Parecia uma mulher comum.
Era bonita, não muito alta, esbelta, cabelos muito pretos e
longos, um tipo cigano.
Seu corpo era perfeito.
Sua pele lisa e seus olhos brilhantes.
Seu sorriso e expontaneidade adocicavam mais ainda sua voz sensual.
Parecia, mas não era, uma mulher tão comum!
Trazia marcas indeléveis, cicatrizes profundas que marcavam
sulcos em sua alma.
Aparentemente não envelhecia.
Já havia passado há muito, do limite que Balzac estipulara
para elogiar uma mulher madura!
Poderia ser comparada a jovens de menos da metade de sua idade, com
vantagens...
A natureza lhe fôra pródiga.
Mas, ninguém parava para ouví-la, repetia em seu íntimo
uma poesia que lhe gravara no sub-consciente, nas horas de angústia:
"Quando Ismália enlouqueceu
Pôs-se na janela a olhar
viu uma lua no céu
viu outra lua no mar
sua alma subiu ao céu,
seu corpo desceu ao mar!"
A idéia do suicídio a perseguia.
A covardia a trazia de volta à realidade...
Pensava a cada nascer de cada dia, porque não se concretizava
em verdade, a história de Adão e Eva...
Onde o paraiso que fôra criado por Deus e de um ser primeiro,
criado de um pedaço seu, sua companheira?
Onde o seu "Adão"?
A angústia ia tomando cada célula de seu corpo...
Escrevia muito, falava de amor, cantava o amor, dançava o amor!
Mas morria por dentro a cada segundo, a cada minuto, a cada hora...
Era a desistência que chegava.
Procurava angustiosamente sua sombra.
Não a tinha mais!
Tão escuro era seu caminho, tão grande sua solidão,
que não havia sombra, sua própria sombra a abandonara!
Não era mais nada...
Apenas uma mulher comum mas tão incomum dentro de si mesma,
fechada e envolvida em suas mágoas, que se afundara no mar do silêncio
interior!
Nunca ninguém a percebera...
Luz forte que cruzava os caminhos, ofuscava a todos e assim, não
conseguiam vê-la.
Viam apenas a forma.
Nunca a essência.
Rosa sem perfume, embalsamada pelos revezes da vida, se tornou fixa,
rodopiando sobre si mesma e a si própria, chamou "Rosa dos Ventos".
Viajantes, passantes, aventureiros, todos se guiavam por ela, queriam
tocá-la, admiravam sua beleza e sua velocidade nos tempos, indicando
direções, o vento envolvia-lhe os cabelos e ela parecia flutuar
na estrada da vida!
Mas o tempo foi marcando o próprio tempo e ela foi se sentindo
cada vez mais sozinha.
Caminhava olhando as árvores, abraçando seus troncos,
cumprimentando os Devas, falava com as flores, com os Duendes, gostava
de sentir o frio da chuva molhando seu corpo até sentir o gelo que
era sua própria existência!
Ligava o som e dançava consigo mesma, sempre rodopiando ao sabor
dos ventos do destino, destino cruel, solitário,vazio...
Ninguém notava nada!
Apenas uma mulher...
Um dia, absorta em seus próprios pensamentos, sentou-se diante
de um espelho, fixou-se em sua imagem e começou a conversar com
ela.
Sonhos e esperanças, tristezas e angústias, fizeram parte
dessa triste conferência de um só!
Muitas vozes falavam dentro de si e trocavam memórias, atravessou
o espelho, foi até o fundo da própria imagem, encontrou apenas
solidão!
Voltou.
Sentou-se, então, na sala escura e esperou o anoitecer; olhava
fixamente para uma paisagem, lá estavam " As Neves de Kilimanjaro",
lindas, embaixo, alguma vegetação local e um córrego
azul.
Águas tranquilas, silêncio e paz.
Desejou profundamente transportar-se para aquela paisagem, sem saber
como nem porquê, eis que lá estava, por detrás de um
dos troncos daquela pequena floresta à beira do riacho...
Sentou-se ali mesmo e começou a chorar, chorar com a alma, com
todo seu sentimento.
Pessoas chegaram ao local onde estava o quadro.
Alguém comentou que não havia ninguém em casa.
Do quadro, ela podia ver e ouvir tudo.
Jamais prestaram atenção ao quadro, muito menos a ela!
Viveram, riram e ela percebeu então, que não fazia diferença
sua presença na casa...
Melhor seria ficar ali, agachada, pensando, em outra dimensão,
tudo era paz, silêncio, não havia mais rotina, necessidades,
nada!
Não havia siquer a solidão!
Não havia sentimentos, era apenas uma figura inserida no contexto,
só que o autor da pintura não sabia!
Ali deixou-se ficar.
Buscas foram feitas, ninguém conseguiu encontrar nunca mais
aquela mulher!
Parecia uma mulher comum, diziam...
Era uma mulher comum.
Tão comum que não virou notícia.
Apenas mais uma pessoa desaparecida e ali ficou para sempre, de lá,
sem sentir a dor do desprezo, sem sentir o peso da solidão, se sentia
útil, pelo menos fazia parte de um quadro de algum pintor desconhecido,
tanto quanto ela era que sempre fôra, um adorno da casa, um objeto
mais nada.
Apenas uma mulher comum.
Apenas uma mulher!
Janete, Rosa dos Ventos