O Pirilampo, o Cavalo e a Estrela

Era uma vez um cavalo negro, negro como uma noite de lua nova, onde só as estrelas existem, salpicando de luz a terra e, de nariz espetado para o ar ficamos, horas e horas, procurando o infinito, para lá do sonho e imaginação.

Estas pequenas luzes  reflectiam-se  sobre o dorso deste cavalo livre como o vento, cavalgando montanhas e vales.
 
Um dia, ao passar pelo vale dos pirilampos, parou maravilhado com um espectáculo destes animaizinhos, dançando e voltejando como pequenas varinhas mágicas irrequietas ao som do abano das árvores, próximas das dunas e de outros animais contemplativos, escondidos entre as ramagens.
 
Com muito cuidado, o cavalo,  aproximou-se de mansinho, ainda com o  reflexo das estrelas na  crina e na sua longa cauda, reparando que   no espaço daquela dança “pirilambolesca”, havia  um poço, onde habitava uma cobra com pintinhas amarelas, e sobre o muro estava um pirilampo, com uma luzinha estranha de uma tonalidade azulada,  piscando  numa intensidade, diferente do resto do grande grupo,  voando em compasso sobre tudo o que era escuridão.
 
Mais perto, perguntou o nosso alazão negro, num relincho calmo:
— Desculpe  incomodá-lo, ó senhor pisca-pisca, mas está para aí a dar sinais a quem, de uma maneira tão diferente, falando com essa sua amiga amarela enroscadinha nas pedras do poço e apontado para o alto? Afinal o  que é que se passa? Está com medo que lhe caia alguma coisa em cima?

O pirilampo, depois de tanta pergunta, levantou um dos  olhos  para o cavalo e, numa voz trémula, tentou explicar, mas em vão, pois cada vez que começava, saia-lhe uma faísca avermelhada, apontando a sua pequena lanterna em direcção ao céu, tremelicando numa luz azul intensa.

A dona cobra das pintinhas amarelas,  notando esta interferência, desenroscou-se do seu poiso e  aproximando-se do cavalo intrigado, de  orelhas em pé, numa voz muito sibilante, como só estes animais rastejantes têm, explicou-lhe  da melhor maneira possível, o problema do nosso pirilampo triste:
— Sabe, senhor cavalo, este meu amigo reparou, desde à vários dias, quando estava deitado, de papo pirilampo para o ar, e a lua, volta na volta, deixa  a terra, para ir dar o seu passeio à volta do sol, ficando antes de partir, como um fiozinho perto de uma estrela especial de grande intensidade luminosa. Assim que as duas começam na conversa, se calhar a combinarem o tal passeio, este fica ali, sobre o meu poço-casa a contemplar aquela estrela, linda e perfumada, como ele diz, dando ais de suspiro, enviando-lhe mensagens de luz azulada e, faiscando de vez em quando de vermelho, como se fosse um familiar distante, ou alguém que conhece à anos. Assim que o fiozinho de lua desaparece, lá vai a estrela com ela, e  lá vem mais uma chuva de faíscas vermelhas.

O que  havemos de  fazer, para aliviar esta tristeza de pirilampo?

O cavalo, ao ouvir esta história,  entendeu logo, que  o nosso infeliz pirilampo, estava apaixonado pela estrela, paixão secreta de longa distância, como se uma necessidade de trocar conversas de luzes, entre o céu e a terra, o impelisse para cima em grande contemplação.

Uma noite, estava a lua observando a terra, com o seu telescópio lunar, reparou numa estranha luminosidade sobressaindo entre as danças daquele vale repleto de movimento e alegria.

 Uma luz diferente, como a apontar na sua direcção.

 Como era muito amiga desta estrela, companheira de milhões de anos em  conversas   sobre astros, planetas, outras luas, sóis, cometas e estrelas cadentes, não falando dos outros seres que não podem revelar por segredo, virou-se para ela  dizendo, quis logo partilhar esta estranha observação longínqua:
— Cara amiga, já reparou naquela luzinha, ora azul ora vermelha, vinda de um bichinho sempre a apontar para aqui? Nunca vi nada assim. Ora espreite aqui,  no meu instrumento especial de longo alcance, para observar terráqueos.
 
