RITO

       Ela era, para todos os efeitos, uma garota normal. Extremamente tímida tinha completado 19 anos há apenas quatro meses, era bonita, muito bonita, isto se dermos credibilidade as opiniões de Gregor. Logo no primeiro dia ele teve a sua atenção chamada por ela, uma garota de calça cinza e blusa de um suave e incorruptível azul, olhos negros, cabelos longos e castanhos. Mas o que mais chamava a atenção de Gregor eram as cores de seu rosto, ostentava ela uma palidez muito comum em quem tem 4 ou 5 anos de idade, mas incomum para uma garota que já começava a entrar na vida adulta.
       Nas primeiras semanas o contato ele eles praticamente inexistiu, cabendo a Gregor nada mais do que uma contida vígilia que em silêncio recaía sobre Stephane. A primeira vez em que se falaram foi numa Terça-feira, quando um professor ordenou que a turma se dividisse em grupos de oito alunos. E foi assim que começou a amizade entre Gregor e Stephane - no começo apenas trocavam cumprimentos, as vezes xingavam os mesmos professores e de que quando em quando Gregor fazia uma piadinha qualquer, e ela sorria, mas sorria como uma pálida garota de 4 ou 5 anos de idade.
       Na primeira vez em que conversaram de verdade falaram sobre cinema, sobre como é legal assistir comédias e tantos outros filmes de sentimentos mentirosos nas quentes noites de Domingo. Gregor saiu-se muito bem no que julgou ser o seu primeiro teste, afinal de contas havia sido inveterado cinéfilo durante vários anos de sua adolescência. A partir de então começaram a dialogar com mais freqüência, formando um casal bem entrosado, ambos gostavam de lugares pacatos, sendo que Stephane tinha uma especial predileção por Cafés, julgava ser um hábito europeu. Gregor concordou sem querer concordar e mudou de assunto.
     Se Gregor a amava? Bem, ele achava que sim e, agarrado a esta convicção, viu os dias passarem, aproximando-os cada vez mais. Já tinha se acostumado com a idéia de ela ter alguém, pois ela tinha alguém: namorava há cerca de três meses, o que em muito confortava-o, isto porque havia conhecido Stephane há dois meses apenas, de modo que Gregor tinha inabalável certeza de que seria ele o escolhido caso tivesse cruzado o caminho de Stephane há no mínimo três meses. Cumpre também dizer que nem ela tinha tanta certeza assim sobre a validade de seu relacionamento, tanto que em uma conversa que tiveram Stephane admitiu estar cansada de seu homem, argumentou dizendo que este era infantil e possessivo. Por fim concluiu com voz pragmática, " Acho que não mais vale a pena. "
     Dias depois Gregor veio a descobrir que aquele a quem Stephane julgava infantil e possessivo sequer morava na mesma cidade que eles, de modo que quase não havia toque entre eles; por conseguinte, não havia toque entre ninguém. Tal informação só serviu para deixar-lhe ainda mais esperançoso acerca de seu futuro com Stephane. A verdade é que aquele foi um destes dias que todos nós vivemos de vez em quando, de intensa felicidade, felicidade quase cenográfica. Isto porque, neste mesmo dia, Gregor reparou que sempre que conversavam, Stephane ajeitava os cabelos com certa regularidade, pegando algumas madeixas que caíam-lhe pela face e pousando-as por detrás de sua orelha. Sabia ele, segundo informação veiculada em uma revista masculina, que tal cacoete tornava-se presente toda as vezes que uma mulher sentia a necessidade de apresentar-se bonita. E lá estava ela, acariciando graciosamente os seus próprios cabelos, como quem come uma maçã ou coisa assim.
