CORPO

Fecho os olhos. Respiro fundo. Aperto as mãos. Revelo que há horas não pensava nela? Melhor não. Revelo que conheço cada detalhe de seu corpo, tantas vezes recriado? Respiro fundo, não. Que nada direcionei para tê-la agora aqui? Talvez. Mas sem tonalidade de desejos. Ou permaneço calado? Não! Melhor falar alguma coisa. Sei lá: quer beber algo? Como foi seu dia? Leu a entrevista do Chico aos Caros Amigos? Revelo-me? Espero? Desisto?

Tenho medo. Se eu abrir a boca vou gaguejar. Vou ficar sem jeito. Respirar descompassadamente. Tenho medo. Se eu ficar calado... ficarei sem jeito. Só estamos nós dois. Só nós. Estranho será eu não falar. Tenho que achar uma saída neste beco sem saída. Invento desculpas? Ah, que pena você aparecer justo quando estou de saída! Ela perguntará: posso ir com você? Eu, sem graça, que resposta darei?
 
 

 

A primeira vez que possuí seu corpo era manhã. Pequeno sinal em suas costas, marca hereditária materna. Entrelaçar de dedos. Mãos suaves. Suave manhã. Olhos nos olhos. Na primeira vez, lhe olhava nos olhos:

— Tenho tantas revelações a lhe fazer.

— Mais tarde. Agora só há lugar para nós.

 

Uma vez você brigou comigo. Neste dia achei seu corpo feio. Mesmo assim o possuí. Já dele me viciara. Confesso: o cheiro de fêmea ainda era o mesmo de quando lhe via a mais bonita das mortais. Houve dias que eu não lhe olhava nos olhos:

— Seu corpo já não é tão gostoso assim...

— Descarte-me então.

— Não! Nunca!

 

Talvez lhe narre um terceiro possuir. Onde estou com a cabeça? Iniciar uma conversa com meus devaneios... Fico demorando para tomar uma iniciativa. Achará estranho. Possivelmente pensará que não a quero em minha casa. Me julgará um mau anfitrião. Um jovem convencido, superior à todas as mulheres do planeta. Sairá pela porta sem ter me dado sequer um beijo. Beijo? Devaneio, afaste-se de mim e descobrirá que ela tem alguém.

Temo sono. Sairei por esta porta e a verei na sala. Braços transformados em travesseiros, corpo em leito macio. Melhor lavar o rosto. Expressar-me como vilão. Novamente a ver na sala. Ela, a selvagem. Respiro fundo, saio. Não fitarei seu corpo. Juro que não. Por tudo que há de mais frágil entre dois seres. Pelos sentimentos que não domino. Juro.

Ela, na sala. Mão direita, taça de vinho. Entre seus lábios, o sabor. Olhar de caçada noturna. Cabelos soltos. Respiração... ah, devaneio, não a faça parecer com a minha. Tira-me dos olhos este gesto que ela agora faz. Este, de estender-me a taça, oferecer-me o vinho e eu aceitar a bebida. Este, de nenhuma palavra entre respirações descompassadas. De lábios muito próximos, cumplicidades no olhar.

 

A um passo de, pela primeira vez, a possuir, peço para que a noite vele pelo seu alguém e por meu frágil juramento, esquecidos em um meio-fio qualquer. 

Carlos Reis


 
 

 

« Voltar