UMA HISTÓRIA BAIANA

        Sabe o leitor que, em histórias verídicas, cabe ao autor encontrar nomes fictícios para os personagens. Que nomes darei aos meus, tão comuns e tão raros, um homem e uma mulher que se amaramdesejaram tanto? Poderia apelidá-los com aqueles de quaisquer amantes famosos da literatura e/ou cinema:  Tristão e Isolda., Abelardo e Heloysa , Marília e Dirceu ou até “Hiroshima”  e “Nevers”, de Marguerite Durás...
        Amores impossíveis, não! Prefiro chamá-los de JOÃO e MARIA.  João, obviamente, por ser o apóstolo do Amor  (e o amor de que falamos, amor-amor, começa sempre com maiúscula). Maria pura-menina, Maria - a mãe, Mariamor, Maria (quase) sinônimo de Mulher.
        Vamos então à nossa história. João e Maria conheceram-se muito jovens. Paixão adolescente. Aquela que vê no outro o deus e deusa idealizados, a perfeição, a BELEZA e, claro, o grande tesão. Tesão daqueles vertiginosos, com todo o furor juvenil. O primeiro contato com a epiderme amada, o arrepiar-se. Os beijinhos tímidos primeiro; depois, a língua entrando, saindo, sufocando, sempre excitando. Era, porém, preciso aguardar o casamento, com toda sua burocracia, mil preparativos, convites, igreja, festa,  stress. Até lá, graças à impossibilidade de sua expressão total à época e aos costumes de antanho, o amor cresceu na idealização de um pelo outro. Seriam felizes para sempre!
        Casaram-se. No início, o encantamento das descobertas, do amoldar-se ao corpo um do outro, descobrir o calafrio dos dedos correndo pelo corpo amado, dos cheiros no cangote, dos lábios sugando, fusão...Sintonizar corpos e sonhos no mesmo canal, deixar a almas voltarem juntas ao paraíso.
        Depois, os filhos. Fraldas. Noites sem dormir. Vacinas. Escolas. Mercado. Impostos. E sempre o trabalho. As viagens dele. A dona-de-casa que não só o era: estudante, profissional. E as contas, a compra da casa própria , os boletins escolares, e novamente contas, faturas. Vários anos depois, a realidade: amoldar-se, ou não, aos roncos, ao cansaço, à rotina... O amor vencia sempre, buscando  conciliar interesses & manias, até que... Bem, até que aconteceu o previsível.
        Uma gotinha dágua, talvez. Um nada-tudo. João e Maria começaram a brigar feio, aquela briga de um dormir de costas para o outro, beijo nem no rosto, sem olho no olho. A separação viria em breve. E veio. Nem um bom dia para saudar o sol. Nem um sorriso. Silêncio. Vazio...
        Passam-se os meses. Que fria está a cama!  Que pesadelos são estes? “Que ereção matinal mais inútil”, pensa João.  “Que piscar desesperado”, chora Maria... Em vão se busca no trabalho companhia. Ou no cuidar dos filhos. Ou no desabafar com amigos. No tentar “olhar” outra pessoa. E este buraco no peito, esta falta de ar, estes pés sem chão, este olhar vazio?  “Que fizemos de nós dois? Em que meandros nos perdemos... ou nunca nos achamos de verdade? Acabou o amor? Mas como tanto dói?...”  Saudade nos corpos, luto nas almas. Que, como diz a Stelinha, poeta baiana: “Saudade: presença VISCERAL”...
        A roda do tempo gira. Um dia se cruzam... Impossível não se olharem. Olhando-se, não traírem o que explodia dentro de cada um. Ternura. Carinho. Amor. Tesão...  “Vamos conversar?” “Vamos...”.  Machucados, dão-se  aos mãos. E aí...
Nova lua-de-mel. Não muito longe – por ali mesmo. Da Bahia-de-Todos-os-Santos,  para Arembepe-de-Toda-Magia.  Primeira noite. Sozinhos os dois na imensidão de areia. Só o vem-e-vai das ondas lavando, levando, cantando. Ritmo ancestral. Um cobertor de estrelas, silhuetas do coqueiral... “Amor, vamos nos amar aqui mesmo?” ...
        E assim foi. E quão macias as mãos amadas cheias de areia! E quão salgada e doce a língua desejada, os lábios adorados molhados de mar! Que luz nos olhos cheios de estrelas! Que vibração de coqueiros ao vento em corpos  trêmulos, que vem e vão e dançam e se fundem em ritmo de mar e de marés! Ah! Amor - pulsar-do-Universo!
        Pois bem, e foi aí, naquele momento em que a alma deixa o corpo e entra no paraíso, justamente então, que uma onda enorme e num rugir mais forte alcançou os amantes, lavou-os, purificou-os, finalmente relaxou-os renascidos, rindo do sonho-realidade, susto-alegria. Abraçam-se. João afaga as mãos que o queimaram. Maria as olha e... “Ué? Cadê minha aliança, João?  Onde foi parar minha aliança?!”.
        A aliança ali colocada nos dia das bodas sumira, o mar a levara!  Espantados, ouvem um canto vindo das ondas, tão suavemente agora lavando as marcas do amor...Um canto. Encantador canto de amor! Canto da Senhora das Águas. Que tomara a aliança de Maria. Para abençoar para sempre aquele amor que renasceu no mar e nem a morte pode exterminar. Odôiá, mãe Iemanjá! Odôiá!


Maju Costa
 

 

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