A AVENTURA COMEÇA DENTRO DE NÓS

Há pouco mais de três anos estive no Marrocos. É uma terra que, inexplicavelmente, toca o coração, acende a alma, dá-me uma vontade débil de abandonar as origens tropicais e viver como ermitão à beira do Saara. Talvez seja um romantismo fincado em Rimbaud ou nos inúmeros escritores viajantes que li e passaram temporadas em Tânger e Marrakesch. Casablanca, nem pensar, nem de longe lembra o clássico com Bogart e Ingrid Bergman; é feia e suja. Hospedado na pequena Tarifa, balneário turístico de reminiscências mouras, daqui movimento-me facilmente por toda a ardente Andaluzia. Ao acordar, o primeiro ato que faço, é ir à janela do quarto, num terceiro andar, e avistar o outro lado do estreito de Gibraltar, buscando as montanhas e as casas brancas do território africano. São apenas 14 Km. separando este ponto de Espanha do Marrocos, algo parecido com Salvador e a ilha de Itaparica. Assim iniciam os dias ensolarados. Em paz com a vida, dou um bom-dia para a revoada de andorinhas e coloco um flamenco no discman, antes da meditação, do café forte e da leitura dos jornais. Uma vizinha com a cara da atriz paulista Etty Frasere e de mais de 80 anos, pergunta o meu nome, e vacilo, fico em dúvida, não sei o que responder. Qual o meu nome? Sou tantos. Há um Antonio poético e aventureiro errante, um Antonio porra-louca e pessimista, um Antonio disposto a saltar no vazio sem pára-quedas, outro obcecado pelo amor. Há um Antonio espiritualizado e acorrentado ao silêncio, um vaidoso e encantado com as suas publicações mundo afora. Quantos, do que sou, escreve? Qual deles acorda no meio da noite e vê assombrações? Quantas cabeças pensam dentro da minha cabeça? Por que motivo sinto tanto prazer em mudar de casas, cidades, países? Que quero? Quem espero? A mensagem on-line de um amor que já não me deseja ao seu lado? Uma frase em castelhano que signifique tudo? Sou uma caixa de surpresas, como essas bonecas russas ocas - as matrioskas - que trazem dentro outras bonecas ocas, e sei que a aventura começa dentro de mim. Me sinto afortunado por estar na Espanha, um país comovente, mas são tão poucas as árvores, e gosto loucamente delas, seu perfume, o som das folhas ao vento revelando os segredos do mundo. Eu falo com elas. São os seres mais inteligentes nesta temporada mundial trágica. Mesmo sem os ridículos telejornais da Globo, continuo acompanhando a imbecilidade e sacanagem através dos periódicos e da internet. Se tivéssemos que ocupar-nos somente destas patifarias - e quando são realmente perigosas não há outro remédio -,  nossos neurônios seriam batidos como vitaminas, se transformariam em mecanismos robotizados e babacas. Um dos problemas da maldade é que é um produto da estupidez. Gente capaz e inteligente se vê obrigada a discutir e rebatê-la, e portanto escutar opiniões insanas, reacionárias ou conservadoras. Creio que foi Kant que advertiu contra isso: "Nunca discuta com um idiota. As pessoas podem não notar a diferença". Mesmo assim, nem sempre é possível seguir esse conselho, principalmente quando se trata de crimes e corrupção. Na Espanha, praticamente todos os dias uma mulher é assassinada pelo marido ou namorado. É uma loucura! As pessoas também se suicidam como besouros atraídos pela luz elétrica. Sem falar na cruzada antiterrorista homicida perpetuada por Bush e Rumsfeld, dois dos malucos que mais derramaram sangue nos últimos anos,  divulgada tediosamente. Como levar a sério um chefe de Estado como Bush que solta frases burras tipo: "A falta de provas não prova a ausência". Ele falava das invisíveis armas iraquianas de destruição em massa, não sei se recordam. O certo é que nesses casos, além de se sensibilizar pelos mortos e feridos e viver em permanente paranóia, não há outra solução do que ouvir os criminosos, o que argumentam. São explicações completamente estúpidas. Bem parecido com o que faziam os nazistas. Qualquer um que saiba algo sobre a história do Terceiro Reich como provará que nas estrelinhas dos discursos de Hitler não havia uma só idéia interessante, original ou completa. Basta ver "O Triunfo da Vontade", o monumental documentário de Leni Riefenstahl sobre as concentrações nazis de Nurembergue em 1934, para verificar que as massas se empolgavam com palavras vazias e ignorantes. Mas chega de vilões e covardes. O dia acaba de nascer - às 8 da manha! -, deixo os jornais de lado e volto para a janela. Olá, andorinhas! Olá, Marrocos, uma hora dessas estarei por aí. E levarei o meu coração. Sim, mesmo nesse mar de esquizofrenia, o meu coração cigano continua empolgado com as coisas simples da vida. E o seu, meu caro leitor?

Antonio Júnior

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