A amiga da lua olhou curiosa e, como era um bocadinho míope, não tinha notado naquele ser, aliás, lindíssimo, sentindo logo um bate de coração de estrela e num suspiro de “estrela a ver estrelas”, ficou tão brilhante que até alguns cometas pararam, pensando se não  lhes tinham tirado algum bocado das caudas luminosas.
— Mas, mas, é lindo, lindo e que azul e que vermelho. Estarei a sonhar? Tenho de falar com ele e,  contar-lhe histórias que só nós sabemos e,  passear com ele em noites  que estás cheia e  iluminas tudo e,  que até as fadas têm de andar de óculos escuros para ver a estradas da via láctea  – disse esta, de uma maneira eufórica, com a lua a olhá-la de lado, desconfiada.

E  assim ficaram pensando e pensando, durante várias voltas estelares, qual  a melhor maneira de comunicar com ele, reparando que junto do poço outros dois seres se destacavam pelo reflexo  de pintinhas amarelas no pelo luzidio do cavalo, abanando a cabeça para baixo e para cima.

Na Terra, o pirilampo, o cavalo e a cobra de pintinhas amarelas, já amigos, depois de muita conversa e confissões, olhando ao mesmo tempo para a direcção que já sabemos, sentiram-se subitamente observados pelo telescópio da lua e, de boca aberta, viram um raio de luz  aproximar-se, descendo sobre o cavalo negro, com uma mensagem logo entendida pelos três:

“Vamos enviar-te o poder de voar até ao infinito, ó alazão dos quatro cantos da terra. Terás asas para o fazer. Traz esse ser de luz azul e vermelha, para sabermos mais sobre os seus segredos de luz diferente.
Se quiserem, tragam também esse  ser de pintinhas amarelas. Ele pode enroscar-se aqui em asteróides nossos amigos.
Esperamos por vocês. Mas despachem-se que o meu fiozinho de lua está a acabar”

O nosso pirilampo, nem queria acreditar. O seu sonho de poder tocar na sua estrela, paixão de muitos suspiros e noites de escuridão que só a pintinhas amarela o suportava, finalmente podia ser realidade.

Ao saber desta maravilhosa notícia, levantou voo e  em ziguezague, à velocidade da luz, obrigou os seus amigos luzidios a pararem estarrecidos com tanta volta e tanto ziguezaguear enlouquecido, interrogando-se do porquê daquele súbito ímpeto de alegria e agitação.

Nessa noite e no dia seguinte, até ser noite outra vez, ninguém conseguiu “pregar olho”.

O cavalo pensava, como seria  ter asas. A pintinhas, o que seria um asteróide e o nosso pirilampo apaixonado, como seria a sua amada estrela, pertinho, pertinho.

E com tantos “ais e mais ais”, tantas interrogações, lá se foi passando o tempo e aguentado a impaciência.

No dia seguinte, logo após a despedida do sol, que já sabia da história, desaparecendo lentamente no horizonte  num bocejo de bola de fogo,  necessitando de um bom descanso, depois de um dia longo enviando calor e luz para este planeta azul visto de cima, os nossos amigos, de “trouxas aviadas” de véspera, juntaram-se perto do poço, esperando a mensagem vinda de longe.

 E não esperaram muito tempo...

Logo que o fiozinho de lua e a estrela, nervosamente apaixonada apareceram, uniram-se num esforço mágico e enviaram para a Terra, num raio poderoso de asas livres, crescendo no cavalo, agora alado, que por acaso já tinha sonhado algumas vezes, quando dormia no alto das montanhas.
 
 O pirilampo e a pintinhas subiram para  dorso do cavalo e agarrados um, às asas outro, à sua crina frondosa ,  impacientes de excitação, levantaram voo, sobrevoando em espiral o vale, subindo e subindo numa espécie de bailado, num vento suave acariciando, entre sons de alegria, até às duas amigas lá no alto,  esperando ansiosas  no seu ponto de miragem e encontro.