     No entanto, certas nuanças da personalidade de Stephane causavam profundo terror em Gregor. Não era raro ela ir à Faculdade com pesada maquiagem nos olhos, a deixar incompleta a sua própria beleza. Nestas ocasiões a alma de Gregor enchia-se de pânico e, todas as vezes que ele a perdia de vista, era açoitado por algo como uma colagem de imagens, aonde Stephane, com seus olhos negros e sua incomum palidez, deixava-se possuir por um homem. Pois na realidade era isto o que Gregor mais temia: Homens, não se preocupando com Dândis, Narcisos, Artistas, etc.. Gregor temia o homem que há em cada um de nós, destes que nunca vemos na rua, mas que sabemos existir; destes que não possuem doenças, apenas cicatrizes causadas por transas incompletas, que trepam com a única finalidade fazer coerente as marcas que exibem. Um homem que ele jamais poderia parir, sequer consentir o nascimento, um Herodes dos tempos modernos, a temer o próprio corpo. Quanto ao namorado dela, bem, por este nutria compaixão: via-o como quem vê um cafetão castrado, uma insignificante sentinela, um pai de família - e então Gregor lembrava-se de suas antigas paixões, destas que não tem nem nome nem rosto, apenas ódio.
     Desta insegurança brotou uma crônica insônia, de modo que para dormir era obrigado a consumir pesados calmantes (Remeron, Lexotan, Efexor etc..), as vezes dois ou três por noite, que é o máximo que uma pessoa pode ingerir. Em troca recebia um sono inexorável e mudo, as vezes acordava de súbito na noite, um princípio de pânico, a impressão de que não mais amava Stephane - lembrava-se então do rosto dela, de como ela parecia ter abandonado de vez a maquiagem, e de como estava prazeroso o relacionamento entre eles. Julgando amá-la tragava mais um comprimido.
     Porém, em vista de uma dor no estômago, que prontamente foi apregoada ao exagerado uso de calmantes, Gregor prometeu a si mesmo (e também a alguns familiares) que iria pegar mais leve. Mesmo porque o estoque estava acabando, eram remédios que um dia pertenceram a sua mãe, várias tinham a validade expirada. Ao ingeri-los Gregor sentia eles se esfarelarem sobre a sua língua feito pele de defunto, ressecados e mortos, antes mesmo de serem absorvidos pela saliva. O período de desintoxicação teve seu início na noite de Sexta, Gregor julgou que seria mais fácil longe de Stephane. Logo surgiram os primeiros sintomas de abstinência, Segunda-feira foi o pior dia: a carne de seu corpo, e em especial a de seu rosto, parecia ter inchado, dando-lhe a impressão de havia engordado consideravelmente, metamorfoseando Gregor em nada mais do que um corpo dormente, obseso e repugnante. Lembrou-se da mãe, talvez pela primeira vez depois de tanto tempo, lembrou-se de como ela morreu - seca e magra, sem drogas e sem religião. E chorou, chorou sem querer chorar, durante toda a tarde, sem motivo aparente, pois nem na ocasião de sua morte Gregor havia chorado.
     Na Terça-feira acordou sentindo-se um pouco mais disposto e achou que seria uma boa idéia ir a aula, pegar a matéria atrasada, ver Stephane, devolver um livro na biblioteca etc.. Ao chegar a sala não viu Stephane e, fazendo as vezes de detetive, apurou  que ela também havia faltado na Segunda. Tais ausências deram forma as mais terríveis suposições a respeito de sua garota. Gregor, porém, reagiu com extrema indiferença, algo como uma tristeza muda, aquele tipo de tristeza que transforma o mundo em um poço de almas inocentes; pois para um de nós não há desolação maior do que, em vista de nossa irreversível maldade e fraqueza, apiedar-se de todos aqueles que não habitam a nossa carne, tal qual o apostador contumaz que vê desvanecer-se a última esperança do dia. Ao chegar em casa Gregor viu a depressão degenerar-se em sono... e dormiu sem preces, beijos de idealizados hálitos ou comprimidos. O que ninguém esperava é que a Quarta-feira irrompesse imersa em chuvas, uma chuva ineroxável e sedutora, as lágrimas de um Mozart que jamais perdoou o seu amor. Neste dia Gregor acordou pouco depois do meio-dia, refeito mal podia esperar, no dia seguinte iria vê-la.
