pra Sandra Cristina "Angolana", com muito carinho e saudade.
— Regina, vamos curtir um som hoje?
— Pô Evita, não vai dar, olha, tenho tanto que fazer.... Fica pra amanhã, falou?
Desligou o telefone, fechou a agenda e a jogou num canto, se remexeu na poltrona, quis entender a letra da música que tocava, mas o inglês nunca foi seu forte.
Pais viajando, quinta feira e ninguém a fins de uma saída.
Remexeu-se na poltrona novamente. Pequena burguesia paulistana, no ap. na rua Bahia e a vontade de correr a cidade e viver uma aventura. Tentar de novo.
Disc que disc o n.º guardado de cabeça.
— Por favor o Jonny.
— É ele.
— Oi Jonny, aqui é a Evita...
— Oi Evita.
— Então... tu vai fazer alguma coisa hoje?
— Vou pegar um show no Madame Satã.
— Puxa que barato. E se vai só?
— Vou encontrar um pessoal lá. Tá a fins?
Remexeu a cabeleira loira que pendia até seu ombro. "como se ela tivesse alguma dúvida".
— Eu vou sim ! Dá pra tu passar aqui?
— O.k. Tipo as dez?
— Tipo as dez !
Um sorriso, um trago no cigarro Mallboro. Um programão para uma quinta-feira. Sorri mais forte, boca inteira. Aumenta o som, sobe ao quarto tira a roupa, apanha uma toalha e brinca nua pela sala. Liga a ducha e deixa a água quente lhe correr o corpo. Narcisismo em frente ao espelho. Calça preta, blusa preta, sorriso, tênis preto importado e prá fechar um cinto tipo do exército. Mexe que mexe na cabeleira até se arrepiar por inteira e enfim... quase pronto o tipo certo. E lá estava ela, Evita, dona de seus 17 anos de vida no planeta. Um pouco rejeitada num apartamento triplex na Rua Bahia.
As dez pontualmente toca o interfone.
— Srta. Evita, o Sr. Jonny.
— Diga que estou descendo.
Elevador, nove andares, porta, rua, noite, liberdade... examinou cuidadosamente o Sr. Jonny, que fez o mesmo com ela. Lá estava ele. Com calça, cuidadosamente rasgada, camisa preta, colete, cabelo arrepiado com falhas. Entram no Fusca e rumam os dois para o Madame Satã.
. . .
— Teus pais foram viajar?
— É.
— Ce tá bonita, sabia?
Os olhos verdes brilharam no escuro do carro.
- Thank you.
O vazio de dois dias de solidão, de espera, de horas no telefone foram rapidamente preenchidos.
Kiss me baby
Garotos loiros, verdes, amarelos, que as luzes noturnas do Madame Satã vão preenchendo leve, doce. Tranquilos no sorriso, mesmo porque ela sorria e Uauuu, sorriam pra ela. O Jonny se enfiou num canto e esquecida de tudo deixou a música refinada bater dentro do seu corpo.
Dançava... leve, solta, sem querer se esconder de ninguém. O Jonny chegou perto dela e com os cabelos agora molhados a acompanhou naquela decolagem via Inglaterra. New bossa, vontade simples de mexer o corpo.
Mas foi quando um par de olhos azuis deram de cheio com os seus, que ela sentiu o corpo tremer. Ele não falou nada, sorria de canto de boca e lhe passou o copo com gim tônica para suas mãos. Bebeu um gole e devolveu. Voltou a dançar, agora na frente dos olhos azuis que por sua vez lhe acompanhavam.
E a música e o copo foi passando de mão a mão, de corpo a corpo, até que ele lhe deu a mão e ainda se dizer nada, os dois escolheram um canto próximo ao palco.
— Eu nunca te vi aqui?
— É a primeira vez que venho.
— Tá gostando?
— Muito.
Um negro dá um show a parte no centro do Madame.
— Eu queria ver a noite.
— Lá fora?
— É.
— Sozinho?
— Não, com você.
. . .
— Então, vamos?
— Espera, vou pegar algo pra gente beber.
Ela foi até onde estava Jonny, ele lhe deu beijo, ela lhe deu um sorriso e um carinho. Pegou seu blaser preto, encheu o peito de ar e saiu pra noite paulista, protegida por um par de olhos azuis e cabelos negros.
Jaime Celiberto
Começo de 86
Copilado em set/96