Ivone.
É... sim Ivone. Era esse o nome. Permanecia longos tempos absorta
em seu apartamento. Paredes alvas, registravam páginas de profundo
silêncio. Silêncio... é silêncio. Ivone muita
vez acreditava fazer-se válido o registro do não-registro.
Era uma formalidade banal do daltonismo acentuado do estar. O registro
do não-registro, passou há alguns anos a significar. Assim
porque é preciso significar. Nem que passe a significar o esvanecido.
O insignificável a angustiava. É a ausência crônica
do nada... Ivone precisava mesmo significar. Ivone era uma semiologia catastrófica.
Uma lacuna de existência. As coisas passaram a acontecer ao seu lado.
Ivone era a inércia do acaso.
Um calendário com uma gravura mal impressa de Portinari chocava-se
com seus olho toda vez que focava a inexatidão, a cronologia. A
cronologia dos calendários modernos. O calendário de páginas
amarelas, mostrava fevereiro em meio a maio... Tudo corria muito.
À sua mesa habitava um gato de gesso. Um gato de gesso branco. Todas
as manhãs, acordava e deparava-se com a inércia daquele gato.
A felina reprodução inerte, era uma imagem que lhe soava
com impassividade. Gato bestialmente sentado? Aquele gato imóvel
com o olhar fixo e retórico lhe excitava a um pensamento de fuga.
Um gato de gesso de olhos esbugalhado e levemente oblíquos à
direção de solo... Ivone era pânico. Ivone era o gato
de gesso sentado à cabeça de Ivone. Até que gritou:
"Ivone, me salva!" "Ivone, me salva!" Mas Ivone já não escutava.
Um dia, Ivone desvinculou o gato de gesso da mesa. Foi quando atirou pela
janela. Queda longa. No entanto, quando o gato se viu em contato com o
chão da calcada, resolve tornar-se cacos. Fragmentos de gato de
gesso. Cada um desocupando seu lugar na formação anatômica
do gato. Enfim, a liberdade. Porém uma liberdade esfrangalhada.
Ivone permanecia horas e horas com o olhar desatento à mesa vazia
onde não veria mais o gato. A passagem dos tempos foi suave e Ivone
dizia-se ser momentos de profundo alívio. Mas foi na Sexta-feira
passada, Ivone, repentinamente, atirou seu corpo pela janela.