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"Numa época floresceu nesta região a cidade de Lacóbriga, mantendo-se até ao século Xll da nossa era e a qual se atribui ser a antecessora da actual Lagos. Perde-se na noite dos tempos em que a lenda se confundiu com a história, a origem de Lacóbriga, e os fundamentos do seu nome. Parece certo Ter havido duas, edificadas em sítios diferentes,uma primitiva que um terramoto destruiu antes do século lV antes de Cristo, sem deixar vestígios apreciáveis; eoutra, que tem história, e cuja fundação se atribui a Bohodes, capitão ou governador cartaginês, que fez parte das forças militares de Cartago, que ocuparam o sul da Península Ibérica, no século lV antes de Cristo, esta Lacóbriga vem a ser uma portentosa cidade romana, ou no mesmo local em que hoje se eleva na cidade de Lagos, ou do outro lado da ria de Lagos, no monte Molião. As explorações arqueológicas ainda não determinaram com segurança o seu local. Num manuscrito do século XVlll, "Antiguidades de Lagos e suas Igrejas", de autor desconhecido, existente no Museu Regional de Lagos, diz-se que a Lacóbriga, de Bohodes foi edificada em sítio distante da primeira quase meia légua para a parte dos meio dia, que é a hoje se conserva, "no ano 357 antes da vinda de Cristo ou 347, se é mais verdadeira a conta que levam muitos historiadores".
Quanto à primitiva Lacóbriga, lê-se num manuscrito de 1577, "Corografia do Reino do Algarve", de Frei João de São José: "Escrevem que depois de Hespanha povoada houve nela um rey q. foi o quarto dos prymeiros que nela reinavam, chamado Brigo ... o qual edificou muitas cidades, a que por remate dos seus nomes omesmo que ele tinha, antecipando-lhe algumas syllabas ou dicções com que se differençasse huas das outras ... como é esta lacobriga de que falamos".
O citado manuscrito do século XVlll completa, dizendo: "Foy Lagos povoação antiga teve por seu autor para a glória da sua nobreza a El Rey Brigo, 4º rey da Espanha "no ano de 400 depois do dilúvio universal ... 1600 anos antes da vinda de Jesus Cristo nosso Redentor e 2056 annos depois de creado o Universo, edificou esta povoação em um sítio q hoje se chama o Paul; e para mais a enobrecer lhe pôs por remate o nome que ele tinha, ficando desde então chamando-se Lacobriga ou Lago de Brigo""
Estas fantasias não foram abonadas nem por Leite de Vasconcelos nem por Cristóvão Aires, que vêem na terminação briga uma palavra de origem celta que quer dizer – Altura fortificada, correspondendo ao Castro romano.
Não são menos concordes, quantos se ocupam de Lacóbriga, sobre radial Lago.
Querem alguns que provém "das muytas agoas ou lagos junto de quem foy edificada" e Frei Vicente Salgado acrescenta "que Florião del campo nos instrue que as famílias dos Laccooos habitadores daquela povoação dariam motivo a ser assim apelidada a Lacobriga".
Paulo Rocha chamou-lhes lacões, mas este autor merece pouca confiança na fidelidade das suas transcrições, pois que até erra lápides ainda existentes.
São tudo hipóteses e fantasias, mas o que parece certo é ter havido duas Lacóbrigas, uma primitiva no Paul, destruída por um terramoto, e outra onde hoje está Lagos, no monte Molião, que parece ter existido até 666 antes de Cristo, pelo menos". (Dr. José Dias Pinho - 1957).
Apontamento do ano de 1900 tirado do Jornal do Comércio:
"Lagos é cidade e cabeça de concelho do distrito de Faro. Tem 8.268 habitantes e fica situada à beira da magnífica baía do mesmo nome, onde, em 1898 se reunirão em manobras 125 vasos de guerra ingleses. Importantes pescarias e fábricas de conservas de peixe. Muitos vestígios romanos nos arredores. O concelho tem 5 freguesias e 13.981 habitantes".
A cidade actual situa-se no mesmo local da antiga Lacóbriga que floresceu no século lll antes de Cristo, tendo desaparecido depois do século Vll, na altura que os árabes se apoderaram de toda a Hispânia. Foi conquistada aos mouros por D. Afonso lll em 1249 ou 1250 e integrada no território português. Desde o reinado de D. Afonso V e até ao terramoto de 1775, Lagos foi sede do Governo das Armas do Algarve. D. Manuel l outorgou-lhe foral em 1504 e D. João lll concedeu-lhe o título de notável.
Lagos alcançou grande importância no época dos Descobrimentos e foi daqui que D. Sebastião partiu para a fatal expedição a Alcácer Quibir. D. Sebastião foi rei aos 3 anos, por morte de seu avô D. João lll, a "bem-nascida segurança lusitana antiga liberdade", ardentemente desejado após a morte de seu pai e de todos os seus tios, veio a revelar-se uma desilusão tão forte como inesperada, marcando pela sua ausência Portugal que com o seu reinado não soubera ilustrar.