Ao  chegaram perto das duas anfitriãs,  após muitos cumprimentos, vénias, e troca de emoções, resolveram passear um pouco pelo espaço estelar, apresentando-os a outros amigos, espalhados pelo infinito, esquecendo o sol, que ia acordando estremunhado e curioso dos ruídos estranhos daquela noite,  para eles  dia.

Durante muitos dias,  ninguém   viu no céu, estas personagens, alterando a vida normal daquele vale, sempre habituado ao rodopiar dos pirilampos

 Depois de uma reunião, “pisca para aqui e pisca para ali”, resolveram, nas  noites seguintes, investigar com mais atenção, a ausência daquele companheiro pirilampo que passava todo o tempo em cima do poço,  com  aquela cobra salpicada de amarelo falando, sabe-se lá do quê?

E assim, depois de esperarem várias noites, de “nariz pirambolesco” espetado para o céu, aconteceu, numa  muito estrelada, com intensos ais de suspiro e sons de espanto cósmico, como se tivessem combinado entre si,  começando todos a brilhar, em tons de azul vivo, intervalado com um faiscar avermelhado.  Todos tinham sido tocados pelo espaço celestial,  deliciados com os “milhões e milhões mais que biliões e triliões”, eles sabiam lá, quantas mais estrelas lindas, maravilhosas, esplendorosas, enfim, mais que amorosas criaturas brilhando, brilhando com todas as cores, ali “à mão de semear”, como quem diz, tão perto do coração dos milhões de pirilampos apaixonados.

Entretanto,  a lua e os restantes amigos, já entregues a grandes pensamentos universais, amizades eternas, combinando passeios futuros, olharam momentaneamente  para a Terra  pensando haver fogo de artificio azul e vermelho.

Entendendo  o que se passava, viraram-se  para o nosso alazão alado, cada vez mais salpicado de estrelas afirmando, todos ao mesmo tempo:
— Bem, parece que tens trabalho para uns bons milhões de anos. Não é fácil transportar, tanto pirilampo, para tanta estrela pedindo a tua ajuda de uma maneira assim,  de lágrima espetada num dos bicos.
 
O cavalo, que tinha um coração bom e nobre, concordou com os outros amigos   prontificando-se a fazer as viagens, cá lá e lá cá e cá lá, e outra vez lá, até que os céus se enchessem de mais estrelinhas e  estrelonas,  pontinhos luminosos e constelações diferentes, num aumentar de luz em brincadeiras com os cometas, sempre com medo que algum pirilampo lhes tirasse algum pedaço de cauda.

A nossa amiga pintinhas amarelas, aprendeu a voar também,  divertindo-se com os asteróides, meteoritos e seres que não podem revelar, por causa do tal segredo.

 A estrela do fiozinho de lua e o pirilampo pioneiro, passaram a visitar outras luas, de outras Terras, levando notícias e histórias de outros pirilampos e de outras estrelas.

E neste vai e vem, a nossa Terra, ficou mais perto da lua. Quando está cheia, para fugir  dos seus vizinhos barulhentos, sempre em brincadeira,  delicia-se descansando,  num abraço enluarado sobre a espuma dos oceanos e o branco dos glaciares.

O cavalo continua a andar, para cá e para lá, transportando e aproximando estrelas e pirilampos,  suspirando de paixão, no encontro lá bem no alto, cada vez mais estrelado e cada vez mais bonito.

O sol, no dia seguinte, como ainda conseguiu ouvir aquela história toda, ficou a remoer todo o dia até se ir deitar no fundo do regaço do mar:
— Pirilampos?.  Estrelas ? Seria engraçado se alguma “dragona” com uma chama  ardente, ficasse de cor azul e se apaixonasse por mim. Seria bonito!
— Se calhar, até podíamos brincar ao arremesso de bolas de fogo e quem sabe, fazermos corridas com os cometas e as estrelas cadentes.
— Uma dragona! he! he! – Disse em alto e  bom som Solar, olhando para a terra, de soslaio, procurando nos castelos abandonados desde à muito, se calhar, alguma “dragona” esquecida.

E foi dormir, perante o olhar curioso dos quatro amigos, ainda conversando, sobre tudo e sobre nada.

Como bons amigos suspensos no céu... 

Eduardo Nascimento
 

 

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