Inesquecível, Marrocos!...
Objectivo: conhecer Marrocos em viatura própria. Dois irmãos e suas esposas numa viagem inesquecível, é o que vos narro e ilustro. 1998, estação outonal, para não estiolarmos. Quando nos abalançámos a ir até Marrocos num Mercedes com uma década de estrada, não prevíramos viagem tão acidentada nem tão longa! Simplesmente iríamos à aventura, sem horários, sem programa, apenas levaríamos roupa leve, cartões de crédito e débito, e um mapa, ao qual obedeceríamos por instinto e sempre com o propósito de terminar cada etapa, descansando o suficiente para retomar o roteiro mais ou menos improvisado no dia seguinte. Uma das etapas do percurso, a mais arriscada, era penetrar no perigoso deserto sahariano.
Em Marrocos houve o nome de Mazagão. Mazagão foi fundada pelos portugueses, e hoje chama-se El-Jadida, mas em cada esquina das ruas da Cidade Portuguesa (Cité Portugaise como é anunciada nas placas de sinalização), poderá ser lido o plano no qual o arquitecto João de Castilho se notabilizou. Em El-Jadida podemos ver as muralhas portuguesas, canhões que por lá deixámos, misturados com outros franceses e espanhóis, o velho porto de pesca, que tem nome Porto Velho (ver foto), o Palácio Andaluz, o Palácio do Governador luso (ver foto), baixos relevos de Escudos Monárquicos portugueses numa das portas de entrada da Cidade, a Rua da Carreira, a Cisterna, feita em 1441 pelas mãos dos nossos soldados, sendo Fortim antes da Cidade se muralhar também pelaa suas máos. Não há dúvida que falar em Marrocos, é enaltecer a nossa gesta de povo guerreiro e aventureiro no Nordeste de África.
Pelo caminho destes percursos rodados: Rabat, Essaouira, Agadir, ficaram inesquecíveis as refeições em restaurantes locais, tomando conhecimento com as célebres tagines, refugados em panelas de barro, cobertas por chapéus em bico também de barro com um furo no topo. Cabrito, carneiro, borrego, galinha, peixe, tudo era feito da mesma forma, com batatas, ervilhas, brinjelas, num molho de gordura que lhes dava especial sabor. Para fugirmos ao chá tradicional, bebíamos vinho ou cerveja, vertidos à socapa nos copos do chá. Embora um ou outro marroquino olhasse admirado, ninguém nos repreendia, pois notava-se que éramos estrangeiros europeus em terras do Islão… fizemos assim a viagem toda com a atitude, postura e a palavra de simpáticos amigos com vontade de apreciar a sua terra, a sua gente e os seus costumes.
Vale a pena penetrar na profundidade de Marrocos, ir a Ouarzazate no deserto, onde Robert Aldrich filmou "Sodoma e Gomorra", o deserto como pano de fundo, recorrendo à alcáçova de Ait-Bem-Haddou. Aí produziram-se filmes famosos de marca americana, sobre temas bíblicos: Ben-Hur, Os Dez Mandamentos, Cleópatra, Moisés, etc. As condições atmosféricas são tão propícias à beleza fotográfica que aconteceu o inimaginável, não sei como, captei um arco-íris invisível sobre um regato dum vale entre colinas ao pôr-do-sol. Ninguém o via a olho nu (ver foto). Se Heródoto tivesse ido a Ouarzazate não teria dito concerteza que o céu de Bodrum era o melhor do mundo. Ouarzazate é o palco da beleza fotográfica, sem grande fama; esta advém-lhe isso sim por poucos sabedores das auroras e dos crepúsculos deslumbrantes cuja limpidez atmosférica é supernatural. Nesta etapa quase final e perigosa, aconteceu-nos um senão, apenas: rebentou-nos um pneu, e os outros três ficaram seriamente danificados, tendo de ser substituídos todos em Portugal. Pelo interior vale a pena comprar tapetes.
Vale a pena e é imperdível seguir depois pelas cordilheiras do Alto Atlas, até Marraqueche, antiga capital. Aqui chegados, estamos no coração do País da magia, no meio das encantadoras lendas de Ali-Babá e de Aladino, no feitiço da praça de Jama Afnar, que aparece com o fim do dia, e com o Sol desaparece. É efectivamente a auréola da magia que domina esta praça de Marraqueche, uma lamparina de Aladino vespertinamente presente, de dia desoladamente vazia, de noite repleta duma vida do tamanho do Universo, que extravasa o seu próprio enorme recinto, recheado de domadores de serpentes, camelos, endireitas, faquires, pregadores, vendedores de banha da cobra, vendedores de frutas, comidas e bebidas, dançarinos, acrobatas, adivinhos, dentistas promíscuos por atacado. É mesmo uma noite das mil e uma, emergindo dos contos de Xerazade num tapete voador. É inesquecível e vale a pena parar aqui por mais que um dia, visitar o Palácio da Bahia, as florestas de palmeiras, lagos e muralhas circundantes.
É imperdível ir seguidamente a Fez e visitar monumentos, dormir na montanha em Chechaouen.
Programar tudo isto para dez dias e acabar por ficar dezassete, não é nada que nunca tivesse acontecido. Aconteceu realmente connosco, dois casais que nunca foram incomodados no percurso, nem hostilizados, nem roubados. Antes pelo contrário sempre foram auxiliados pela gente que os hospedou, connosco se relacionou e conversou. A Polícia prestou sempre uma ajuda duma prontidão extraordinária, duma simpática inexcedível, quando foi necessário recorrer aos seus serviços.
Daniel Cristal