Orfão de pai ainda antes do seu nascimento, abandonado pela mãe com poucos meses, foi D. Sebastião entregue aos cuidados de sua avó Catarina e de um aio de idade avançada, D. Aleixo de Meneses, antigo combatente em África e na Índia. Tais condições, aliadas a uma saúde precária, criaram no espírito do jovem a obsessão da guerra e o zelo religioso. Dedicava-se quase exclusivamente a exercícios violentos e a sua corte "mais parecia escola de religiosos".
Oscilando entre momentos de abulia e períodos de exaltação e fervor, cedo se convenceu do apodo que Camões lhe dera, "maravilha fatal da nossa idade", e decidiu "sujeitar a si a Barberia, arrasar os muros de Constantinopla, fazer-se senhor do califado do Egipto, trazer à sua soberania a veneranda Palestina".
Teria sido a devoção ao seu santo patrono (São Sebastião) que aproximou tanto de Lagos este príncipe que tão pouco conhecia Portugal ? Ou a gesta do Infante e dos seus descobridores terá atrído aquele que se considerava "jugo e vitupério do torpe ismaelita" e que acalentava em si a "certíssima esperança de aumento da pequena cristandade?".
Seja qual for a razão, o certo é que no ano de 1573, D. Sebastião elevava Lagos à categoria de cidade e pouco tempo depois declarava-a capital do Algarve.
Foi Lagos ainda que D. Sebastião escolheu como etapa derradeira em terras portuguesas antes da grande cruzada que empreendeu ao norte de África, aparentemente para conquistar a poderosa Larache. Nos areais da praia de São Roque, hoje Meia Praia, o grande mas sobretudo rico e heterogéneo exército português ouviu solene missa imprecadora de exitos para as armas dos cristãos. (Os paramentos utilizados nessa cerimónia religiosa são hoje ciosamente guardados no Museu de Lagos).
Ancorados na baía, os cerca de 800 barcos ostentavam suas flâmulas e bandeiras, e de uma das janelas do Palácio dos Governadores, cingindo da espada e escudo do 1º rei de Portugal, D. Afonso Henriques, o jovem rei impregnava-se da unção espiritual que o havia de conduzir ao desastre final.
A razão oficial invocada pelos portugueses para esta expedição a África, foi o apoio que se decidira dar ao sultão Mulei Mohamede Almotanaquil, destronado por seu tio.
Tendo partido de Lagos e depois de breves paragens em Cádis e Tânger, o exército desembarcou em Arzila e iniciou a marcha até Alcácer Quibir, de onde organizaria o ataque por terra a Larache. Mas o inimigo, Mulei Almélique, acampara com 40 mil homens, junto ao rio Luco, a 6 Km de Alcácer. Tomado de surpresa, o rei ordenou que os soldados, cansados, mal alimntados, esgotados pelo calor de Agosto, se dispusessem em ordem de batalha. E o ataque deu-se. Os três reis intervenientes perderam a vida na batalha e o grande vencedor foi outro chefe, Mulei Ahmede, irmão de Almélique.
Com o rei perdeu Portugal a maior parte da sua nobreza e muito dinheiro despendido na preparação da luta.
Ao desaparecimento do rei seguiu-se o luto, o vazio, a espera. Portugal ficou sem "rei nem lei, nem paz nem guerra". Na confusão, na incerteza, "ninguém sabe que coisa quer, ninguém conhece que alma tem". E o velho mito do messianismo judaico, presente ainda no espírito de tantos cristãos-novos, ressurgiu na esperança do regresso de D. Sebastião, o "Encoberto" que devia de regressar numa manhã de nevoeiro.
Em géneros diferentes, o Bandarra e o padre António Vieira alimentaram esse mito. As trovas do sapateiro de Trancoso, prevendo a catástrofe como penhor da grandeza e salvação de Portugal, animaram alguns aventureiros a apresentarem-se como sendo D. Sebastião. O pregador jusuíta, profeta do V Império, visou outro alvo: transpondo de rei para rei o ideal da Restauração, soube despertar no povo uma dinâmica nacionalista que o fez definitivamente autonomizar-se de Espanha.
No princípio do século XlX e no princípio do XX, Portugal esteve em perigo, o saudosismo, o pessimismo, inspiraram Junqueiro, Nobre, Pascoais, Pessoa, e o V Império reaparece no horizonte, agora mais modulado, transformado em nacionalismo místico. Na pena de João Lúcio Azevedo, o sebastianismo, "nascido da dor, nutrindo-se da esperança, é a história o que é na poesia a saudade, uma feição inseparável da alma portuguesa. Como diz o poeta: "ser descontente é ser homem".
Se o mito inspirou poetas, não menor é a sua presença nas artes plásticas. A estátua de João Cutileiro, que hoje se pode admirar em Lagos, é um ponto de chagada de todas as linhas de força que definem o Sebastião real e o mitológico – a insegurança, a loucura, o ideal, a esperança, a imprudência, a desmesura.
