ROSAS MURCHAS
 
Rosa acabara o corre-corre principal do dia, todos já tinham saído, a cozinha do almoço arrumada, enfim, um pouco de tempo só dela.

Bem que estava precisando, a falta de dinheiro, o casamento da filha mais velha, a universidade dos 2 menores, o marido desempregado. Os problemas lhe estufavam a cabeça... a deixavam tonta.. .

Sem perceber ligou a televisão, o som monótono das receitas e outras bobagens, que saltavam do vídeo aquela hora da tarde,  ajudavam a embutir sua mente e não pensar.... pegou uma revista e o correr dos olhos parou sobre uma poesia de amor da Cecília Meireles.  Leu, releu, recortou e colocou na agenda do telefone...

Este gesto parece ter encerrado os momentos de lazer que se havia concedido, voltou às encomendas de doces que ajudavam na renda familiar. Saiu para as entregas e, no final da tarde, lá estava de novo começando tudo outra vez: jantar para os filhos, limpar a cozinha e esperar Roberto, o marido que mais uma vez chegaria tarde e cheirando a bebida...

Ainda pondo uma ordem na cozinha escutou

— Rosa!! O que é esta poesia aqui na tua agenda?

A resposta, na mente, veio rápida "Como se atreve a mexer nas minhas coisas?" Mas, os anos de treinamento em ceder-para-não-piorar,  foram mais rápidos e ouviu uma voz estranha respondendo:

— Credo Roberto! Não posso guardar uma poesia?
— Que  história é essa de poesia  agora depois de velha? Em quem estava pensando? ( A voz elevava - se agressiva)
— Em ninguém. É só uma poesia que gostei.

Velha!  velha! Primeiro que não se achava, e nem se sentia, velha. Depois que Rosa nem mesmo sabia o que a poesia despertara... uma nostagia.. uma saudades de um não sei que...

Sim... percebia agora... Pensava nas fantasias desfeitas; nos ideais engolidos; nas noites mal dormidas; nos anseios reprimidos e em todos os sonhos tão sonhados e não vividos.

Na profissão abandonada de  professora de música que Roberto achava ridícula;

Nas  opiniões caladas, porque o Roberto achava ridículo quando ela discutia algum assunto;

Nas tantas outras coisas que não fizera, que não fora, invariavelmente, porque era ridícula... ridícula.. ridícula..

Estava com as idéias um pouco embaralhadas... ele que assim falava? Ou ela que assim se achava? Bem... não importava mais.

Estava cansada. Cansada de ser  a mulher mãe, sempre tão disponível e dedicada...  a mulher esposa sempre tão sufocada.... Sim, queria ser só a mulher Mulher, querida, desejada e porque não? um pouco, só um pouquinho respeitada.

Então a mulher Mulher se levantou e começou a falar:

— Chega Roberto, chega.  Quero meu espaço, minha vida, meu...

— AH! Rosa! Rosa!  quando você vai crescer e deixar de ser tão ridícula.. Não bastasse ler poesia como uma adolescente ainda vem com estes ares de Senhora.. Espaço? Onde já se viu . Anda vai, chega de bobagens que estou com fome.

Rosa virou -se em silêncio, foi esquentar a comida e, pela primeira vez, Rosa sentiu o quanto podia odiar aquele quem tanto amava.

E também, pela primeira vez, sentiu-se realmente ridícula. 

Bia Ferraz

 
 

 

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