Sempre me
pergunto porque não viajo mais para Caruaru.
Quero dizer,
viajar mais, ir mais.
Caruaru anda
linda ultimamente.
Lá estive
dando batendo uns papos sobre câncer de mama ( se não me falhe
a memória e o espírito não me corrija) com um grupo
de médicos que teimavam em ficar sentados no auditório me
ouvindo.
Levei slides
montados a partir de figuras scaneadas, falei bonito, usei até gravata.
Abraçado
e afagado depois do arrojo, segui com colegas da cidade para o velho almoço
que sempre me oferecem quando faço essas estrepolias.
— Hoje você
vai comer no Taubão!
— Taubão?
— indaguei meio sem jeito — não seria Taboão?
— Que taboão
que nada, Dr... É Taubão!
— ... é
um restaurante tipo rodízio... a maior maminha que você pode
imaginar...
— Mas
eu vos digo, meus amigos: não existe taubão ou Tauba que
me desmoralize! Que venha a maminha que eu devoro ela todinha!!!
E seguimos abraçados
pelas ruas pois, em Caruaru, ainda podemos seguir pelas ruas abraçados
com os amigos. Caruaru é uma festa (dizem que Hemingway lembrou-se
de sua passagem por Caruaru, quando estava em Paris e escreveu o livro!).
O velho padrão
de cidade do interior, prefeitura-igreja-delegacia-avenida principal- cemitério
(um dos pontos altos do turismo local, logo à direita — ou será
à esquerda? — se encontra o túmulo do capitão Ludugero,
bicho bom!) estava bem disfarçado em cidade grande.
Avenidas largas
e limpinhas, avenidas inteiras de clínicas particulares, dois hospitais
de grande porte , sofisticados, as casas mais sofisticadas — dignas de
qualquer página daquelas revistas de arquitetura — a prefeitura
, trocentos obeliscos
espalhados em praças, a saída para o Brejo da Madre Deus
(deve ser da Madre de Deus) que desemboca em Nova
Jerusalém... coisa de cinema!
Bem, caminhamos
até a entrada do tal Taubão.
Lá chegando
eu, com meus confrates, homem de cidade grande que eu era, fui logo dizendo
ao garçon para trazer um Taubão de maminha para mim.
Os meus amigos ficaram rindo à beça da minha cara e eu
não entendia porque, grande destruidor de rodízios que eu
era!
Chegado o dito
cujo fui logo me espantando! O tal Taubão era um taubão mesmo!
Um taubão
de madeira do tamanho do casco de uma tartaruga marinha! Das grandes.
A maminha tripudiava,
sobrando pelos bordos.
Engoli em seco
e comecei a devassa, sem perder a pose mas já perdendo a esperança.
Cheguei a dez
por cento da maminha, pedindo pelo amor de Deus que me fizessem companhia.
Nada. Tive que dar o braço a torcer e pagar a conta, que era o combinado
se acaso eu falhasse.
Depois de alguns
meses eu soube que o Taubão fechou. Foi à falência
pois os Caruaruenses detonavam demais à mesa!
O monte do Pascoal
a tudo perscrutava. É um monte imponente, de pedra que de qualquer
local da cidade se avista. Parece um galo na cuca, embora gracioso e onipresente.
Na noite, quando se ilumina, parece uma árvore de natal gigantesca
brotando do agreste.
Fizemos, mais
uma vez, o velho tour aos pontos marcantes.
Passamos pela
Radio difusora — marco da radiofonia pernambucana e, quiçá,
brasileira , circundamos o estádio do Central Esporte Clube e procuramos
um bar qualquer para tomarmos um refrigerante.
Lá chegando
avistamos dois repentistas que começavam os trabalhos.
Suas rimas improvisadas
eram graciosas. Cada um que lançasse um desafio mais intrincado
para que, o outro, respondesse no mesmo mote.
Ambos eram espertos.
Ambos eram muito bons.
Um era mais
moço.
E seguiram assim,
mote de lá, mote de cá, de vez em quando um dos dois mudava
o mote. E os motes foram ficando mais intrincados e difíceis.
O mais moço,
afoito, começou a lançar motes pesados, mexendo com — digamos
— a fidelidade da companheira do outro, com a hipotética dignidade
do seu pai e da sua mãe, etc. e tal....
O mais velho
ia respondendo com um tirocínio formidável e, cada vez mais,
deixando o mais moço encurralado no seu
próprio mote.
Dentro em pouco
o mais moço largou a viola de lado e partiu para cima do mais velho
e ambos se atracaram no meio do salão para o espanto de alguns —
como eu — e para o deleite da maioria.
— Não
se preocupe não, Doutor — disse-me um colega de lá — eles
fazem isso toda a semana, nesse mesmo dia, nesse mesmo bar...
Quando anoiteceu
voltamos para a sociedade de medicina local, onde estávamos fazendo
umas palestras, para o fechamento do seminário sobre o tal de câncer
da mama.
Na programação,
a presença do prefeito, do representante do governador e a ilustríssima
figura de Ariano Suassuna, que ali estaria, encerrando o plenário
com uma das suas aulas espetáculo.
Ariano brilhou
intensamente nessa noite.
Dele, a seguinte
observação (ou mais ou menos essa):
— Eu não
quero morrer não! Morrer é uma coisa muito feia! Eu sei que
sou um homem de setenta anos, mas eu juro que não quero morrer.
A vida é uma coisa muito boa!
Enquanto todos
desatavam num riso amistoso, Ariano arremata:
— É por
isso que eu escrevo.
Vito Cesar
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