"Melissa. Que nem sandália, sabe?"
Uma vez já tendo se apresentado, resolveu fumar um cigarro. O isqueiro
não funcionou de imediato e o rapaz ofereceu o dele, mas Melissa
não quis, de jeito nenhum.
"Que é isso, moço, esse troço vai ter que acender,
o que que há? Sabe quanto é que custou esse isqueiro? Puta
que pariu, cacete, vai acender ou não vai, meu filho?"
Batia com o isqueiro na palma da mão, acionando-o três, quatro,
cinco vezes.
"Porra, acende, droga!"
A chama melíflua quase não foi suficiente (ela também
brigou com a chama - sua isso, sua aquilo!) e a tragada, afinal, teve um
gosto de triunfo.
"Viu? Ele que me aprontasse..."
Eram três da manhã e Melissa estava nua da cintura para baixo.
Um insuportável calor àquela hora prenunciava chuva para
muito breve.
"Segura para mim, please?"
Entregou a bolsa ao rapaz, em quem se apoiou para fazer subir por suas
pernas uma micro-saia de lycra preta. Estavam sob um poste de onde pendia
uma lâmpada estilhaçada, na esquina de duas ruazinhas bem
vagabundas, atrás de um depósito de containers.
"E você, como é que se chama?"
Soltou uma baforada enquanto o rapaz disse um nome estranho, desses super
difíceis, parecido som Sweiss ou Xueiss e Melissa ficou sem saber
direito de onde ele era.
"Se Deus quiser, ainda me aparece um outro antes de clarear. Ô Deus,
me ajuda." - pediu Melissa.
E pediu, também: "Ô chuva, não inventa..."
Achou melhor caminhar para os lados dos armazéns. Se houvesse mais
alguma alma perdida a essa hora, era mais provável encontrá-la
por lá, naquelas bandas.
Caminhava atenta (mesmo porque tinha medo de sombras), no fundo, no fundo,
achando que não ia ter sorte. Era isso o que Melissa pensava, enquanto,
ao longe, avistava mastros e passadiços.
"Eu hei de ser feliz. Eu hei de ser feliz. Eu hei de ser feliz. Nossa Senhora
do Perpétuo Socorro olhai por mim."
"Qual era mesmo a marca daquele esmalte que a Shirlene estava usando? Por
que não anotei, Jesus?"
"Dessa semana não passa. Eu tenho que ir ver a minha mãe."
"Estou com fome."
O cachorro sarnento surgiu em sua frente ao mesmo tempo que o homem. Melissa
sentiu um aperto no peito, mas abriu o seu sorriso mais bonito.
"Ora, veja só quem está por aqui" - ela disse.
O cão revirava um amontoado de lixo; os olhos remelentos e sem brilho
dos famintos vez ou outra cruzavam com os de Melissa. O Homem parecia agitado.
"Quem é vivo sempre aparece..." - ela quis fazer graça.
Procurou um cigarro na bolsa e tentou acendê-lo, sem êxito.
Estava nervosa.
"Deus do céu, mas que isqueiro indecente! Acende, caralho!"
O homem se aproximou de Melissa e passou o braço pela sua cintura,
por trás, esfregando a cara em sua nuca. O cachorro gania, mordiscando
no ar moscas imaginárias.
O sexo foi intenso, feito contra a parede suja do beco em que se enfiaram.
Melissa se esfregou naquele homem, como quem tenta deixar uma marca.
"Ô Santa Rita de Cássia, me ajuda." - suplicou.
Mas o homem se afastou em seguida (ele levou o dinheiro que Melissa tinha
na bolsa e também seu isqueiro e seus cigarros) e ela, então,
se agachou ali mesmo, no beco, e chorou como não se lembrava nunca
de ter chorado. Lá fora, o cachorro rodopiava, babando, tentando
abocanhar o próprio rabo.
"Peralá, Melissa, o que que há? Se manda garota, ou quer
ficar ensopada que nem um pinto?"
Ela passou as duas mãos pelos cabelos curtos, claros, já
bastante umedecidos pela garoazinha fina que havia começado a cair,
antecipando a chuva forte que não tardaria. Ajustou a saia e apertou
o passo.
"Só me faltava essa, cacete, pegar uma gripe... Mas que saco, hein,
chuva! Isso é hora, minha filha?"
E sob a luz dos navios enfileirados por trás de um imenso muro,
ela foi se afastando depressa. A chuva quase desabando e ela meio que correndo
agora, Melissa.