ILUSÕES VIRTUAIS
Vi seu endereço numa lista de um site cultural.
Aproveito para lhe convidar a visitar: www.ppoesiass.com.br - Abraços
poéticos, Renato.
Angelamaria: Obrigado por fazer contato. Visitei
o site recomendado por você. Adorei a sua poesia. É
forte e direta. Eu adoro poesia. Eu também escrevo e tenho até
dois livros publicados. Se puder mande mais. Abraços também
poéticos, Angelamaria.
Renato: Obrigado por ter visitado o site. Foi
uma homenagem bonita que fizeram para mim, não foi? Fico feliz
por você ter gostado da minha poesia. Abaixo mais uma que fala
de um rouxinol. Abraços, Renato.
Angelamaria: Achei linda a poesia do rouxinol. Engraçado
que também escrevi uma sobre um rouxinol. Foi uma coisa incrível.
Um dia estava atrasada e quase pronta pra sair, quando no espelho
da sala da minha casa apareceu um rouxinol bem serelepe sobre a minha
cabeça. Todas as janelas estavam fechadas e as portas também.
Não sei como ele entrou na sala. O bendito do rouxinol ficou
pousando sobre a minha cabeça parecendo o Divino Espírito
Santo: uma coisa sobrenatural mesmo!!! Esqueci do atraso, corri para o
lápis (sempre escrevo com lápis, porque qualquer coisa eu
posso apagar :):):)...) e pro papel e escrevi o poema todo de uma vez.
Foi lindo e acho que é uma das mais belas poesias que já
escrevi. Se quiser eu mando para você. Não suma e um grande
abraço, Angelamaria.
Renato: Mande o poema se quiser. Hoje estou com
pressa pois tenho muitas E-mail para responder e estou tentando terminar
um projeto de mais um livro de poesias. Até outra hora. Renato.
Angelamaria: Também ando sem tempo. Estou
também acabando de escrever mais um livro e depois vou tentar publicar.
A minha editora não está fazendo nada por mim, por isso vou
tentar descobrir alguém que acredite no meu trabalho e o publique.
A gente tem que suar. Imagine que já publiquei dois livros, sou
professora e membro da Academia de Letras da minha cidade. Ocupo
a única cadeira da academia que fundei e mesmo assim as editoras
não investem em mim. Um dia eu chego lá e alguém vai
me dar valor. Em tempo: abaixo a poesia do estranho rouxinol sobrevoando
a minha cabeça. Beijos. Angelamaria.
Renato: Tive um problema no meu computador e não
consegui ler e imprimir sua poesia. Se puder mande de novo. Abraços,
Renato.
Angelamaria: Mando a poesia assim que tiver tempo. Estou
num stress danado. Tenho que viajar para São Paulo para fazer um
pós-graduação de três dias (acabei Filosofia
e Letras no ano passado) e de Sampa vou direto para Londres para fazer
inglês em um mês. Beijão.
Angelamaria: Mais uma mensagem hoje. Estou lhe mandando
de novo a poesia do rouxinol. Escute: depois do dia 15 mande os E-mail
para rouxxinol@uol.com. Este é o meu endereço que posso checar
as minhas mensagens enquanto estiver viajando. Estou puta da vida com esse
FHC. Fui comprar os dólares para minha viagem e está tudo
caríssimo!!! Como se pode viver neste país? Eu com 23 anos
de idade ando desiludida. A gente estuda tanto para ganhar R$2,00/aula.
Pra pagar meu módulo de pós-graduação e fazer
esta viagem a Londres tive que pedir ajuda a tudo e a todos: irmãos,
tios, primos e até sair vendendo meus livros pelos bares. Um aperto.
Beijões, Angelamaria.
Renato: Você vai a Londres? Eu moro em Paris
há mais de dez anos. Quando tiver tempo vou ler sua poesia e conforme
for vou enviá-la para uma revista de língua portuguesa daqui,
conheço o pessoal da revista, quem sabe eles gostam e publicam.
Vamos ver o que pode dar... Consegui uma editora que vai publicar meu livro.
Abraços, Renato.
Angelamaria: Vou sumir por uns tempos em Sampa para
fazer o meu módulo. Não suma da minha vida. Beijões,
Angelamaria.
