Em todo lugar que vivemos (seja o trabalho, a escola, a rua e
outras “associações” de que fazemos parte no nosso dia-a-dia)
sempre surge uma oportunidade para se praticar aquele que é o esporte-paixão-nacional
do Brasil, ou seja, o nosso amado futebolzinho de cada dia. E, quando se
vai “jogar bola”, sempre existem as combinações mais loucas
possíveis, do tipo: “homens contra mulheres”, “meninos contra ‘meninas’
(os do outro lado vestidos de mulher), “setor A contra setor B”, “rua de
baixo contra rua de cima” e — geralmente em empresas, com muitas pessoas
de diferentes idades — o clássico dos clássicos das “peladas”
de campo, que é simplesmente o conhecido, difamado e propagado “casados
X solteiros”.
Digo isso porque a escalação das equipes é
a única que não obedece a critérios sociais, ou políticos,
ou econômicos, ou mesmo no trato como a bola, mas a um simples critério
pessoal: quem escolheu viver o lado sério da vida, comprometendo-se
com as amarguras, dissabores, alegrias e tristezas de uma vida de casado
está de um lado do campo, e quem ainda está na época
das inconsequências e loucuras da vida de solteiro, ainda que esteja
pensando em “tornar-se sério”, está do lado dos solteiros
- mas não se descartam mudanças de ambos os lados, as mais
absurdas possíveis:
— Como, mas você se separou ?
— Casou durante as férias?
— Meu Deus, como estamos !...
Antes do jogo, convém dar uma olhada nos dois lados e
ver a “escalação” das “seleções”. Os solteiros,
geralmente mais jovens, são “cheios de vida”, geralmente estão
sempre em forma física e quase todos — exceto os acompanhados de
suas “futuras”, óbvio — fazem gracinhas a qualquer mulher
que passe na sua frente, como se a única coisa na sua vida fosse
atacar e atacar, como um touro bravio. Sempre existe um “velhão”
que optou pela “castidade de compromisso”, e outros parecem sérios
— afinal, as “futuras mulheres” podem aparecer, e aí ... já
sabe, né ?
— Acabou, descarado, entendeu ? Acabou!
— Oba, ainda não perdemos esse !...
Já os casados - alguns deles mais novos, outros mais velhos
— são um caso a parte. Perderam o respeito por seu corpo, e alguns
ostentam barriguinhas, desaconselháveis para sua idade. Sempre tem
um que se acha “muito feliz” — e parece realmente sê-lo - mas a maioria
ainda carrega o peso das batalhas, e se não carrega, é porque
vai carregar um dia — afinal de contas, quem mandou casar? Geralmente o
jogo é um instante de alento em suas vidas, porque depois eles voltam
à sua grande “vidinha” de sempre, e a rotina que escolheram — bem
ou mal, é isso aí, certo ?
Mas comecemos o jogo, que o tempo é curto — e uma hora
a mais no campo custa caro...
Bola de um lado, jogada do outro, o ludopédio sendo massacrado
por um bando de pernas de pau, um golzinho aqui, outro ali, um lateral
dos solteiros quase arrancando a perna de um casado (a propósito,
era o chefe dele), um outro, casado, se arrastando em campo, o bando de
solteiros atacando, a torcida de mulheres dos casados fazendo barulho (bem
ingênuo, por sinal), até que, meia hora de quase sopapos,
uma briga entre dois solteiros por causa da namorada de um deles (promtamente
apartada pelo grupo) e boas defesas do goleiro dos casados (recém-casado,
diga-se de passagem), o resultado final: 4 a 2 para os solteiros, com um
gol lindo do atacante dos casados (aquele que dizia que “não jogava
nem para o gasto”...).
Fim de jogo, cada um para um lado, alguns vão tomar uma
cervejinha, outros vão embora pra casa. E o juiz (que preferiu não
entrar nem de um lado ou do outro, por ser noivo), sentiu uma coisa estranha:
os sentimentos que casados e solteiros tiveram durante o jogo eram totalmente
diferentes daquilo que viviam na sua vida real. Parecia que os casados
sentiam saudade daquele tempo em que nada lhes era negado, e tudo permitido.
Alguns solteiros, por sua vez, pareciam mais felizes do que outros - talvez
porque suas namoradas estivessem lá, a incentivá-los e dar-lhes
o beijo final (mesmo que o cara nem tivesse tocado na bola). Para resumir,
ele sentia como se os casados e os solteiros fossem duas partes de uma
mesma vida, e como se um mesmo destino os unisse: solteiros tornam-se casados,
que ficam solteiros, para casar de novo - ou então ficam casados,
e continuam casados, até que o desastre os traz de volta aos solteiros
(sim, porque viúvo, apesar de tudo, não é casado -
já foi). Tudo era estado de espírito, e ele via bem aquelas
coisas, sabe-se lá por quê.
Tentou pensar em mais alguma coisa, mas a “mulher” o chamou:
— “Morê”, vem comer, que o churrasco ´tá bom!
— Churrasco ? ´Peraí, que já tô indo
...
Porque, apesar de tudo, cerveja e churrasco, depois da “bola”,
ainda é o melhor programa para um jogo de futebol — ainda que seja
o jogo de dois estados de espírito, de dois estados da alma, de
dois tempos da vida, e de dois tipos de homem que, no fundo, no fundo,
são iguais — sejam eles casados, sejam eles solteiros.