Saiu de casa naquele dia disposto a encontrar o emprego que tanto estava
à procura. Pôs uma roupa mais decente e, naquele dia,
deixou de lado o surrado jeans e as camisetas de propaganda. Ficou no ponto
de ônibus esperando o carro da linha 017 por uns 10 minutos. Mais
10 minutos dentro do ônibus foi o tempo que ele esperou até
poder sentar e repassar o olho nos classificados que carregava dentro do
paletó. Estava sentado ao lado de um sujeito que não parava
de esticar os olhos em direção ao seu jornal. "Mais um desempregado",
pensou ele, antes do automático fechar de jornal. Não queria
concorrentes. Hoje estava disposto a arrumar um emprego e não queira
nada atrapalhando o seu objetivo. Ficou observando os demais passageiros
do ônibus e imaginando a história de cada um. Leu, num grande
out-door com a foto daquela atriz da novela, uma propaganda de telefone
celular. Lembrou-se que tinha de pagar a conta do seu telefone, pois o
mesmo estava bloqueado e ele tinha de estar funcionando para receber os
recados que, com certeza, viriam de sua busca ao emprego. Pensou em ir
ao banco antes da primeira entrevista, mas achou que pudesse trazer mau
agouro e estragar o seu desempenho. Amanhã iria. Precisava fazer
as contas do saldo e aquilo era um saco. Havia muita informação
naquele papelzinho do extrato que havia chegado pelo correio. Chegou no
seu ponto de descida e ele custou a descer do ônibus. Xingou pela
milionésima vez os passageiros que não sabem andar de ônibus
e se aglomeram na porta de saída. Atravessou a praça para
cortar caminho. Disse duas vezes não para as ciganas que insistiam
em ler a sua sorte. "Mostre a sua educação", disse uma delas.
Não teve educação e passou reto. "Meu destino eu já
sei", tentou ser positivo com a sua intenção do dia. As mulheres
nem ligaram, pois já davam o bote em outros transeuntes. Perto da
firma onde faria a primeira entrevista ele viu o tocador de sanfona cego.
Na saída ele daria um trocado para o velho, pois da última
vez em que o viu, no ponto de ônibus, estava sem um puto. Chegou
na firma, mas o acesso de escadas ao local da primeira entrevista estava
fechado. Resolveu esperar um pouco, quem sabe havia chegado adiantado.
"Melhor do que atrasar", pensou. Viu as portas do tradicional Bar do Lazinho
fechadas. Estranhou. Havia um bilhete na porta. Atravessou a rua rapidamente
e viu o aviso de luto. Não imaginava quem pudesse haver morrido,
tamanha e variada era a clientela do bar, além dos parentes, amigos
e do próprio Lazinho. Mas ele estava muito bem de saúde,
aparentemente. Deve ter sido um parente de mais idade. Voltou para a porta
da firma, por onde esperou mais um pouco até se impacientar por
completo. Saiu da porta do escritório e entrou dentro da loja, que
ficava dobrando a esquina. Lá foi informado que a porta estava emperrada
e que a entrada estava sendo feita por ali mesmo. Pensou ter cometido uma
grande mancada, mas o vendedor da loja já foi logo falando que ele
não havia sido o primeiro. "Menos mal", pensou. Fez o caminho que
o rapaz ensinou e até achou mais prático, pois desse
lado havia até elevador. Subiu juntamente com a loirinha que havia
visto na seção de relógios. Era loira falsa, mas tinha
o seu charme. Mas ela desceu no primeiro andar e ele continuaria até
o segundo, e último. Na pequena sala havia apenas uma mesa e atrás
dela uma gordinha sentada. Explicou a sua presença e ela pediu para
aguardar. Ficou observando o quadro com a foto do que deveria ser o armazém
principal da empresa, cheio de caminhões estacionados na porta.
Deu tempo para ele se imaginar dentro daqueles caminhões, fazendo
frete pelo Brasil afora. A gordinha, que havia saído da sala, voltou
e pediu que ele se encaminhasse até a outra sala, que ficava no
outro lado do corredor. Andou pelo corredor e pôde ver mais fotos
do que seriam outras filiais pela região. A sala não era
grande e a entrevistadora era uma mulher. De vestido azul. Sentou-se defronte
a mulher de vestido azul e pôs-se a responder aos seus questionamentos.
Coisas básicas de toda a entrevista. A mulher tinha uma caneta vermelha
e anotava tudo o que ele respondia. Não se intimidou com a cor reprovadora
da caneta e mandou bem em todas as respostas. Acreditava ter saído
bem. Despediu-se da mulher de azul e, logo após, da gordinha da
sala ao lado. Esperava encontrar a loirinha no elevador novamente. Não
encontrou. Desceu com dois homens de gravata, que conversavam futebolês.
Um deles lhe lembrava aquele conhecido que morrera assassinado. "Engraçado!",
pensou. Ainda teria mais duas entrevistas, mas só à
tarde. Resolveu comprar um picolé, pois estava com calor. No caminho
viu novamente o homem cego da sanfona. Separaria algum do troco do picolé
e daria ao velho. Seguiu em frente e ouviu um assobio. Olhou para trás
e jurou ter sido daquelas três meninas de uniforme azul. Ao atravessar
a rua em direção à lanchonete pensou ter ouvido novamente
o assobio. Olhou para trás para ter certeza da origem. Foi atropelado.
O motorista dacamionete desceu nervoso e xingando, sem saber que ele já
havia ido a óbito. Instantâneo. Traumatismo crânio-encefálico.
Não se lembrou de deixar o dinheiro do telefone, nem de por comida
para o gato. Se soubesse que iria morrer naquele dia, teria feito alguma
coisa mais agradável do que procurar emprego. E o velho homem
cego tocador de sanfona mais uma vez ficou sem o seu trocado.