Angelamaria: Já estou em Londres. Estou arrasada,
ou melhor, puta mesmo da vida. Imagine que um árabe, com que me
correspondo há mais de dois anos pela net, resolveu ir do Oriente
Médio até Sampa só para me conhecer. Ele já
morou no Brasil por uns tempos e fala bem o português. Marcamos encontro
e ele me tratou como segunda classe. Me fez andar, ou melhor correr,
para baixo e para cima como se estivesse correndo de Saddam. Eu já
estava cansada, com bolhas nos pés e ele me fez correr sem destino.
Estava meio perdida e amedrontada em Sampa, que não conheço
muito bem, e ele me fazendo andar como um louca, sempre me deixando pra
trás. Me senti inferiorizada na minha própria terra e não
pude fazer nada por delicadeza. No dia seguinte nos encontramos de
novo e cheguei atrasada três minutos. Foi o bastante. Falou alto,
gritou, me apontou o dedo em público. Quase chorei. Imagine que
levei pra ele um pouco de tutu de feijão que cozinhei e congelei
com carinho e ele nem deu bola. Ele me perturbou durante dois anos querendo
saber o que era tutu de feijão e quando viu a comida sentiu
nojo e disse que não queria. Dei-lhe também um dos meus livros
com dedicatória e tudo e ele nem ligou. Disse-me que guardasse na
minha bolsa e depois pegava. Se esqueceu depois. Me senti mais baixo do
que cu de cobra. Contei isso pra uma amiga minha e ela me disse que eu
devia mandar ele tomar... Desculpe eu estar lhe contando isso. É
que não posso falar estas coisas para minha família
e tive que me desabafar. Chego aqui em Londres um frio danado e estou numa
casa longe de tudo. Sinto frio nos pés, sinto frio nas mãos
e na casa que estou só tem homens e são muitos bagunceiros
e desorganizados. Eu sou a única mulher. Mas em compensação
Londres é linda. Igualzinha como imaginava e via nos filmes. Primeiro
mundo é tão diferente!!! Até a lua é diferente.
Estava cheia ontem e fiquei umas três horas na janela extasiada.
É mais limpa, sei lá, mais prateada. Senti até vontade
de fazer uma poesia... Hoje dei uma esmola a um pobre e ele sorriu e agradeceu.
No Brasil os pobres não se comportam assim. Estou aprendendo muito
e espero levar estas experiências de volta a minha cidade. Beijões
e não suma não. Se quiser me ligar meu número é
44-1-333-5698. Preciso de um ombro amigo para chorar e você é
tão compreensivo comigo. Obrigado. Rouxinol.
Renato: Meu ombro é grande e pode chorar
à vontade. Rouxinol, quando a gente cai no mundo é assim
mesmo. Não podemos culpar somente FHC pela queda do Real. O mundo
está todo em crise financeira. Veja a Rússia, a Ásia,
o resto da América Latina... Os árabes também são
diferentes. Dão um tratamento à mulher de modo diferente
de nós latinos. Você não acha que se expôs demais?...
Vá devagar. Mas se você gosta de apanhar, que tenha bom proveito.
O mundo está aí pra dar porrada na gente. Anotei o seu número
e ligo a qualquer dessas horas.
Angelamaria: Desculpe eu ter molhado seu ombro enorme.
Você levantou o meu astral. Você é tão compreensivo
e tão maduro. Sinto tanto equilíbrio depois que leio suas
mensagens... O rapazes aqui estão menos bagunceiros e tudo está
bem melhor. Me liga assim que tiver um tempinho. Rouxinol.
Dias depois, ao telefone.
Alô.
Alô, Renato? Sabia que era você. Estava
aguardando seu telefonema ansiosa.
Tudo bem?... Ou ainda está levando as porradas
da vida?
Tudo ótimo. Inclusive estava falando isso
com um amigo meu que é solteiro que nem você. Você é
solteiro, não é?
Não, sou divorciado.
Divorciado? Mas não está pensando
em casar de novo?
Não. Quero estar longe dessa. Estou muito
bem como estou e muito feliz com a minha poesia e com a publicação
de meus livros.
Ah... Engraçado... Estava falando com um
amigo meu assim da sua idade, ele tem uns trinta anos... Você tem
trinta anos, não é?
Não. Eu sou um senhor de quase sessenta
anos bem vividos.
Angelamaria silenciou do outro lado do Canal da
Mancha. Com poucas palavras se despediu desapontada. O rouxinol parou de
cantar. Nunca mais recebi E-mail de rouxinol.
Fernando Tanajura Menezes
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