Curitiba   

Curitiba, na linguagem indígena dos tupi-guaranis, significa grande quantidade de pinheiros. Curitiba, na linguagem alienígena dos poetas dos outros brasis, é algo mais. Para perceber a Curitiba que há dentro de Curitiba é preciso mais que uma visita ao Jardim Botânico, à Ópera de Arame, ao Teatro Guaíra, à gastronomia de Santa Felicidade ou à descida de trem até Paranaguá, complementada pelo famoso "barreado", prato mais típico da culinária paranaense. Perceber a verdadeira Curitiba que pulsa debaixo desses cartões postais é, por exemplo, caminhar pela Rua XV de Novembro, à meia-noite, à saída do teatro, à espreita dos personagens do Vampiro de Curitiba, o escritor Dalton Trevisan. Ou talvez ir ao cruzamento das ruas Ubaldino do Amaral com Amintas de Barros, à procura do próprio autor, quase-personagem de si mesmo. Não o encontrando na velha e pequena casa cinza, pichada, de janelas sempre fechadas (que a lenda diz ser sua residência), não desanime, arrisque-se a descer a Amintas de Barros por alguns metros, até a General Carneiro, e entre na Livraria do Chain. Ele está sempre lá. Quando não em pessoa, em uma longa prateleira, inteiramente preenchida com suas obras, desde os antigos livros aos mais recentes lançamentos. É Pico na Veia, em dose adequada a compreender a dor que parece acompanhar o recluso contista, dor que o torna polêmico, mas literariamente muito mais elegante, como diz o recém-musicado poema de outro curitibano famoso, Paulo Leminski. Perceber a Curitiba que circula fora dos roteiros-cartões-postais é também ir ao Largo da Ordem, na parada obrigatória no Bar do Alemão para comer a inusitada "carne de onça". Poucos sabem o que vem a ser isso. É claro que há várias Curitibas em uma mesma Curitiba, e isso a faz mais interessante. Mas cada uma delas se preserva. A Curitiba que conheci é essa, paradoxal. Impulsionada pelo novo, pelas estações-tubo, representadas na obra de Poty Lazzarrotto na Torre da Telepar, mas preservando como poucos centros urbanos a majestosa antigüidade de um Castelo do Batel, Curitiba oferece aos visitantes um equilibrado paradoxo. Parece esconder-se dos olhares óbvios sob uma cor acinzentada - cinza cor-de-inverno para alguns. Mas os táxis gritam sob um laranja-verão eloqüente, versão mais tropicalizada dos yellow cabs novaiorquinos. Isso tudo é a Curitiba que vai além da definição que ainda persiste, a dos pinheiros, desde o tupi-guarani. Perceber essa Curitiba, a de dentro, a que se esconde sob a pele da Curitiba dos pinheiros, é realmente conhecer Curitiba. Ah! Mas os que ainda não a visitaram, não se enganem: também há os pinheiros. Muitos.
Brasília, 29 de março de 2006
(Para Curitiba, pelos seus 313 anos)

Artur Adolfo Cotias e Silva

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