Porto não é mais só das Galinhas

A boa e velha Jaboatão dos Guararapes de minha infância! Após tanto tempo longe de minha terra natal havia retornado em viagem de férias e curtia a tranqüila praia de Piedade (tranqüila em dias de semana fora da alta temporada, diga-se de passagem). Jaboatão é um município vizinho a Recife e suas cidades são interligadas em uma mesma metrópole, ou seja, é parte da região metropolitana do Recife, ou do "Grande Recife".

Passei alguns dias indo à mesma praia, conversando com os mesmos "barraqueiros", e desfrutando do mesmo guarda-sol (lá o guarda-sol, diferentemente das praias paulistas, é oferecido pelos donos das barracas, o que possibilita-nos a ir de mãos abanando), até que enjoei. Minhas férias estavam muito calmas, e pensei em revisitar lugares que não ia há muito tempo. A primeira opção a escolher foi, sem pestanejar, a praia de Porto de Galinhas que apaixonara-me quando jovem. Lugar rústico, com pouca infra-estrutura e que guardava aquele ar dos tempos em que embarcações escravistas aportavam em suas serenas águas para, clandestinamente e na surdina, traficar mão de obra humana. Tinha algo de místico. Imaginava quantos escravos não haviam sido mortos naquelas areias e em seus arredores, tentando escapar de uma vida enclausurada. Vislumbrei durante toda minha vida histórias como essa a partir das explicações de meu pai sobre o nome daquela praia. Simplesmente fascinante.

Resolvida a aventurar-me, busquei informações com amigos de como chegar, hoje em dia, até lá. Estranhei a facilidade com que acharia transporte para meu destino. Havia um ônibus que partia do centro e seguia direto. O que eu não imaginava é que o povo da cidade tivesse criado tanta admiração por Porto de Galinhas. Foi aí que comecei a desconfiar, já dentro do referido veículo, em pé e disputando espaço com crianças, idosos, sacolas de frutas locais (que deixavam um cheiro doce embriagante no ar) e apetrechos, fazendo esforço para manter-me levantada e deixar minha mochila abaixo da linha dos meus olhos ao mesmo tempo, que o local havia perdido "um pouquinho" de sua característica de "paraíso natural". Mas, já estava lá e como descer em meio ao canavial não pareceu-me boa idéia, continuei.

A hora da descida de um ônibus lotado sempre é muito divertida porque as senhoras, que por si só já ganhariam vez para descer na frente de todos, socam-nos suas crianças que, de olhos arregalados e dedo na boca, encaram a multidão de frente, como um bom escudo humano tem de fazer. Fui jogada porta afora sem nem saber se estava em meu destino final. Andei um pouco seguindo a "manada" (lei de sobrevivência na selva). Era tudo tão estranho, cheio de casarões e comércio, imaginei estar errada. Foi então que tive leve impressão de estar no lugar certo ao avistar, na orla da praia, gigantes galinhas feitas com partes de coqueiros. Ah, agora sim poderia desfrutar de tranqüilidade, de paisagens belas e águas límpidas! "Mas, espera ai! E aonde teria ido aquele mundo de gente?" Crianças correndo, homens besuntados de areia, mulheres com chapéus enormes falando alto ao celular. Sentei na beira da praia e pus-me a pensar. Bateu-me uma tristeza de repente que só foi contornada, ao avistar, ao longe, uma parte da praia mais deserta. Caminhei até ela e foi então que minha tristeza transformou-se em revolta: estava deserta porque a orla era tomada por resorts e hotéis caríssimos e na areia apenas barracas não menos caras e turistas avermelhados. Não tive muita paciência quando vi um casal, moreno e de vestes simples, passar e ser ignorado e, ao aproximar-me, com certeza pelo fato de estar tão rosa como aqueles turistas, ter sido-me oferecida uma cadeira confortável. Houve até uma certa comicidade na situação: por não ter lhe respondido, o rapaz que ofereceu-me a cadeira passou a arranhar um inglês muito fraco para tentar agradar-me. Parou quando, cheia de sotaque, que ressuscitei de minha juventude, falei-lhe que preferia a outra parte da praia pois era menos suja.

Na volta para a casa, no mesmo ônibus e no mesmo caminho da ida, estava tão cansada para fazer julgamentos sobre os desconfortos da viagem, que acabei percebendo quantas paisagens belas havia deixado passar. Percebi, também, após uma pequena reflexão, que no fundo, tinha sido um avanço a democratização do local, pois uma praia tão bela como a de Porto de Galinhas não podia ficar reservada somente aos turistas com dinheiro, era por direito, do povo pernambucano.

Ágata Pont

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