Pouco se sabe acerca de Lagos do período romano, mas a povoação árabe que D. Sancho l conquistou e que Paio Pires Correia integrou definitivamente no território português, era já por certo um núcleo urbano importante que D. Afonso lV mandou cercar com poderosas muralhas.
De Lagos partiu a grande armada para a conquista de Ceuta. É
provável que desse facto tenha derivado a sua fortuna.
D. Henrique, o "Navegador", membro da expedição, terá
notado o interesse de instalar na abrigada baía o ponto de irradiação
dos seus navegadores aventureiros.
Instalando-se em Lagos, no Palácio dos Governadores, de que restam hoje as muralhas, muito restauradas, e algumas dependências menores, o Infante atraiu ali não só uma corte de cavaleiros como em importante número de pessoas cujos negócios se ligavam directamente às navegações.
Capital do governo militar e, durante algum tempo, também do governo civil do Algarve, viu Lagos crescer a sua aura até 1755, ano em que foi fortemente danificada pelo sismo do 1º de Novembro. A ele se deve a ausência quase total de monumentos de relevo e, sobretudo, um certo adormecimento em que a cidade caiu durante mais de 100 anos. Foi a vaga de turismo surgida nos anos 70 que recolou Lagos entre os lugares altos do Algarve.
Dos tempos anteriores ao terramoto podem hoje ainda admirar-se restos da grande muralha do secúlo XVl, com oito portas e catorze baluartes, a maior parte dos quais desaparecidos, e ainda alguns arcos do aqueduto que alimentava a cidade. Além destes, há alguns elementos dispersos que podem chamar a atenção. A Igreja de São Sebastião, por exemplo, oferece uma curiosidade: a sua orientação inicial teria sido a sul e desse tempo resta o portal lateral; a grande igreja actual é posterior ao terramoto, alterou a sua orientação e aproveitou elementos do antigo templo. Os Conventos de Nossa Senhora do Carmo (das freiras) e de Nossa Senhora da Glória (dos frades capuchos) são ruínas com um ou outro pormenor de interesse.
Lagos é ponto de partida para dois passeios obrigatórios, ambos a pé. Um deles, pela Meia Praia, longa extensão de areia que se segue à baía, cortada pelo forte que o conde de Lippe mandou edificar e que estará na origem do nome "condelipa" que aqui se dá às conquilhas. O outro paseio é pelos rochedos, desde a praia da Batata até à ponta da Piedade.
E, uma nota local bem pitoresca: parece que em tempos idos, em dia de Maio, um cavaleiro ardiloso terá fugido com o ouro das damas lacobrigenses (nome dado aos naturais de Lagos). Enganados, envergonhados, os habitantes da cidade baniram do seu vocabulário o nome do 5º mês do ano. Por isso, depois de Abril ... é o mês que há-de vir !...
Seja tarde ou manhã, maré cheia ou vazia ou meia maré, um passeio de barco à ponta da Piedade, é um motivo de encantamento, uma recordação para a vida.
Os que não dispõem de meios próprios poderão alugar um bote na praia de D. Ana ou na própria Piedade. A viagem, de cerca de uma hora, é feita ao longo de pequenas praias mais ou menos desertas, através de túneis e furnas de inigualáveis efeitos de luz ou à volta de rochedos de formas caprichosas.
O Gigante da Baía, o Ferro de Engomar, a Boneca, o Arco do Triunfo, a Balança Décimal, são alguns dos rochedos de maior nomeada. A Sala, o Sapato, a Cozinha, as Belas-Artes e a Catedral, são talvez as furnas mais conhecidas. Através de todas estas maravilhas, o condutor do barco passeia-nos, também ele maravilhado e pronto a contar aqui uma história, a chamar além a atenção para uma semelhança que, de facto, só ele vê, a fazer por toda a parte comentários estéticos, morais, quando não políticos, em que tudo surge como elemento de um grande conjunto que a todos diz respeito.
MURALHAS:
Das primitivas muralhas, erguidas no tempo de D. Afonso lV, nada resta.
Porém, subsistem numerosos vestígios das que D. Manuel l mandou edificar.
Eram constituídas por quatro baluartes virados para o mar, com os nomes que persistem na toponímia actual — Porta de Portugal, Porta Nova, Porta Barroca, e Trem do Quartel — , e outros virados para terra – Porta da Vila, Coronheiro, Gafaria, Freiras, Porta dos Quartos, Paiol, Jogo da Bola e Porta do Postigo.
Destes baluartes ainda se conservam alguns, embora em estado precário. Num desses panos de muralha rasga-se uma janela manuelina, donde, segundo a tradição, D. Sebastião teria assistido à Missa campal, antes da partida para Alcácer Quibir.
Estas muralhas e baluartes foram concluídos no tempo de D. João lll. Sofreram muitos estragos com o terramoto de 1 de Novembro de 1755, que foram imediatamente reparados.
Posteriormente, as portas foram sendo alargadas ou demolidas, o mesmo
sucedendo a vários troços da cercadura.