Outra Bruxa
A partir do excelente “A Prisioneira”, de Nilza Amaral e sobre impressões causadas pela Bachiana número 5, de Heitor Villa-Lobos, em releitura de Egberto Gismonti


Como todo bom processo natural importante, acontecera silenciosamente, imperceptível. Assim, de repente, vira-se transformada. Agora, recoberta de pele suberosa, tegumentosa, como casca de árvore antiga. Agora, com o olhar carregado de sinais involuntários, mistérios, profundidade -  inevitáveis. Agora, a voz rouca da noite e do riacho, com sua força sutil. Não conhecia aquela mulher que via no espelho.
Mas isso durou pouco tempo. Logo sua alma também virou árvore, riacho e noite. Imensa, silenciosa, presente. E todas as manhãs reconhecia-se ao espelho. Trazia em si um mundo quase completo, colorido a seu modo, em que viviam todos os rostos que ela podia imaginar. Foi assim que tornou-se rainha. E foi assim que compreendeu que aos poucos sua alma projetava-se cada vez mais alta, almejando o infinito, através de caminhos outrora inconcebíveis.
Todos os sinais, em seu corpo, em seu coração, marcavam claramente que seu auge chegara – a mais plena e assustadora maturidade, o grande solstício, o último meio-dia. As pontas do círculo estavam para encontra-se. Era o momento de tornar-se infinita. Foi assim que tornou-se deusa, apesar do medo, segundo seu destino imutável. Foi assim que mais uma vez, e cheia de resignação,  transformou-se e lançou-se à mais longínqua altura.
Tudo porque vivera plenamente essa nova pessoa pela primeira vez: mais que nunca, Ela Mesma. Agora, finalmente, completa, dissoluta, intangível.

Fábio Camacho
15th/2/2000


 
 
 
 

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