Na Terra dos Faraós
Tínhamos chegado ao Cairo, à noite e, de imediato, levadas ao hotel, antigo palácio dos xás, com seu longo corredor e centenas de apartamentos.
Dia seguinte, mal nos acomodamos para o café da manhã, a vimos através da grande janela, bem em frente, em pleno deserto... Como em sonhos se realizando, ali a pirâmide de Keops, dourada de sol. Sim, eu estava no Egito, a terra dos faraós, das múmias, dos hieróglifos, da crença na ressurreição dos corpos, das pirâmides e templos, cujas histórias tanto tinham me fascinado desde a infância, ouvindo o professor de História.
Iniciamos um tour pelo deserto com outros turistas, montados em camelos. Tínhamos a opção de entrar ou não no interior de uma pirâmide. Entrei, caminhei curvada por longos e escuros corredores até a câmara mortuária, temendo morcegos, escaravelhos venenosos e múmias desgarradas, certamente influenciada por aquelas maldições dos filmes de Hollywood.
Pirâmides, conforme eu sabia, são túmulos gigantescos, onde se sepultavam os faraós mumificados, acompanhados de seus fiéis servidores e arquitetos da construção, vivos. Sim, vivos. Eram sacrificados para que os segredos do acesso à tumba do faraó não fossem revelados. Arrepiava-me pensar na morte deles ali, asfixiados, tentando aspirar o ar, mas ar que não vinha, tão logo os acessos ao túmulo se fechassem. E assim, escondendo tesouros fantásticos e segredos que, através dos séculos, seriam descobertos por ladrões e pesquisadores, perturbando a paz dos mortos.
No mesmo dia, conhecemos a Esfinge, outro monumento enorme, corpo de animal, cabeça de gente. Estava em reforma, algo como uma cirurgia plástica. Conforme contou nosso guia, as quebraduras no nariz eram seqüelas das guerras napoleônicas. Soldados treinavam tiro ao alvo, atirando nele. Segundo a lenda, ou você decifra a esfinge ou morre. Não deciframos e estamos vivas.
Decidimos também conhecer Alexandria, famosa na Antiguidade, pela biblioteca e seu farol. Qual não foi a surpresa ao constatar que éramos as duas únicas visitantes com nosso guia e o motorista; este último um egípcio de cuja grandeza de alma, não tínhamos encontrado paralelo em nenhuma outra viagem. Alguns quilômetros antes da chegada, um batedor e um jipe com militares se juntaram a nós, dando proteção. Nos sentimos rainhas. Mas rainhas que não entendiam o motivo de tanta honra. Ignorávamos que Alexandria tinha se tornado um ninho de terroristas.
Nada mais restava das antigas glórias da cidade, agora imensa e muito pobre, mas tentando reconstruir a maravilhosa biblioteca que ali existiu há mais de 2000 anos, com seus milhares de livros manuscritos. Depois, destruída por incêndio criminoso, por árabes ou cristãos. Inestimável, em termos de civilização o que se perdeu. E lá passamos o dia, sempre militarmente protegidas. Na volta, vimos tamareiras carregadas de frutas. Comentei quanto gostávamos de tâmaras. À noite, recebemos uma sacola cheia de cachos de tâmaras maduras, frescas, cheirando a sensibilidade, gentileza, bondade... O coração egípcio era maior do que imaginávamos.
Muitas outros passeios fizemos no Egito, terra de tantas lendas, conhecendo templos, passeando entre as tamareiras pelas margens do Nilo, comprando acetinadas camisetas de algodão nas ruas... Sentíamos a secura do ar, pois ali só chove duas ou três vezes ao ano, em janeiro, o que explica a conservação das múmias por tantos séculos.
Uma semana depois, partimos de madrugada, após um farto café da manhã no hotel, mas não sem antes parar no caminho rumo ao aeroporto para um imenso copo de suco de cana, gentileza do nosso motorista. Como recusar? Deus sabe como, bebemos sorrindo.
O Natal chegou, mandamos postal em inglês à agência de viagens egípcia, agradecendo a atenção especial durante nossa estada no país e citando a excelência do trabalho do motorista. Para nossa surpresa, ele escreveu. Em inglês, língua da qual mal sabia algumas palavras. Na verdade, escreveu na linguagem do coração, aquela que só entendem os que um dia se encontraram e se quiseram bem.
Maria Coquemala