Fractais de Névi Iorqui
 
          Minha filha estava surpresa.
          — Mãe, olha, parece que estamos num filme...
          — Parece, não, estamos. Lexington com a 51, o guia falou que a cena do vestido levantando da Marilyn Monroe no “Pecado Mora ao Lado” foi filmada  aqui nesta subidinha do metrô...
          — Também, a ventilação quente que sobe dos bueiros é capaz de levantar até calça jeans...
          — Ah, Ana, também não é tanto assim ...
          — E onde será que foi filmado a Dama de Vermelho? A que faz sátira da cena da Marilyn...
          — Sei lá, vai ver que foi nos estúdios da Disney.
          — Ah, mãe, não esculhamba, o filme é bom. Mas olha, o cenário de  Esqueceram de Mim 2. Só falta a árvore de Natal.
          — É.. é aqui nesta praça mesmo, como chama? Onde tem o Waldorf Astoria?
          — Que Waldorf Astoria que nada, Angela — este é o hotel  Plaza. O Astoria é perto da 51 onde o Kennedy conheceu a  Marilyn depois das filmagens. Foram amantes.
          — Ahhhh....
          Minha mãe sempre foi muito entendida em presidentes.
          — Quem ficava no Astoria era o Collor.
          — Com a bruxinha de Canapi — atalhou minha cunhada, que sempre foi muito crítica quanto a aparência alheia.
          — Mas para  onde nós estamos indo agora?
          — Ora, ao Moma, ver a exposição do Picasso.
         — Uai, pensei que nós estivéssemos indo para aquela loja do Cosmetic Plus comprar maquiagem...
           — E eu achei que estávamos indo ao Central Park
          Na verdade nenhuma de nós sabia onde estávamos, muito menos para onde íamos.
          — Ah, sei lá, vamos naquela direção.
          — É a Fifth avenue ?
          — Tenho a impressão que se andarmos sempre em frente vamos dar no Hyde park.
          — Só depois de atravessar o Atlântico a nado. O Hyde Park fica em Londres, vó .
          — Sabe Angela, eu peguei uns endereços bons com o pessoal do ônibus do sight seeing. Calça Levis a 28 dólares, bolsas Fendi a 31, relógios rolex a 120.
          — Deve ser naquele camelô ali. Vamos dar uma olhada?
          — Olha, que barato, Íris, dá pra comprar presente pra todo mundo. E é tudo importado!!
          Minha filha nunca foi uma grande consumista.
          — Ah, mãe, deixa disso, você não queria ver o Picasso no Moma?
          — Será que é longe ?
          — Pergunta, ora.
          — Não. Vou olhar no guia.
          — Péra um pouco, nós estamos no west ou east ?
          — ????
          — Norte ou sul ?
          — Trouxe a bússola que você comprou no Museu de História  Natural, Ana ?
          — Ah, deixa prá lá, dá uma olhada na placa da rua.
          — Broadway !!!!
          — Broadway, que demais ! Os shows, os teatros, os cabarés!
          — Cabaré é em Paris, Ana ...
          — Ah, dá no mesmo. Todas as lojas tem filiais em Paris, Londres e New York...
          — Realmente...
          — Olha lá a Virgin por exemplo, tem em tudo quanto é primeiro mundo. Vamos ver se tem o CD do Frank Sinatra?
          — É mesmo: não posso deixar de comprar aquela música que toca em todo final de festa de casamento: Névi iorque, névi iorqui...
          — Essa conversa está me parecendo mais a teoria dos fractais.
          — Fractais???
          — É. É uma coisa que até hoje eu não entendi, uma lógica dos acasos, a fragmentação de formas difusas, como os cristais de neve ...
          — Névi iorqui!?
          — Não, neve mesmo, de gelo. Cada gelinho tem uma forma diferente da outra, que nunca se repete e interagem uns com os outros numa estrutura lógica meio absurda.
          — Já ouvi falar nisso, mãe,  no site da Superinteressante na Internet. Tem uma frase típica da teoria dos fractais: “Pode o bater de asas de uma borboleta em Nova Iorque provocar um terremoto em Tóquio?"
          —  Borboleta, aonde ?
          — Pousada aqui nesta vitrine. Voou...
          — Agora é só confirmar pela CBS qual foi a escala do terremoto no Japão.
          — Se você tiver tempo de ligar a TV porque hoje a noite nós vamos assistir a um musical ...
          — Legal.
          — E é lá naquele teatro ali a direita, em frente ao Marriot.
          — Ôba, o Vampiro da Ópera !!!!
          — Não, mãe, é o Fantasma da Ópera. Ghost é fantasma, você não lembra do filme da Demi    Moore e Woopi Goldberg ?
          — Ai, que pena, adoro vampiros...
          — Mas é melhor do que assistir a CNN... não é ?
          — Falando em noite, que horas são?
          — Sete horas.
          — Sete horas!!!!! A peça começa às oito. E a gente ainda tem que se trocar!!!
          — Corre. Vamos pegar um táxi para o hotel.
          — Olha, aquele tá livre.
          — Idiota. Não parou.
          — Olha o outro...
          — Droga, a mulherzinha de véu preto pegou na frente.
          — Mas que coisa difícil é tomar táxi em Nova York.
          — Eu já desconfiava... Lembra Íris aquele filme em que o mocinho conhece a mocinha brigando pelo mesmo táxi ?
          — Sei, depois eles racham a corrida e acabam dividindo o apartamento e ...
          — Entra logo, filha, senão o motorista vai embora sem você.  Nova iorquino é tão neurótico quanto paulista.
          Entro na frente, e ainda ouço a Íris reclamando consigo mesma no banco traseiro.
          — Pena que o mocinho não apareceu. Névi Iork é só uma ilusão...
          Não consegui resistir a sensatez ácida da maturidade.
          — Também, o que você queria? Que o motorista de taxi fosse o Richard Gere?
          — Não dona, o Richard Gere mora em Tribecca, eu sou o Alípio, de Valadares, vocês tão indo prá onde, pessoar?
julho/1996
 

 

« Voltar