O pasto, aos poucos, deixava de ser negro e explodia em verde, diante dos primeiros raios de sol. Ruanito — era assim mesmo que constava na sua certidão de nascimento — escovava os dentes no quintal, enquanto olhava um atrasado grilo que procurava fugir da luz do dia e dos vidros da criançada. Lá para as bandas daquele povoado havia competição entre as crianças. Quando os adultos davam por falta dos preciosos vidros, já sabiam que iam encontra-los com caranguejeiras, besouros de todos os tamanhos e cores, gafanhotos e centopéias, além de saúvas, tanajuras e até escorpiões.
Ruanito era um exímio caçador de insetos, um dos melhores da região, mas a tarefa que lhe impuseram era difícil, praticamente impossível. Dandinha exigira um besouro com as asas da cor de um pôr-do-sol — o único que não tinha em sua vasta coleção — em troca de uma bitoca. Ruanito estava desesperado pois hoje era o último dia e o prazo se encerrava no fim da tarde, debaixo da mangueira, do lado da igreja.
Acordou cedo e tocou-se para o pasto à procura do precioso inseto. Há dias que, em vão, procurava. Encontrara os verdes perolados, os azuis, os vermelhos-sangue, os vermelhos claros, os de cor lilás, mas o besouro da cor de pôr-do-sol não encontrou não. Disseram os mais velhos que ele aparece no pasto com o raiar do dia, mas lá pr'aquelas bandas, eles não sabiam se existia não.
"Ah, Dandinha, você devia ter pedido outra coisa mais fácil.
Até uma tarântula eu conseguia procê, mas esse tal de
besouro pôr-do-sol , não sei não... ", pensava o pobre
Ruanito, já agachado no meio do pasto, entre as moscas varejeiras
que pousavam e decolavam de suas orelhas.
Ficou assim, agachado feito uma cabra, não se sabe por quanto
tempo, catando o capim que nem se cata piolhos. O sol já ia alto
e começava a ficar tonto, já todo sujo de areia, quando a
visão do paraíso descortinou-se ante seus grandes olhos cor
de amêndoas. A menos de vinte metros - não! - , a menos de
dez metros um grande, precioso, fabuloso, espetacular besouro pôr-do-sol
debatia-se lentamente, enquanto era mastigado com capim por uma preguiçosa
vaca malhada. Não se fez de
rogado. Partiu pra cima da bicha e começou a puxar-lhe a língua,
ante o olhar desesperado do ruminante, mas já era tarde demais.
Pôr-do-sol havia rolado garganta abaixo, junto com o bolo de capim
que era preparado para ser ruminado. Agora ele entendia porque Dandinha
queria tanto aquele espécime. Realmente era lindo, brilhante, grande
e inesquecível o tal de pôr-do-sol.
Na hora marcada soprava uma leve brisa, que balançava as tranças de Dandinha. Ela esperava com um vidro na mão a chegada de Ruanito. Os lábios pintados com o batom da mãe destacavam-se na cena, nem mais nem menos que uma manga rosa madura que ameaçava cair.
Não demorou muito e Ruanito apontou no final da rua que dava na praça. Trazia, puxada por uma corda, a tal malhada comedora de besouro. O coração bateu-lhe mais forte quando viu Dandinha toda arrumadinha, de batom e tudo, debaixo da mangueira. Contou-lhe o ocorrido e os dois resolveram aguardar o intestino da ruminante dar o ar de sua graça. Não sabiam afirmar se a ansiedade e o esforço a que se propunham era pelo beijo ou pelo besouro, ou pelos dois. De vez em quando os olhares se cruzavam e imediatamente se baixavam. Só que encontravam os lábios — ah! que martírio! — e fugiam deles, desviavam, inventavam qualquer assunto.
A malhada, que estava amarrada na mangueira, deu umas voltas, olhou a praça e sem mais nem menos adubou o pé da árvore, entre sons e esguichos de matéria esverdeada e de cheiro peculiar. Ruanito imediatamente soltou a mimosa e pôs-se, com uma vara numa mão e o nariz na outra, a revolver o material em busca do precioso. Dele, só encontrou a carcaça, e — pasmem! — pregadas nela, duas vistosas asas brilhantes.
Hoje o achado encontra-se na sala da casa do casal , delicadamente instalado
numa moldura. Os filhos de Ruanito e Dandinha, todos os anos, durantes
as férias escolares, vão para o sítio. E, em vão,
procuram, nas auroras, pelo besouro da cor do pôr-do-sol.