     Mas a mesma chuva que absolvera Stephane presenteara com uma gripe o professor que lhes daria a primeira aula naquela Quinta-feira. O intervalo de tempo disponível entre uma aula e outra era, para Gregor, a chance perfeita de concretizar qualquer aproximação, talvez a possibilidade de tocar o rosto dela pela primeira vez. Conversaram por aproximadamente 10 minutos, Stephane tinha os olhos tristes e não parava um instante sequer de queixar-se de seu namorado, e eram lamentações tão sinceras aquelas que acabaram por comover Gregor, como se tudo o que ela dizia ela dizia para ele, que, perplexo, a ouvia com extrema atenção, julgando estarem sordidamente contraídos os músculos de seu rosto, configurando uma expressão de intenso terror e náusea.
     Percebeu então um fiapo de papel grudado ao rosto de Stephane, um fascinante contraste com a pesada maquiagem que ela ostentava naquela manhã; um simples fiapo de papel, a fazer uma releitura de todo aquela beleza e de toda aquela maquiagem, tornando a primeira involuntária e a segunda humana, digna, portanto, de compaixão.  Aos poucos Gregor sentia relaxarem-se os músculos de seu rosto, mais jovial pensou em como seria retirar aquele fragmento de poema da face de Stephane. Estremeceu, mas ainda assim a contemplou por mais alguns segundos, com medo de qualquer coisa, por fim desistiu e logo depois ela disse que andava bastante cansada e que por isso iria para casa, antes mesmo da segunda aula.
     E aquele seria o mais comum dos dias caso Gregor não tivesse descido, aproveitando o horário vago, para ir até a Coordenação e resolver alguns problemas burocráticos. Naquela altura da manhã o sol começava a tornar-se um pouco mais amarelo e, por conseguinte, um pouco mais quente, um tanto quanto ingrato, mais ou menos na hora em que as pessoas começam a se irritar por estarem transpirando. Vinha Gregor acompanhado de alguns colegas, em uníssono xingavam um de seus professores. O alvo de tantos comentários era Juiz de Direito nas horas vagas, duas vezes divorciado; talvez pelo fato deste senhor ser alcoólatra, talvez pelo fato de este senhor ser um emérito conquistador de qualquer garota que precise, só para dar um exemplo, de boas notas.  Caso fosse jovem este senhor seria um destes yuppies de merda, cheirador de coca e colecionador de pornografia; mas se fosse ele jovem seria um pouquinho menos indigno, não há canalhas jovens, ademais, é bastante óbvio o que ocorre com um tipo como aquele Juiz de Direito com o passar dos anos, eles chegam ao ponto de ignorar a sua própria ejaculação, não se dando sequer ao trabalho de cultiva-la. E lá estava o Juiz, sentado ao lado de Stephane, vomitando gracejos com o cego orgulho de quem profere sentenças, e ela sorria.
     É uma tarefa extremamente difícil descrever o estado de espírito manifestado por Gregor ao presenciar tal cena. A começar pelo seus olhos: estavam mortos, serenos, enegrecidos - nem o maior mentiroso do mundo poderia traduzi-los. A realidade é que nada no corpo de Gregor indicava tristeza, pois ele nunca triste por Stephane, sabia que qualquer espécie de triunfo era praticamente impossível; e quando a derrota é dada como certa nada mais natural do que ela se concretize pelas mãos do mais temido inimigo. Mas quem era aquele Juiz de Direito? Que raça de homem era ele? Gregor temia e em alguns momentos chegava a odiar os homens, e agora via Stephane ser abocanhada por um ser em nada diferente dele próprio – fosse ela fagocitada por alguém como o seu pai e sua dor seria mais compreensível... fagocitada por um pele instável, trêmula, exatamente como o seu pai.
     Mal chegou em casa e Gregor sentiu a língua seca e enrijecida, e todas as vezes que tinha a língua nestas condições lembrava-se de sua mãe, um reflexo puramente condicionado.  Contudo não estava determinado em nada consumir, nem bem sabia porque, talvez a satisfação de um capricho. Durante toda a tarde procurou se distrair com outra coisas, fazia calor e sentiu vontade de não, sabia o quão benéfica seria a água. Mas ao final da contas acabou não fazendo nada, não conseguia mesmo esquecer-se do que vira pela manhã, o que o exauria das mais diversas maneiras. Nem bem tinha anoitecido quando Gregor resolveu deitar-se, embora baixo era um belo começo de noite, nuvens negras em um céu azul-marinho, céu este que parecia tornar imutável o vento que diziam tão abundante, tragando-o para si, corrompendo todo o horizonte, uma miragem que cairia muito bem se trabalhada ao lado de " It's Been a Long, Long Time " de Harry James (vocal de Helen Forrest). Dormiu quase que imediatamente, já não mais tinha em mente o cadáver de sua mãe, a própria Stephane parecia distante, aquele tipo de distância que torna as pessoas boas e bonitas, libertas da influência de nossos olhos.
