, Paloma e João: minha família no Brasil.
Ao ar! Ao amplíssimo celeste! Da altura: a cidade franca, a cidade Vênus: BRASÍLIA!
O deputado Márcio me abre todas as portas. Mas Brasília não tem portas: é espaço claro, extensão mental, claridade construída. Os setores comuns pululam de crianças, seus palácios dão dignidade inédita às instituições. O arquiteto Ítalo, companheiro de Niemeyer, já tem dez anos de Brasília e nos assinala o novo Itamaraty, o Congresso, o Teatro inconcluso, a Catedral, rosa férrea que abre na altura grandes pétalas para o infinito.
Brasília, isolada em seu milagre humano, em meio do espaço brasileiro, é como uma imposição da suprema vontade criadora do homem. Daqui nos sentiremos dignos de voar aos planetas. Niemeyer é o ponto final de uma parábola que começa em Leonardo: a utilidade do pensamento construtivo: a criação como dever social: a satisfação espacial da inteligência.
Pablo Neruda
Trad. de Rolando Roque da Silva
Do livro: Para nascer nasci, Difel, 3ª ed., 1980, SP