(Escrito a partir de canções de Chico Buarque de Hollanda)
Pedro pedreiro amou daquela vez como se fosse a última. Durante a noite, não pregou os olhos uma vez sequer. Esperou pelo sol, que viesse mandá-lo para o trabalho como todo os dias. Saiu depois de beijar sua mulher com a boca de café de todas as manhãs.
Era trabalhador da construção civil há muitos anos. Chegara na grande cidade de São Paulo sonhando com a sorte. Mas com o dinheiro sempre tão pouco, a sorte continuava sendo um sonho. Pedro odiava a cidade, feia, perigosa, gigantesca.
Às vezes tinha muito medo, porque a cidade é que parecia odiá-lo. Mas a esperança sempre existiu forte, até o dia em que Pedro cansou de esperar. O aumento (prometido desde o ano passado para o mês que vem) não vinha, sua mulher estava desempregada, seus filhos fora da escola. Sentiu-se tão derrotado que muitas vezes, no meio da bebedeira, viu-se em acordo sombrio com a giganta, odiando-se demais.
Mas foi numa dessas bebedeiras que Pedro se lembrou. Teve uma visão tão fantástica que se quedou lúcido finalmente. Naquela noite, então, voltou para casa mais cedo e amou sua mulher como se fosse a única.
No dia seguinte esperou pelo trem, como sempre. Pedro olhava para o mundo e tudo parecia diferente, agora que ele se descobrira. Os viadutos, os altos prédios, as árvores, as outras pessoas, ainda ignorantes do grande segredo, da grande lembrança.
Subiu a construção como se fosse máquina. Ergueu no patamar quatro paredes sólidas, trabalhou até a hora do almoço. Sentou pra descansar como se fosse sábado, longe dos outros colegas. Olhou São Paulo mais uma vez. Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe, sorriu, ergueu uma garrafa, fez as pazes com a imensa cidade, e bebeu.
Pedro pedreiro dançou e gargalhou como se ouvisse música. Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago, até que a mesma visão lhe veio novamente, tão nítida quanto na noite anterior. Os outros já se aproximavam, e viram quando Pedro subiu no parapeito. Alguém tentou caminhar em sua direção, mas logo o homem flutuava no ar, como se fosse um pássaro.
O corpo de Pedro precipitou-se em direção ao inevitável fim, e se acabou no chão como um pacote flácido. Para todos os presentes, Pedro pedreiro era só mais um coitado que, vivendo sempre contra a corrente, morrera na contramão, atrapalhando o tráfego. Mas não viram que Pedro, jogando seu corpo construção abaixo, lançara sua alma em outra direção.
É que na noite anterior ele se lembrara, e vira novamente o Brejo da Cruz. Pedro pedreiro era criança, e agora comia luz.