     Por volta das 2 da madrugada levantou-se para beber um copo d' água e, com dificuldades em retomar o sono, pôs-se a pensar em coisas que não deveria pensar. Lembrou-se que, naquela Sexta que já começava a ensaiar suas primeiras e mais cinematográficas tragédias, o Juiz de Direito que tanto assediava Stephane preparava uma pequena confraternização, seria pela tarde, logo após a aula, e contaria com a presença de muitos alunos. Antes nem cogitava a possibilidade de ir a tal festa, tendo esta mesma certeza em relação a Stephane, mas de repente as coisas já não eram mais tão causais e objetivas, e isso começava a irritar Gregor, perturbando o seu sono. Por fim tentou resumir toda a urgência que exauria a sua alma ajeitando-se melhor na cama, um movimento lento e cheio de angústia, feito quem espera as preces cessarem para morrer.
     Um tanto quanto entorpecido pelo sono começava a perder o controle sobre as próprias lembranças. Subitamente tinha em mente não o rosto de Chris, mas o conceito que dava forma ao seu rosto. Chris é o nome de uma puta que Gregor conhecera há alguns anos, quando ainda podia dar-se ao luxo de satisfazer certos caprichos, há muito não se viam - Gregor imaginava que Chris nem desconfiava ter sido ela uma das principais culpadas de sua atual condição ( é lógico que são certezas baseadas em suposições, juízos hipotéticos ). Ela nunca teve idéia do que acontecera com o orgulho e com o desejo de Gregor quando este presenciou ela chupando um de seus melhores amigos. Chris tinha um rosto quase tão pálido como o de Stephane e era uma péssima profissional, pois, mediante a pagamento adiantado, negou-se terminantemente a tocar Gregor, procedendo com excessiva indignação e repulsa na ocasião da proposta. Ao dar por si novamente Gregor percebeu que uma vez mais tinha despertado, e foi com um perpétuo pesar que ele viu a festa que o Juiz organizava desfilar diante de seus olhos. Todavia o que mais lhe dilacerava era a repentina impossibilidade de amar Chris e Stephane; isto porque a palidez de Chris refletia as mais secretas vaidades de Stephane (sendo o oposto também verdade).
     Como em transe permaneceu imóvel vários minutos, sem esperanças de dormir novamente. Ligou o rádio em um volume bem baixo, mas a música era muito ruim, de modo que Gregor preferiu o silêncio. O mais importante era não pensar em nada, perplexidade e silêncio não combinam: o segundo acaba por degenerar o primeiro das mais diversas maneiras, por isso julgava tão importante não pensar em nada. Ademais Gregor conhecia-se suficientemente bem para saber o que viria em seguida, a necessidade da droga, logo estaria lembrando de coisas e pessoas que não deveria lembrar.  No entanto precisava mesmo de algo, as vezes pensava em heroína, lera uma vez que a morfina faz com que o junkie ouça as próprias entranhas, e elas nada dizem e insinuam, apenas morrem, daí a maravilha de uma injeção.
