Parece até
mal, mas foi desta vez que conheci Monsaraz.
Fica no cume
de um monte. Como Óbidos, é uma cidadezinha, toda ela dentro
de uma muralha acastelada. Tudo é xisto: o piso das ruas, as muralhas,
as casas, até a igreja. Mas uma boa parte das paredes está
alisada e caiada, de modo que tão depressa revemos Piódão,
como nos lembra Óbidos. Muitos dos edifícios são tão
medievais que impressionam. Levemente inclinada,
tem umas ladeirinhas fáceis. É tão linda, esta terra,
que eu — que estou habituada a visões destas — fiquei boquiaberta.
Estava um calor
insuportável, não subi às muralhas, nem à torre
de menagem. Mas, mesmo assim vista só por entre as frestas das casas,
a paisagem é longa e magnífica.
Entrei na igreja
e no Museu de Arte Sacra. Um museu pequenino, com uma colecção
pouco interessante, nem eu esperava mais. Mas lá dentro procurava
outra coisa. Numa das paredes daquele edifício que foi sala de audiências
do juiz na Idade Média, há um fresco célebre. Representa
dois juizes, ambos sentados, lado a lado, nas suas cadeiras nobres. Um
deles é sobrevoado por anjos, o outro por um talvez diabo. Este
segundo tem dois perfis, duas caras. Uma delas, olha para o queixoso com
aparente atenção. A outra vira-se para o réu que segura
com uma das mãos, meio escondida, uma perdiz, um presente, o suborno.
É toda uma acusação, uma advertência, uma lição,
aquele fresco medieval. E serve ainda hoje, serve para todos os tempos.
O progresso trouxe outras coisas, mas não melhorou o homem.
No caminho de regresso parei numa terra onde, porta sim, porta não, há oleiros. Fazem a típica louça alentejana, a verdadeira, com deliciosos desenhos ingénuos e coloridos. Hei-de lá voltar com mais dinheiro — que ali nem sequer é cara — para comprar uma colecção de pratos e com ela cobrir parte de uma das paredes da minha futura casa.
O Alentejo, que há pouco era uma sinfonia de verdes, está agora maduro e castanho. De uma infinidade de tons, também, desde um loiro quente até ao quase vermelho da terra em alguns sítios lavrada. De vez em quando há uma barragem. E então, nesses lugares onde a água é possível, tem-se o choque de enormes rectângulos verde-vivo - verde-vida! - cosidos como remendos na paisagem torrada de sol.
Eu e a Maria
tomávamos as refeições juntas e, sempre que ela podia,
saíamos para tomar bicas, passeávamos na avenida ao lado
da praia, escapávamo-nos às vezes para um sorvete quase obscenamente
delicioso, num self-service em que cada uma de nós enchia a seu
gosto, com gelados, cremes, frutas, xaropes e sei lá que mais, a
enorme taça que nos era dada no início da fila de vitrines.
Numa das tardes
fomos visitar Cacela-a-Velha, uma povoação minúscula
de pescadores que — por não ter acesso directo ao mar, com a Ria
Formosa a separá-la da praia e das ondas — escapou à construção
de casas modernas. Um encanto.
Vimos também
um aldeamento moderno. Um longo jardim todo relvado, em que casinhas se
escondem atrás de arbustos floridos, cada uma delas para alugar,
todas servidas por piscina, campos de ténis e outros serviços
comuns. A praia fica distante, para lá da Ria Formosa que ali já
é larguinha e que é seguida por uma península quase
ilha, no extremo da qual está então o areal e o mar. Vai-se
e volta-se num comboiozinho de brincar. E lá fomos ambas, tomar
uma água à beira-mar.
Fiquei com vontade
de lá voltar. Não em Julho, ou em Agosto, época em
que há gente a mais. Mas numa altura como agora. Talvez em Setembro,
ou Outubro.
Quem sabe se
vos levo comigo de novo..