Hoje fui à praia, onde o sol recebeu-me com um afago de seda que há muito não sentia sobre a minha pele.
        A viagem até lá foi bem curta: apenas um fechar de olhos, e lá estava eu, outra vez galopando o calçadão.
        Caminhei para desintoxicar-me da  angústia que — mesmo sem direitos adquiridos ou licença de funcionamento — teimava em abrir suas portas num domingo dedicado a não pensar em nada mais do que em nada mais pensar.
        Acho que foi quase chegando ao Leme, pisando a sombra que o Meridien projetava sobre as pedras portuguesas, quando finalmente consegui desembaraçar-me do incômodo que me pesava na consciência.
        Daí em diante a caminhada foi fácil, fluída, aliviada, enchendo meus pulmões de alegria a cada passo, fazendo-me até esquecer da razão que dera vida à falecida angústia.
        Desacostumado a tanto sol, logo achei que já era tempo de voltar. E assim o fiz.
        Fechei a porta à fantasia, e abrindo os olhos, voltei ao inverno sueco, do qual sou inquilino, e sem demora sentei-me frente ao computador para registrar na memória eletrônica que cheguei à conclusão de que a lição tantas vezes aprendida não oferece nenhuma garantia, pois ainda que conhecendo os gestos e argumentos que devemos esboçar para proteger-nos, não os usaremos quando se fizerem necessários, pois a nossa malsã necessidade de sofrer iguala em tamanho e urgência ao nosso imperativo de derrotar a esse mesmo sofrimento.
        Satisfeito, desliguei o aparelho cibernético com uma sensação de dever cumprido, e fui visitar o meu jardim, onde a neve há muito me esperava. 

Bruno Kampel
 

 

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