     Porém, passados aproximadamente 20 minutos, Gregor notou que transpirava em demasia, e só neste momento foi reparar com que sordidez ajeitara-se sob as cobertas e, como quem quer livrar-se de um cadáver, desvencilhou-se delas com notável fúria. Amparado somente pelo vento produzido pelo ventilador de tento foi recobrando a consciência, com frio cobriu-se novamente - recordou-se então que durante o tempo em que as cobertas o afogavam repetia incessantemente a mesma frase, um múrmurio em princípio indecifrável, Gregor acreditava ser um destes sons que todos escutam quando não estão nem acordados nem dormindo. Ao traduzir a sua prece pode sentir todo o sangue de seu corpo gelando de terror:

                 " Esqueça os calmantes, esqueça os calmantes, esqueça os calmantes......... "

     A reação imediata de Gregor ao perceber o conteúdo daquilo que sussurrava foi ajeitar-se com a mesma sordidez de antes sobre as cobertas. Mas a verdade é que não havia se esquecido de nada: Stephane, Chris, o pau de seu amigo, os homens que tanto temia, o homem que jamais poderia ser, o inclassificável Juiz de Direito e suas podres confraternizações, sua mãe morta.... nem da dor estômago, responsável pelo seu afastamento das drogas, conseguira esquecer-se.
     Por fim Gregor irrompeu em choro. Chorava e não sabia bem porque, procurando não ofender a madrugada, certo apenas de que se tratava de um choro obsceno e talvez redentor; por isso deveria pertencer a Gregor, tão-somente a Gregor. Lembrava-se de tudo e de todos, tendo vezes em que a imagem de Stephane surgia mais nítida que as demais, acreditava então estar chorando por ela. Em outros momentos era como se nada mais existisse, um choro que nascia e encerrava-se em si próprio, um véu a espatifar-se sobre o corpo e alma de Gregor, manipulando todo o seu sentir. Não devemos, contudo, nos esquecer que Gregor gostava de chorar, via o choro como a mais perfeita analogia do homem: isto porque Gregor julgava ser o perdão não só a razão de toda e qualquer lágrima, era também a sua mais imediata tradução. No entanto é um erro crer que existam lágrimas perpétuas, elas, quando não secam, corrompem umas as outras, perdendo todo o seu caráter abstrato; a tornar-se algo concreto e áspero, feito cimento ou epiderme de quem amamos ou odiamos, que esfola a frágil carne humana - é quando o amor, tanto o de ontem como o de amanhã, começa a sustentar-se em mágoas que não podem ser esquecidas.
     Quando se chora há uma razão para ter medo, Gregor acreditava piamente nesta máxima que ele mesmo escrevera. Não seria, portanto, um exagero dizer que ele adorava cegamente as suas lamúrias - ele que pensava serem os olhos o elo de ligação entre matéria e espírito, e que, inacabados, acabavam por tornar-se um espelho da carne, não da alma. A alma diz " ame " e os olhos amam, amam mas não sabem porque amam, amam mas não sabem o que é o amor, apenas amam. O mesmo pode ser afirmado em relação as lágrimas: abstratas ou não, sendo o perdão ou não, elas pertencem aos homens, tão somente aos homens; da mesma forma que aquele choro obsceno ( talvez redentor ) pertencia a Gregor, tão-somente a Gregor que, ao chorar, procurava um lance de sorte aonde pudesse renascer como homem... assim adormeceu, sonhando que acariciava ternamente o próprio braço, bem aonde deveria a agulha deveria rasgar...
     Outros sonhos vieram. De repente a Universidade era uma enorme construção prostrada em meio a um asfaltado deserto. Ao final da aula todos os colegas de Gregor se preparavam para ir ao funeral do Juiz, somente Stephane ficaria, em meio à imensidão daquele deserto. Gregor partia e de longe ainda sentia uma imensa alegria ao ver aquela figura cada vez mais distante, pervertendo a limpidez do deserto. Tal qual em um filme de Woody Allen o nosso herói teve a impressão de escutar no parado ar a parte cantada de " On The Sunny Side Of The Street ", gravação original da orquestra de Tommy Dorsey. No cemitério assustou-se e teve medo ao ver Stephane diante do túmulo de ignóbil Juiz de Direito, ela virou-se para Gregor e, num sussurro lírico e indecifrável, disse: " Olhe para ele. Como poderia ama-lo? ". E seguiram, defronte ao túmulo de sua mãe tudo o que Gregor viu foram pedras e crucifixos desgastados pelo tempo. Antes de partir quis dizer que Stephane poderia ser de qualquer homem, dele inclusive, mas julgando estar sendo tolo calou-se: morreu sem saber que dádiva ou que face de Deus era aquilo tudo...

Daniel Francoy


 
 
 
 

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